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(Aviso: Os textos em amarelo pertencem à categoria
Eróticos.)




terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Tardios Ventos - por Ana

Tardios ventos se aproximam em procissão.
Oferecem memórias, calam as línguas.
Surgem cegos, elevando os detalhes da terra, ruindo vidas.
Não se sabe dia, imperceptível é a noite.
Tragam a luz as densas nuvens que os acompanham.

Existir tornou-se um deslizar na escuridão,
existir tornou-se ser.

E eu sou um ser que vive para além dos ventos, das nuvens,
das memórias, das ruínas, do negror
porque tenho asas que me encaminham para você
e me permitem tocar o futuro de seus olhos ainda hoje,
embora esteja profundamente infeliz.

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Traição - por Adir Vieira

Sou eu que traio meus pensamentos não os deixando fluir da forma que vêm, sem qualquer censura, ou são os meus pensamentos que, na ânsia de me mostrar diferente do que sou,
são formatados por minha mente, à maneira dos outros e, com isso, me traem?
É a dúvida que assola minha vida, fazendo de mim uma eterna traidora.
Traidora dos meus desejos, pois não os realizo na medida dos meus anseios,
traidora dos meus projetos por perceber que pouco dependem de mim e sim dos outros,
traidora do abraço fraterno que não consigo dar para não ser mal interpretada,
traidora das palavras de carinho que não consigo dizer a um desconhecido,
traidora, enfim, de tudo o que de mais belo existe em mim e que não posso externar,
por culpa da própria vida.

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Quem Sou Eu... - por Ana

Com v eu escrevo vida,
com i, só impedimento...
Unindo as duas palavras
eu descrevo meu tormento.

O r é da minha ruína,
o g, de maior gaiolão,
posto que eu vivo presa
aos prejuízos que me dão.

Outro i é de infeliz
que eu sou, tenho certeza,
quando o n, de nó,
amarra minha leveza.

Mais um i, de idiota,
une-se ao meu coração,
que sofre todos os dias
com o a de agressão.

Sei que é maneira triste
de pensar esta existência,
mas a isso fui forçada
por tantas cruéis vivências.

Nasci muito diferente,
minha alma veio certa
de que aqui seria bom
agir de forma correta.

Porque sou v, de vitória,
i, de iniciativa,
r, de tão risonha,
g de gostar da vida.

Sou, também, i de irmã,
n, de nutridora,
i, de inteligente,
a, de agregadora.

Ainda sou decidida,
justa, firme e poderosa;
eu ando é meio pra baixo
por ver tanta coisa horrorosa.

Um dia vou renascer
das cinzas da ignomínia,
fazer isso em alto estilo
ou não me chamo Virgínia.

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Saudade - por Adir Vieira

Consultando o Aurélio, vejo que o significado de saudade é a lembrança melancólica ou suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas. A princípio, me surpreendo e, para ser mais exata, não concordo com esta afirmação. Senão, vejamos: como coisas extintas? Se neste mesmo momento, senti uma tremenda saudade do meu bolinho de fubá e a ele pude recorrer, pois não estava extinto, nem distante? Começo a discordar, quase que pela simples satisfação da discórdia e me atenho a outra saudade, a do cheiro do meu perfume, ali tão presente, diante de mim. Vagueio na minha imensidão de saudades e, para não falar apenas de coisas materiais, aquelas das quais nos acercamos e defendemos, para não perdê-las, e chego a uma saudade de criança, aquela da minha alegria, do meu riso estonteante, sem que soubesse o seu porquê e me pergunto se ele está distante ou extinto. Começo a me perceber, começo a me analisar e chego à conclusão de que ela, a minha alegria, está inserida em meu contexto, pronta a se revelar toda vez que eu assim o permitir. Subitamente, vejo que a saudade é nossa e dela podemos abrir mão ou a trazermos para nós, como algo presente e real, desde que o permitamos. E assim, vejo que ela não existe, pois ao revivermos os momentos queridos, transformamos em real a sua presença. Daí, lanço aqui o meu novo significado para a saudade: impulso de transformar em real tudo aquilo que nos marcou verdadeiramente.
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Roubada - por Adir Vieira

