Numa manhã fria de um inverno mais rigoroso na Cidade Maravilhosa minha visão é atraída por uma cena patética enquanto passo de ônibus por uma área residencial pobre que retrata perfeitamente este momento no Rio de Janeiro, no mundo e dentro de cada um de nós.
O negro do homem contrasta com as sacolas plásticas brancas “indestrutíveis”: é um morador de rua que se deitou sobre um monte de lixo deixado ao lado de uma caçamba da Comlurb. Aquilo me choca e, aos poucos, a outros passageiros - que ousam enxergar fora, além da sua realidade incômoda: um coletivo lotado, em que pessoas semi-acordadas se espremem para ocupar um espaço que não existe para todos.
Não há espaço para todos e este homem sabe disso.
Sua consciência o conduziu para onde de fato estava: no lixo. Ele é o lixo da sociedade que reduz o homem.
Quantos de nós, em momentos subseqüentes, em dias que se repetem, em semanas intermináveis, em meses e anos que não nos levam além da certeza de que, a cada dia, a luta para sobreviver será maior e a possibilidade de exclusão aumentará, já tiveram estes insights... Quantas vezes já nos sentimos no lixo? Nós somos o lixo a cada vez que permitimos que o homem seja visto assim, feito assim, degradado.
Ah! Como incomoda ver pelas ruas, em número cada vez maior, meninos que saem de casa expulsos pelos maus tratos e abusos e passam a viver ao relento, dormindo no chão sujo, protegidos apenas na parte superior do corpo pelas camisas ralas, imundas, que esticam e prendem até os joelhos para proteger o sexo, num frio de desproteção emocional muito maior do que o do inverno! Como nos causa repugnância quando sobem pela porta de trás dos ônibus moradores de rua drogados, sujos, fedidos, tuberculosos, tossindo sua dor na nossa cara, poluindo o já rarefeito ar dos veículos cheios de gente que volta do trabalho exausta e consome o resto de energia agarrando-se como podem aos apoios dos microônibus que solavancam sem amortecedores e com molas gastas, guiados por condutores explorados, insanos, que extravasam a raiva dos donos das empresas em demonstrações irresponsáveis de direção perigosa!
O que somos senão lixos quando, todos os dias, nos permitimos ser tratados desta forma? Que menos-valia é esta que faz com que permaneçamos impassíveis, sentados em nossos carros, quando crianças molambentas ou deficientes tentam nos vender balas ou fazem acrobacias diante de uma platéia que finge não ver, em troca de trocados que geralmente não vêm? E, nas lanchonetes, quando você, por não ter dinheiro para almoçar, pede um sanduíche barato com refresco e, na primeira dentada, tem seu braço puxado pelo moleque que, com expressão de choro e abandono, pede que lhe pague um lanche porque ainda não tomou café? Você pode ter uma boa refeição ou tem seu estômago revirado numa ânsia de vomitar toda a sua indignação com este estado de coisas, sobretudo porque é extorquido, sem opção, por impostos abusivos que equiparam, nas alíquotas cobradas, seu minguado salário aos ganhos estratosféricos de privilegiados funcionários públicos de alto escalão?
E então, refletindo sobre tantos absurdos que cada um de nós enxerga em sua área de atuação nesta sociedade todos os dias, de tantos anos que já aconteceram e na expectativa de tantos outros que virão, eu me pergunto: a atitude deste homem que se deitou hoje no lixo não foi mesmo um alerta formidável? Porque, simplesmente estando onde estava, sendo o que de fato era, nos jogou, a todos nós que o vimos de súbito, na consciência de que cada um de nós também é ele, a despeito das artimanhas que inventamos e dos disfarces que assumimos para nós mesmos quando negamos, em nossa vida, a sujeira, a dor, a pobreza, a velhice, a nossa sombra, a própria morte. Quando aceitamos a corrupção, os desmandos, a impunidade, as contradições, as safadezas, os descaramentos do poder reinante, somos o lixo que precisa urgentemente ser reciclado. É necessário conscientizar que não é possível deixar fazer aos outros, nossos semelhantes, o que não admitimos para nós.
