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Caríssimos amigos:
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Hoje foram publicados apenas os textos referentes ao Tema do Mês:
“Abandono”.
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Participantes
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Muito obrigado a todos que colaboraram com esta “blogagem coletiva”!
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Abandonados estamos de nós mesmos. Quantos de nós ainda nos olhamos com aqueles olhos benevolentes da descoberta? Quantos de nós, tomam conta do corpo, dos pensamentos... Quantos de nós se dedicam a si mesmos, como pessoa, única e exclusivamente. Não sei se por medo de ir fundo nas descobertas talvez desagradáveis que compõem até o ser mais preparado, ou mesmo se por desleixo por se considerar já pronto ou, apenas, por ter que cuidar da sobrevivência.
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Eu fui procurar uma senhora que vi no jornal. Lá na praça da rodoviária onde ela vive. O que me chamou atenção não foi o abandono. É que ela é da minha cidade, Itabira. Está aqui em Belo Horizonte porque os filhos a abandonaram ou ela abandonou os filhos. Não sei de quem partiu a iniciativa. Isso virou algo tão corriqueiro nas ruas das grandes cidades que esses seres são como elementos da paisagem urbana. Como postes que se mexem e têm vontades de vez em quando. Só são notados pelo cheiro que incomoda, pelas necessidades fisiológicas que fazem nas ruas. Mas esse não é um tema que eu quero para uma crônica sobre abandono. É um caso crônico de polícia, justiça, das injustiças que já não fazem tanta diferença a quase ninguém. É assim, dizem quase todos: uns vencem na vida, outros não. Têm milhares de argumentos, de justificativas, umas mais sórdidas que as outras. Têm até teorias sociológicas, psicológicas de que a desigualdade é inerente ao ser humano.
Atualização da teoria de Malthus. Aquele inglês que disse, no século dezoito, que a melhor maneira de se acabar com a pobreza era eliminando os pobres através da fome, das pestes e das guerras. Em certa medida, mesmo que não esteja nos programas de governo do mundo, tem dado resultado. Outro dia eu vi um senhor dando umas moedas para um homem imundo e maltrapilho na rua. O homem estendeu a mão para agradecer ao senhor e este recusou. Depois se virou para os passantes e com aquela fisionomia de asco (acho que era asquerosa), comentou “Tá louco, que nojo!”.
Ainda não é dessa forma que queria tratar do abandono em uma crônica. Que saco!
A senhora da entrevista era articulada no linguajar, disse que possuía casa, já teve trabalho, mas resolveu ir morar nas ruas. Quando a pergunta era sobre os filhos ela desviava o olhar despistando as lágrimas que insistiam em derrubar a sua altivez momentânea e vacilante.
A mídia faz sempre esses trabalhos maravilhosos. Mas fica lá num canto de página. O que importa mesmo à grande maioria é a chamada de capa, a manchete (resulta em venda imediata). O resto cai no esquecimento, no abandono também.
Já reparou que com o advento do “politicamente correto” o menor abandonado ganhou o eufemismo de menino de rua? Fica até mais fácil mantermos o estado de abandono com menos culpa. A semântica ajuda bastante nos gestos.
O abandono não encontra redenção em nenhuma teoria. Não sucumbe à insensibilidade. Saí daquela cena. Na mente, uma definição doída: a fotografia da indiferença jogada ao relento.
Não consigo falar mais nada.
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Tudo aconteceu de repente, sem que eu tivesse tempo de me acostumar. Ontem eu vivia feliz com a minha família. Hoje acordei e a realidade era outra. Tudo se perdeu. Nem harmonia familiar, nem carreira, trabalho, sonhos, nem tampouco a saúde. Sou outro homem. Acordei com a sensação de estar em outro lugar. Um lugar lúgubre, sem amor, sem esperança. Tudo em que eu acreditava desmoronou. E, tão subitamente, que me encontro ainda tentando afastar os escombros e respirar um pouco o ar que é ainda possível sorver. Uma nuvem de fumaça encobre a paisagem e não me permite enxergar um palmo a distância, apesar de ter sido suficientemente forte para me desenterrar e ver um fio de luz. Sei que ainda há muito a fazer, dificuldades a enfrentar, emoções a deixar de lado até que possa me reerguer outra vez e buscar um caminho. Mas, nesse momento, fraquejo de novo e deixo a cabeça pender vertendo as lágrimas que me permitem lavar o rosto sujo e trazer um pouco de frescor à face e alívio ao coração, agora de pedra. Vou sobreviver, eu sei. Vou caminhar, embora trôpego e sair deste lugar inóspito onde acordei para a vida depois da noite inesquecível em que você me abandonou.