Todas as vezes que observo no meu pulso a marca das unhas cravadas por dois bandidos em um assalto, revivo a desagradável indignação de ser efetivamente roubada no que há de mais sublime em mim: a permissão do toque em minha pele. Ser arrebatada por estranhos, sentir suas mãos imundas de ladrão mostrando-me minha impotência de reação, foi mais difícil do que vê-los sumir com meus bens materiais. A perda do que talvez você possa repor dá uma sensação momentânea de vazio, mas aquela marca ali, me dizendo que o fato aconteceu e eu não impedi, ainda causa arrepios em meu corpo e acende cada vez mais o medo, o pavor de que a coisa possa se repetir.
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Roda da Vida - por Alba Vieira

Ando por terreno íngreme, ladeando um horrível abismo.
Sei o que me aguarda caso perca a atenção um só instante.
E resisto e avanço.
Embora, muitas vezes, as intempéries se abatam sobre mim.
Ignoro o perigo que corro, contribuindo para que seja ainda mais difícil meu caminhar.
E à medida que ando não me deixando sugar pelo abismo que seria a única certeza
fortaleço as pernas que não vergam pelo cansaço e mais ainda os nervos que se fazem de aço
para suportar todas as mudanças, todos os sustos, todas as agruras que fazem parte deste meu destino.
Um dia, quando ultrapassar este trecho mais puxado, tão cheio de armadilhas
que ameaçam endurecer meu coração e turvar minha mente lúcida,
poderei ora caminhar com passos firmes,
às vezes em passadas leves quase esvoaçantes
ou ainda saltar pela alegria de poder perceber a paisagem então tranqüila, bela e idílica
ou até mesmo parar, descansando à beira de um lago de águas profundas onde, certamente,
repousarão as dores, as mágoas, e incertezas do que já passou.
Sonho com esse dia de poder dormir, repousando sobre minha história,
tecendo os fios de uma nova trama,
uma outra rede de intrigas
em que me perderei num futuro próximo.

