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sábado, 6 de junho de 2009

Memórias de um Seminarista (Parte VIII) - por Paulo Chinelate

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LONGE DOS OLHOS…


Não sei quanto tempo permaneci sentado até que, esgotado das lágrimas, os soluços cessaram.
Retomei a estrada ladeira acima. Tudo era novidade para mim. Até o sentimento que oprimia ainda em meu peito. Não me recordava de ter chorado antes. Exceto, é claro, pelas surras merecidas até os seis anos de idade. Menino peralta, não escapara das “prestações de conta” no retorno de papai à noite. Mamãe não batia, quando muito uns bons beliscões que doíam mais no ego que na pele. Então chorava miudinho, mas parava logo, quase sem lágrimas, porque “homem não chora”. Hoje me descobri em nova situação: “molenga”. Seria um frouxo?
Os sons que ouvia agora, subindo aquela estrada, carroçável, íngreme, também os eram novos para mim. Os assobios de pássaros desconhecidos e o correr do córrego cristalino, o mesmo que alimentava a cachoeira vista quando de minha chegada ao seminário.
O cheiro então! Misto de água enferrujada com folhas mortas. No mais o silêncio, acho que mais de solidão do que falta de ruídos.
Após uns quinze minutos de subida deparei-me com um panorama exuberante: uma grande clareira fora aberta na floresta. Via-se um corte de quinze metros de altura no morro, certamente usado para o aterro de três grandes campos de futebol. Um de tamanho oficial, um mediano e outro pequeno. Nas divisões dos espaços havia enormes eucaliptos, sendo um deles de altura descomunal. Ao fundo uma grota onde dois caminhos largos que ladeavam os campos para lá se dirigiam.
Descobri que para os esportes havia uma classificação diferente da dos dormitórios. Dividiam-nos em grandes, médios e menores. Não podíamos nos misturar. Por qual razão assim procediam, ainda não atinara.
Ao ser notada a minha presença, um religioso, batina levantada nas laterais e presa ao cinto de cordas, veio ao meu encontro. Apresentou-se como Irmão Claudino, o nosso regente. Engraçado. Na perspectiva em que me encontrava não pude fugir à comparação. O moço, beirando aí trinta e cinco anos, mais de dois metros de altura, fazia par com o eucalipto maior ali plantado. Nomeei, de imediato, a árvore de “Irmão Claudino”.
O Irmão regente era o responsável por nos acompanhar em todos os deslocamentos. Dos alojamentos ao oratório, deste à capela para a missa, dali ao refeitório e deste ao salão comum de estudos, ali o religioso permanecendo em local elevado, sentado em sua escrivaninha. Só se via livre de nós ou nós dele quando nos dirigíamos às salas de aulas. Mesmo lá, de quando em vez, o tínhamos como professor de matemática. Enfim, um vigilante contumaz. E devia ter lá suas razões com um bando de adolescentes.
Joguei futebol, corri, me esbaldei. Muito diferentemente, certamente, de lá de casa, quando corria ladeira acima em brincadeiras de picula no Morro Fantasma, favela que ficava atrás da nossa rua. Aqui espaço aberto, salubre e limpo e sob a vigilância do… irmão regente!
Fui me integrando ao ambiente. Nos dias seguintes pude apreciar a chegada de novos colegas. Uns, antigos alunos retornando das férias anuais de quinze dias com suas famílias, outros, novatos como eu.
Tinha chegado àquele lugar no 12 de janeiro de 1960. Vinte dias depois deu-se início ao período letivo.
As lembranças de papai e mamãe, de meus sete irmãos, de vovó Lidia, dos primos e dos colegas de rua iam-se desbotando. As atividades constantes não me permitiam espaço para elocubrações. Exceção feita à hora de deitar que, apagadas as luzes, ainda teimavam em brotar lágrimas a algumas lembranças. O sono era o meu reconforto.



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Charada III - por Alba Vieira

Deixo pegadas de sangue na trilha do tempo.
De início sou dor a dilacerar,
Depois um simples lamento.
Justifico a eterna presença do que feneceu.
Pois consolo na perda do amor que morreu.

Teço com os fios das lembranças,
A manta quente que agasalha,
Nos graves momentos de dor
Em que a falta do amor estraçalha
Trazendo o medo da mudança.

Às vezes sou o único remédio
Da relação que já virou tédio,
Porque contra mim não cabe argumento.
É melhor se render,
Quem comanda é o tempo.

Tantas vezes único consolo na terceira idade,
Ainda que isso pareça, da Vida, maldade.
Sou filha da perda e irmã do amor.
Gerada, inevitavelmente, por ela,
Dele, na distância, sou o elo mantenedor.

Atinjo pessoas de qualquer idade,
Pra mim não há limites se é amor de verdade.
Com os fios do tempo teço rede de proteção
Que minora o efeito de cair na realidade
De quem perdeu a razão de sua felicidade.

Sou o mata-borrão pro estrago
Das tintas da morte na tela da vida.
Cicatrizo, se é profunda a ferida,
Inevitável consequência
De uma paixão plenamente vivida.