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O negro do homem contrasta com as sacolas plásticas brancas “indestrutíveis”: é um morador de rua que se deitou sobre um monte de lixo deixado ao lado de uma caçamba da Comlurb. Aquilo me choca e, aos poucos, a outros passageiros - que ousam enxergar fora, além da sua realidade incômoda: um coletivo lotado, em que pessoas semi-acordadas se espremem para ocupar um espaço que não existe para todos.
Não há espaço para todos e este homem sabe disso.
Sua consciência o conduziu para onde de fato estava: no lixo. Ele é o lixo da sociedade que reduz o homem.
Quantos de nós, em momentos subseqüentes, em dias que se repetem, em semanas intermináveis, em meses e anos que não nos levam além da certeza de que, a cada dia, a luta para sobreviver será maior e a possibilidade de exclusão aumentará, já tiveram estes insights... Quantas vezes já nos sentimos no lixo? Nós somos o lixo a cada vez que permitimos que o homem seja visto assim, feito assim, degradado.
Ah! Como incomoda ver pelas ruas, em número cada vez maior, meninos que saem de casa expulsos pelos maus tratos e abusos e passam a viver ao relento, dormindo no chão sujo, protegidos apenas na parte superior do corpo pelas camisas ralas, imundas, que esticam e prendem até os joelhos para proteger o sexo, num frio de desproteção emocional muito maior do que o do inverno! Como nos causa repugnância quando sobem pela porta de trás dos ônibus moradores de rua drogados, sujos, fedidos, tuberculosos, tossindo sua dor na nossa cara, poluindo o já rarefeito ar dos veículos cheios de gente que volta do trabalho exausta e consome o resto de energia agarrando-se como podem aos apoios dos microônibus que solavancam sem amortecedores e com molas gastas, guiados por condutores explorados, insanos, que extravasam a raiva dos donos das empresas em demonstrações irresponsáveis de direção perigosa!
O que somos senão lixos quando, todos os dias, nos permitimos ser tratados desta forma? Que menos-valia é esta que faz com que permaneçamos impassíveis, sentados em nossos carros, quando crianças molambentas ou deficientes tentam nos vender balas ou fazem acrobacias diante de uma platéia que finge não ver, em troca de trocados que geralmente não vêm? E, nas lanchonetes, quando você, por não ter dinheiro para almoçar, pede um sanduíche barato com refresco e, na primeira dentada, tem seu braço puxado pelo moleque que, com expressão de choro e abandono, pede que lhe pague um lanche porque ainda não tomou café? Você pode ter uma boa refeição ou tem seu estômago revirado numa ânsia de vomitar toda a sua indignação com este estado de coisas, sobretudo porque é extorquido, sem opção, por impostos abusivos que equiparam, nas alíquotas cobradas, seu minguado salário aos ganhos estratosféricos de privilegiados funcionários públicos de alto escalão?
E então, refletindo sobre tantos absurdos que cada um de nós enxerga em sua área de atuação nesta sociedade todos os dias, de tantos anos que já aconteceram e na expectativa de tantos outros que virão, eu me pergunto: a atitude deste homem que se deitou hoje no lixo não foi mesmo um alerta formidável? Porque, simplesmente estando onde estava, sendo o que de fato era, nos jogou, a todos nós que o vimos de súbito, na consciência de que cada um de nós também é ele, a despeito das artimanhas que inventamos e dos disfarces que assumimos para nós mesmos quando negamos, em nossa vida, a sujeira, a dor, a pobreza, a velhice, a nossa sombra, a própria morte. Quando aceitamos a corrupção, os desmandos, a impunidade, as contradições, as safadezas, os descaramentos do poder reinante, somos o lixo que precisa urgentemente ser reciclado. É necessário conscientizar que não é possível deixar fazer aos outros, nossos semelhantes, o que não admitimos para nós.
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Um comentário:
Comentário por Ana — 1 janeiro 2009 @ 12:42
O que se pode comentar? Dizer que o choque e a profundidade do tema já se iniciam no título? Mais que isso: se todos tivessem o mesmo olhar que você, o mundo, com certeza, seria bem melhor.
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