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Expressão - por Alba Vieira

O que pinto? E para quê?
Minha pintura, não a faço: se extravasa de mim. Não há intenção, não participa a porção volitiva, só existe a emoção que escorre livremente. É como uma harmonização, uma tentativa de equilíbrio. Quando o que me habita atinge um limiar, é preciso exprimir. Não sei o que pinto, apenas descubro o que se formou na tela a partir de meus movimentos, depois de terminada, olhando-a e, principalmente, sentindo-a. Por vezes está inacabada e horas ou dias depois um novo traço a completa e pode modificá-la completamente.
A minha linguagem é através de imagens e são imagens livres, soltas, ilimitadas, capazes de traduzir uma variedade de sentimentos e serem captadas, entendidas, visualizadas ou mesmo intuídas por qualquer observador.
Nem sempre pode ser compreendida no plano cognitivo por aquele que impressiona. Pode causar espanto, apreensão, medo; pode maravilhar, emocionar, deslumbrar, entristecer, causar náuseas: sensibilizar. Algumas vezes provoca um incômodo, atiça, tenta mobilizar. Instiga sempre. O fato que é que atinge; às vezes de forma indelével, outras vezes demolidora.
O que pinto já nasce pronto, é como uma pictografia. Mas quem se expressa não são sempre outros egos, podem ser subpersonalidades minhas, tantas que nem eu conheço ainda e que necessitam de expressão.
Pintar é para mim terapêutico porque me permite integrar meus eus sem dizer palavra. Na verdade, substitui a palavra. Busco o silêncio.
Depois que termino um quadro, passo por ele e ele me chama para que o olhe profundamente. Muitas vezes preciso de tempo, de várias miradas, de fixá-lo ou de passar através dele e estar em outro lugar, de me expandir caindo nos abismos que retrata ou levitar envolta em cores suaves ou mesmo ser tomada e girada e arremessada longe, depois de ser tragada pelos redemoinhos de cores quentes. O fato é que há um convite para interagir com as imagens e ser transformada por elas. E também visualizo rostos e formas esboçadas.
Acredito que acontece assim com todos que pintam e com todos que são impressionados por uma obra de arte. O que difere é a profundidade da comunicação.
Sei que nesta forma de comunicação subliminar ocorre o mesmo que observamos em relação a pedras e cristais, alguns livros, lugares especiais: não somos nós que os escolhemos, eles nos escolhem. E assim também com animais de estimação, adereços, músicas e, porque não, com amigos e filhos adotivos? A propaganda se utiliza disto e todos nós vivenciamos todo tempo esta forma de interação.
Não é necessário traduzir ao nível cognitivo para ser atingido por uma imagem. Felizmente, a interação entre as pessoas ultrapassa o sentido das palavras, o olhar se aprofunda além do que se vê objetivamente e o corpo se expressa mais do que pretende, com os gestos. Somos seres ilimitados, mesmo quando não conseguimos perceber.
A arte é uma linguagem que expõe o artista, que mostra quem ele é e o que pretende nesta existência ou mesmo que serve de veículo para retratar conteúdos latentes de vivências passadas fazendo pressão na sua consciência. Daí sua função terapêutica.
Um quadro costuma escolher seu dono e não o contrário. É engraçado numa exposição alguém declarar que precisa adquirir aquela obra que sente como se já fosse sua. É que foi atingido em cheio por ela, houve um reconhecimento.
Ainda tenho apego pelos meus quadros e não consigo vendê-los, talvez porque ainda não cumpriram sua função. Não basta terem exonerado meus conteúdos, ainda tenho que captá-los, entender alguns decifrando-os ou apenas intuindo outros. Hoje ainda são meus e ficarão comigo como filhos, só que me preparando e não o contrário, então poderei soltá-los para que encontrem e elejam seus outros donos com quem passarão a interagir e transformar.
É bom pintar, brincar a sério com as cores, sentir nos dedos as texturas das tintas, o relevo da tela, o cheiro da mistura de cores e o assombro pelas imagens que se formam. É assim na vida quando o prazer é mergulhar completamente, se aprofundar nas vivências, misturar-se com os semelhantes e enxergar cada vez mais claro o que está por trás das evidências.
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Revolta - por Alba Vieira

Eu cuspo no mundo, escarro em porções malignas todo o meu ódio e dor.
Preciso destruir, colocar abaixo esta podridão que me circunda.
Tenho nojo e escárnio pelos que me cercam.
Sinto-me enlameada, imersa nos dejetos desta realidade torpe,
Onde os bossais, os cretinos, os oligofrênicos por opção governam.
Conseguirei manter-me acima de toda a imundície,
Quando vez por outra sou tragada por ondas colossais de sujeira?
Só dissociando ou deixando-me catatônica...

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No Stress - por Alba Vieira

(Paródia da música “Devagar, Devagarinho”, de Eraldo Divagar,
.cantada por Martinho da Vila)


Bem devagar, bem devagar,
Bem devagar, bem devagar,
Devagarinho...

É desse modo que a gente chega lá,
Se você não acredita até pode se estrepar.
Não vá na onda pra você não se afogar,
O stress então lhe pega, não adianta reclamar.

Bem devagar, bem devagar,
Bem devagar, bem devagar,
Devagarinho...

Nesta vida o que vale é escolher,
Atenção o tempo todo ou cê vai enlouquecer...
Precisamos abrir mão do que é penoso
Pra viver o que é gostoso... Isso já dá pra fazer.

O trabalho só vale pelo prazer,
Competir pelo sucesso não dá para entender...
Ganha hoje e amanhã perde de novo,
Botem isto na cabeça. Vamos relaxar, meu povo!

Bem devagar, bem devagar,
Bem devagar, bem devagar,
Devagarinho...

O amor deve comandar a gente,
Confiança é o que ajuda pra sempre seguir em frente.
Com coragem e muita dedicação
Todo mundo chega junto, desse jeito é que é bom...