Visitem Alba Vieira
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Recado - por Gio

Boa tarde, meus amigos!
(dia ou noite, tanto faz...)
Cá eu escrevo no Duelos
É o vício que me traz

Eu andei meio sumido
E o motivo eu logo dou
Fui pego desprevenido:
A gripe me derrubou!

Nem o post da semana
Eu consegui enviar
Sobrou pro pobre do Shintoni
Meu baú ir revirar

E ele achou um textinho
Bem coberto de poeira
Hoje, eu acho ele curtinho
Sei, parece ser besteira

Claro, não pode faltar
A resposta da charada
A Ana deixou sem ar
O resto da povarada

Sem rodeios, já lhes disse
Respondendo no embalo
Nem doença, nem burrice
É de dor mesmo que eu falo

Meu recado está no fim
Mas eu termino contando
Um fato, logo, assim
Que me deixou divagando

O Twitter me acusou
Algo curioso essa semana
Fiquei com a pulga atrás da orelha
Seria Shintoni a Ana?

Penso logo em alter ego,
Ou até dupla personalidade
É loucura - eu não nego -
Mas não pode ser verdade?




Visitem Gio
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Onde Já Se Viu? - por Ana

Por ser tão ignorada
A verdade entristeceu
Quase fez como a camélia:
Deu dois suspiros e morreu.

Foi pra beira do abismo
Para se atirar ao mar.
Imaginava: a sua ausência
Ninguém iria reparar.

Mas desistiu a tempo,
Pôs-se a reconsiderar
Sua decisão radical:
Os homens abandonar.

“Por eles ainda sou vista,
Há gente que gosta de mim...
Posso definir questões,
Não sou tão inútil assim...

Mas queria ser senhora,
Única, sem concorrentes,
Não perder tanto pra mentira,
Pra omissão e seus parentes.

Estou certa de estar certa!
Eu sou a certeza, afinal
Depois de mim não há nada:
Eu sou a palavra final.”

Estava assim a pensar
Até que ouviu uma voz
Repentina e conhecida,
Sua consciência atroz:

Já disse mais de mil vezes,
Para com o egocentrismo...
Você não é absoluta...
Na Terra isso é castigo.

Você é tão relativa,
Que estar no singular
É erro crasso, primevo,
De alguém que não soube pensar.

Tu não é cartesiana,
Não é e nem pode ser...
Devia estar no plural
No falar e no escrever.

Cada pessoa uma verdade
Não sabe disso? Vai mal...
Porque tu não é coletiva,
Tu é individual.

Para com as reflexões
E autocomiseração,
Vai trabalhar, minha filha,
Volta pra tua função

De habitar os humanos
Da forma que lhes aprouver,
Pois tu não existe sem eles
E só te aceita quem quer.

Quem foi que te iludiu
Que tu seria a Verdade?
Que a Verdade um dia existiu
No meio da humanidade?

Para com a palhaçada
E de fazer corpo mole.
Suicídio não é pra ti,
Pois a morte não te engole.

Ouvindo a voz da razão
(ou da desrazão humana),
A verdade deprimiu
Mas concordou com a veterana.

“Volto, sim, mas daqui a pouco,
Eu ainda tenho brios!”
Resolveu olhar o mar,
E ficou a ver navios...



Inspirado em “A Verdade a Ver Navios”, de Gio.
Orlando Silva

A Hegemonia da Mentira - por Dália Negra

Somos ensinados a mentir. As crianças são treinadas para omitir, camuflar ou mentir aquilo que pensam; e, muitas vezes, sofrem castigos por dizerem a verdade. Isto, quando se trata da verdade dita sobre os outros, porque quando diz respeito a elas (suas atitudes fora do esperado, suas bagunças, seus erros e desobediências) devem sempre dizer a verdade. Ou seja: sofrem reprimenda por falar a verdade e também por não falar. Esta é a educação recebida.
Dentro deste descompasso as personalidades se formam: escorregadias, dissimuladas, tangenciais...
As pessoas não vão direto ao ponto, não dizem o que pensam, olham o outro com desconfiança porque o outro é capaz de tudo, já que (muito provavelmente) foi programado da mesma forma para a inverdade. É difícil o olhos nos olhos, a palavra franca, dizer o que realmente aconteceu (que, quando dito, causa desconfiança). Tudo pode ser ou não ser. Vivemos, diariamente, este dilema secular. Pensamos no que está por trás, no que foi omitido, no que realmente a pessoa quis dizer. Surgem sombras de intenções malignas e/ou indiretas embutidas e, muitas vezes, para algumas pessoas, não são sombras, e sim já o fato em si e tudo se torna uma grande confusão que inclui os que estão à sua volta.
Vivemos nos protegendo da mentira e jurando a verdade (mesmo falseada ou mentirosa).
Concordo com você, Gio: nada é tão simples quanto a verdade. Mas nos ensinam o contrário e a maior parte das pessoas percebe as vantagens da mentira e a coloca na lista das necessidades básicas. Então aqueles que mantêm a tendência natural à verdade, obviamente, serão, em muitos momentos, penalizados e até mesmo recriminados (!), pois remam contra a maré turbulenta das palavras não ditas, mal ditas e desditas.