Bem devagar, bem devagar,
Bem devagar, bem devagar,
Devagarinho...
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Protejam-me do Amor - por Alba Vieira

Protejam-me do amor! Cruz credo!
O amor faz mal fazendo bem.
O amor se engana, leva pra cama e tenta derreter o metal,
mas... de quem?
O amor conduz, seduz e reduz.
Egoísta que é, toma tudo,
não vê um palmo além de si.
Matreiro, prega peças mil,
crê ajudar, mas na verdade per si
mostra mesmo o quanto é vil...

Ah! Esse engodo de compartilhar,
essa conversa fiada de dissolver o ego pra gozar...
Tudo balela! Tudo bobagem!
Na verdade amamos é a própria imagem.

Desconjuro! Comigo não!
Solteiro convicto, sem alarde,
disfarço, nos dias de casamento,
fingindo estar junto, sendo de fato covarde
pra me render ao conviver.

Ao invés de um, dois?
Prefiro morrer!

Mas... maldição...
me pego, já consumado o fato,
enredado, à traição,
na armadilha das teias
- invisíveis e absolutas -
do coração.

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Os Meninos e as Pipas - por Adir Vieira

Da varanda de minha casa vejo um grupo de meninos, uns crianças ainda, outros bem maiores, em cima de uma laje, num burburinho e agitação que me prende a atenção. É distante, mas aquele grupo de pelo menos dez, agita minha curiosidade. Busco um binóculo de longo alcance e posso observar o vaivém ritmado do trabalho grupal na confecção de pipas ou, como alguns dizem, papagaios. Uns cortam bambus de vários tamanhos, outros enceram os mesmos pedaços de pau, outros preparam as armações, outros separam folhas de papel colorido por tonalidade, outros recortam esses mesmos papéis, outros imprimem desenhos por sobre as folhas, outros colam e arrematam sobras de papéis que envolvem as armações. Lá no fundo, um deles fabrica as rabiolas. São papéis ondulados que, fixos no chão, dançam ao mexer das mãos daquele menino. Fico ali, presa e obcecada por aquela fábrica de sonhos. É verão e os céus começam a exibir aquelas formas coloridas em duelo. A correria das crianças para obter aquelas "voadas" em virtude de cerol mais agressivo do mais esperto pode ser vista por todo o bairro. Não temem os choques elétricos quando tentam resgatar a linha presa aos postes, não temem os carros quando atravessam a via pública e seu olhar está sempre no alto, seja nos movimentos alucinantes para fazê-la voar, seja no percurso que a "voada" fará. Assim, por mais uns três dias sigo aquela fábrica de sonhos e constato que aqueles que fazem não brincam com o objeto de sua produção. Remonto, com esta observação, a um passado não muito longínquo e vejo meu irmão repetindo aqueles mesmos gestos, aos quinze anos, quando fabricava pipas sentado no chão da cozinha e as vendia a um armarinho próximo de nossa casa para ajudar no nosso sustento.
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Atenção - por Alba Vieira

Viver e ter consciência plena de tudo. Quem seria capaz deste exercício de ser aqui e agora? Deve-se ter certeza de não deixar passar nenhum detalhe. Tudo é importante enquanto se caminha pela vida e sempre há a escolha. Optar pelo caminho certo nem sempre é fácil, já que escolha certa ou errada é pura convenção. Nada existe além do caminhar. E o que importa é a escolha, apenas isso. Todos os rumos são formas de evoluir e aprendemos com os erros. E se fazemos o caminho ao caminhar, o mais importante é sentir os pés no chão, olhar bem para os lados, perceber os perfumes do lugar, prestar atenção às pessoas e ao que nos cerca e, sobretudo, olhar-se. Completamente.
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Delírios - por Alba Vieira

Chove. É madrugada. Todos na casa dormem. Acordo de um período breve de sono vencida pelo calor excessivo. Ainda sonolenta abro a janela. É abafado dentro de casa. Através da grade observo, do outro lado da rua, a casa de jardim amplo e de repente sou jogada de encontro à minha alma. Olhamo-nos, separadas pelos triângulos de ferro que “protegem” minha casa. Surpreendo-me e me percorre o corpo uma corrente elétrica concomitante ao ruído supersônico que, neste estado ampliado, percebo no mesmo instante em que vislumbro morcegos cruzando o ar entre as árvores copadas. As frestas da grade, com a janela semi-aberta, teriam deixado penetrar um morcego, assim como olhar a noite quieta com a chuva fina caindo e refrescando os corpos do intenso calor não me salvou do contato terrível comigo mesma.
Pensei em como me excitou supor que, entrando no quarto naquela noite, o morcego viria direto ao meu pescoço e sugaria meu sangue, me aliviando do excesso talvez de uma vida, equilibrando meus humores tal qual a chuva que cai agora mais suave e fria e arrefece o calor de tantos que, vermelhos de raiva, destilam seu ódio há tantos dias, numa logorréia também supersônica que agride meus ouvidos, que consegue sujar minha aura.
Terrível encontro porque, na madrugada quieta, sem gente na rua, o vazio das pessoas, a supremacia das forças da natureza com a chuva agora novamente pesada despencando do céu, me faz ansiar por uma catástrofe que, dizimando muitos milhares de humanos, talvez consiga aliviar o sofrimento do mundo.
E o ruído dos morcegos nesta noite também guiará meu caminho quando novamente tentar voltar a dormir. Porque, excitada pelo pensamento de que a tragédia, a morte, é a única solução para o impasse deste atual aprisionamento da minha alma, é provável me chocar com a culpa e acabar num sonho erótico com vampiros em noite de temporal.
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Perfeição - por Luiz de Almeida Neto

Prefiro sempre o conceito que os gregos tinham da perfeição. Que significava algo mais como a representação milimétrica do humano, em sua estética e emoções. De todo jeito acho que é um conceito altamente anacrônico, que, em nossos dias, não se aplica mais, já que nós não temos mais tempo. É muito difícil fazer algo esmerado em nossos tempos, já que temos que fazer tudo tão rápido. Você sabe: “a pressa é inimiga da…”.


Resposta a “Perfeição”, de Alba Vieira.
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Perfeição - por Luiz de Almeida Neto

É bem melhor mesmo quando o conceito de “perfeição” se esvai e nunca mais volta à nossa consciência. Afinal eu concordo que ele só exista em nossos tempos para nos atormentar.


Resposta a “Perfeição” de Adir Vieira.
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A Pipa - por Alba Vieira

Sobe, levada pelo vento, dançando qual serpente nos ares. Sorri toda colorida na longa rabiola desenhando movimentos graciosos, enquanto os ombros largos de bambu impõem altivez e avançam cortando os céus. Leve e flexível rodopia e vai cada vez mais alto e mais alto. (É como aquele momento em que saímos de nós e temos uma idéia luminosa.)
Outra vez solta-se, mergulha no abismo. Então, sobe de novo, mudando a direção. E dança e dança e quase se cansa dos vôos livres. Aí precisa se envolver com outras, ensaiando trajetos que faz ou não faz, só de brincadeira, atraindo as de outras cores e formatos e fugindo rápida quando aceitam o embate.
E, finalmente, se embolam numa briga de galos de cores quentes, engalfinhando-se, sob o efeito de movimentos irados e precisos dos moleques em férias. Até que uma delas cairá desfalecida, às vezes degolada, seguida pelos olhares ávidos dos meninos da rua. Será então apanhada, socorrida, recuperada.
E, agora, já conhecendo as manhas dos céus e dos meninos, mais apta para “os cruzas”, depois de refeita com outras cores (mais fortes), será a estrela dos céus das férias. Terá um outro destino. Só depois de ter-se deixado cuidar.
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Meu Sentimento - por Raquel Aiuendi

Meu sentimento está em movimento
Em movimento estático
Ansiando um horizonte,
Passivo no olhar sobre a vida.
Meu sentimento
Deseja a estrada da vida,
Desatracar do porto,
Sair do acostamento,
Ir em quarta, ir...
Partir pra partida
Com prorrogação
A cada final de tempo...
Meu sentimento-não-cigano,
Não se engana,
Mas quer dar a volta por cima,
Retomar a base
e manter a resistência
enquanto a luta durar.

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