Resposta a “A Verdade a Ver Navios”, de Gio.
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O Leão Leva Mas Não Faz... - por Escrevinhadora

O que eu pago para o Leão
e sustenta a corrupção
dá casa, carro, empregados
a uma corja de folgados
daria com tranquilidade
para alimentar e educar
um batalhão de menores abandonados
pra oferecer-lhes um futuro
e tornar o país mais seguro.



Inspirado em Cata-vento de Meninos, de Alba Vieira.
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Albert Camus, o Verdadeiro e o Falso - Citado por Penélope Charmosa

A primeira diligência do espírito é a de distinguir o que é verdadeiro do que é falso. No entanto, logo que o pensamento reflete sobre si próprio, o que primeiro descobre é uma contradição. Seria ocioso procurar, neste ponto, ser-se convincente. Ninguém, há séculos, deu uma demonstração mais clara e mais elegante do caso do que Aristóteles: “A consequência, muitas vezes ridicularizada, dessas opiniões é que elas se destroem a si próprias”.
Porque, se afirmarmos que tudo é verdadeiro afirmamos a verdade da afirmação oposta, e, em consequência, a falsidade da nossa própria tese (porque a afirmação oposta não admite que ela possa ser verdadeira). E, se dissermos que tudo é falso, essa afirmação também é falsa. Se declararmos que só é falsa a afirmação oposta à nossa, ou então que só a nossa e que não é falsa, somos, todavia, obrigados a admitir um número infinito de juízos verdadeiros ou falsos.
Porque aquele que anuncia uma afirmação verdadeira, pronuncia ao mesmo tempo o juízo de que ela é verdadeira, e assim sucessivamente, até ao infinito.



In “O Mito de Sísifo”.
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Calar Verdade, Falar Mentira - por Alba Vieira

Expressar o que se pensa realmente sobre determinada coisa nem sempre é simples, exceto para mentes simplórias. Sim, porque é fácil ser fiel à verdade quando se trata de relatar um fato, mas não se vamos opinar sobre alguma coisa. E, mesmo se descrevemos o fato, ainda assim, estaremos dando a nossa visão dele. É fácil dizer exatamente o que se pensa sobre algo, sendo fiel à sua verdade, quando não temos medo de emitir a nossa opinião e não nos importamos com as consequências das nossas palavras sobre o interlocutor. Entretanto, se estivermos atentos e formos responsáveis com o que sai da nossa boca, isso será, não raras vezes, bastante melindroso. Assim, a omissão, e mesmo a mentira, poderão ser recursos valiosos para tornar nossa atuação positiva em determinada situação. Nem sempre dizer a verdade a qualquer custo é o mais recomendável, ainda que seja o mais desejável. Mas, se fôssemos crianças para sempre, seria fácil. Só que amadurecemos e isto tem um preço, o de nem sempre poder ser sincero. Claro que para avaliar em cada situação o que deve ser dito de verdade, omitido ou mesmo falseado, deve-se ter ética, discernimento, domínio da situação, consciência. Porque no fundo, isto é manipulação e esta só pode ser bem feita por mentes inteligentes e íntegras. Logo, é perigoso ter esta flexibilidade, correndo-se o risco de ser maquiavélico, um manipulador do mal. É complicado ter esta abertura, é como ser político: ou é alguém suficientemente correto, capaz, ético e faz um ótimo trabalho ou é um imoral, corrupto e se torna um desastre nas suas ações. Numa situação de saúde, por exemplo, nem sempre ser verdadeiro com o paciente é a melhor atitude, podendo ser temerário e até mesmo uma covardia em algumas situações, se o resultado que se deseja é o bem do doente.
O fato é que escolher em cada situação entre a verdade e a mentira é como andar no fio da navalha. Fazer bom uso da mentira é recurso de mente inteligente. E, acrescido a isto, temos que a imaginação constitui um outro perigo, considerando que para mentes fantasiosas, aquilo que é imaginado é para elas, a mais pura verdade. Ou seja, verdade ou mentira é algo complexo em sua avaliação.



Inspirado em “A Verdade a Ver Navios”, de Gio.
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Visitem Alba Vieira
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Pessimismo - por Raquel Aiuendi

Aprendi algumas coisas sobre os humanos:
que criança é criança
enquanto não adolesce;
que adolescente não é criança,
nem adulto e, hoje,
nem adolescente porque
a maioria não amadurece:
apodrece;
que pessoas são pessoas
enquanto não se mostram
animais, nem monstros;
que um abraço pode acolher
mas na maior parte das vezes:
é melhor esquecer;
que quando as pessoas pensam
que estão comprando amor
na verdade
estão consumindo-se em solidão;
que um olhar que abriga
pode ser o mesmo da intriga;
e que, de todas as pessoas,
eu sou minha melhor
(por isso mais suspeita)
amiga.
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