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(Aviso: Os textos em amarelo pertencem à categoria
Eróticos.)




quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Vias - por Leo Santos

Alma enferma na retina,
tração animal, ciclos da desesperança;
Anotações vitais em parco papel,
num bilhete lotérico, sonhos de vingança.

Aprisiona afetos malogrados tristes,
em grilhões de mórbidas cores;
Enquanto a hipocrisia discursando insiste,
em apresentar pedras de parcos valores.

Acerca-se, mesas fartas, migalhas,
nas quais jaz a porção do dia;
Enquanto o que tece loas à caridade,
vislumbra a carência, e dela desvia.

É pois parte sempre à parte, omissa,
mas atuante nos desvarios da boca;
Tentando edificar uma torre maciça,
sobre o fundamento de palavras ocas.

Enquanto a virtude silente se toca,
e dizima a própria colheita;
Sem alarde, sem nada em troca
ameniza o ultraje a desfeita.

Eis a cidade onde a dor viceja!
Injustiças várias fomentam a desdita;
Na via das benesses o tédio boceja,
na senda do rigor, a carência grita.



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Pessoas que Fazem Parte de Nós - por Adir Vieira

Certas pessoas entram em nossa vida assim por acaso. Ou cremos que é por acaso. Se observarmos com mais detalhes, vamos perceber que tudo faz parte de um caminho que temos que seguir, seja para o amadurecimento, seja para resolvermos questões passadas e interrompidas.
Consigo identificar minha afirmativa no que se dá hoje entre mim e minha amiga do colegial, separadas por mais de cinquenta anos. Vejo que ela sempre esteve ali comigo: nas minhas atitudes, nos meus gestos, na minha forma de pensar. Essa é a razão de não haver surpresa no reencontro. Hoje, quando nos falamos à distância, porque moramos em cidades distantes, sinto como se tivéssemos nos falado no dia anterior, passem ou não semanas sem nos falarmos. Com que simplicidade atualizamos nossos registros e rimos das mesmas coisas, como outrora.
Existem pessoas assim, na nossa vida que, parentes ou não, fazem parte dela, fisicamente separadas ou não.
E como isso é bom!
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Angústia - por Alba Vieira

Busco uma solução para a angústia que me toma
Quando penso sobre a Vida que aos homens abandona,
Que caminham cegos, tropeçando, sem tentarem entender
O porquê dos acontecimentos, o que devem compreender...

Seguem cometendo injúrias, conspurcando o próprio ser,
Parecendo não notarem que fazem por merecer
Quando logo ali adiante, esbarram numa conduta igual
De outro semelhante insano, fazendo sua vida banal.

Então vem a vontade de imaginar como seria
Dormir nesse lugar e acordar num lugar de fantasia,
Onde fosse a consciência que ditasse o padrão
De comportamento do homem, em cada importante ação.

Entenderiam, finalmente, que não existe lugar
Para seres egoístas que só pensam em lucrar.
Já que somos todos iguais e estamos ligados em rede,
Compaixão seria a regra e não só matar a própria sede.

E os homens de poder teriam a retidão de administrar
O dinheiro da nação com respeito e inteligência,
Cuidando e provendo a todos com o que é básico dar:
Educação e trabalho, o resto o povo alcança com diligência.

Não custa sonhar com um lugar assim, tudo parte da imaginação.
Cada um enxergando no outro um semelhante, é pedir demais?
Sentindo-se parte da natureza, integrado a ela e por ela responsável,
O homem expressaria assim o Amor e meu peito não apertaria mais...



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O Escritor e a Falta de Inspiração - por Flavio Braga

A falta de inspiração é uma companheira constante na vida de um escritor. Não tem jeito. Um dia a dona Inspiração fala que não vai poder comparecer porque está com dor de cabeça ou porque está presa num engarrafamento-monstro. Então, resta ao escritor esperar por uma bênção divina. Se ele não acredita nessas coisas, é nessas horas que ele passa a acreditar. Quer ver um escritor ateu se converter em dois segundos? Das duas, uma: ou ponha fogo na casa dele ou torça pra ele não ter inspiração.
É dura a rotina quando não se está inspirado. A gente fica revirando nossos pensamentos, tentando encontrar algo que preste. Vira, revira, e re-revira, e revira de novo. Não acha. Tudo bem. Já que cabeça vazia é oficina do Diabo, quem sabe ele não dá uma ideia dos infernos? Diante de um quadro tão desesperador, o escritor apela para tudo. E haja café. E haja cigarro. E haja insônia. E haja paciência. A caneta já passeou por boa parte do corpo do escritor: da mão para a boca, da boca para detrás da orelha, da orelha ela sai para coçar a cabeça, da cabeça volta para a boca, da boca vai acabar jogada num canto qualquer, porque ele está em vias de desistir. É um pobre coitado. Sem inspiração, sem dinheiro, mal lido, muitas vezes mal interpretado e na maioria das vezes mal amado, e ainda pode acabar doente por conta dessa maldita caneta.
Será que sai um poema? Não, não sai. As rimas deixaram um bilhete dizendo que foram ali na esquina comprar um maço de cigarro e voltam só daqui a seis meses. E uma crônica? De jeito nenhum. Dona Crônica, preguiçosa que só ela, está neste momento dormindo e se for acordada ela deixará de ser uma dama e acabará arrumando uma confusão daquelas dignas das mulheres barraqueiras. Será que não sai nada? Não sai. A Inspiração tem espírito de moleque, daqueles bem boca-suja e malcriado. Agora, por exemplo, o escritor, completamente exausto, olha para um canto da sala e vê a Inspiração, rindo da cara dele e ainda fazendo aquele gesto brasileiríssimo da mão espalmada batendo na outra fechada. O escritor anda vendo muita coisa. Precisa parar de ingerir essas substâncias proibidas. Se ele é careta, é melhor procurar ajuda médica. Coitado. Está até tendo visões. Precisa mesmo é ter uma vida social, já que seus melhores amigos, uns escritores iguais a ele, como Lima Barreto, Jorge Amado, Machado de Assis e outros estão meio... meio... meio... como posso dizer? Estão meio mortos para sair para tomar umas cervejas. É nessas horas que o escritor se entrega. O dia amanhecendo e o papel em branco. Então ele usa o último recurso, que todos os escritores odeiam usar, mas sempre usam, devido à falta de inspiração ou a uma ressaca: escreve sobre a sua falta de inspiração.



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Remake - por Leandro M. de Oliveira

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Um fabricador d’engenhos apanha suas invenções já inventadas, plageia a própria alma, dá seu âmago ao desatento que por aqui passou. Nada é original. Todo sacrifício é vão. Criador olha com retidão a criatura, não vê senão o eco perdido do abandonado caminho. O novo é uma casa antiga cujas paredes foram caiadas, no interior o sepulcro é o mesmo de tempos sem conta. Toda produção, toda expressão, é só um murmúrio da ânsia da vida por si mesma. Da vida que deveria ter sido mas, na perdição das horas lentas e ociosas, viu se achegar ao peito um pleno de impossibilidades irrevogáveis. Idealização frente à construção é deveras uma lida de menor esforço pra alguém tão exausto de ser ele mesmo.
E assim foi, o homem d’engenhos passou todo um dia (ou seria ano?) na clausura da cela à busca da revelação derradeira. Passou à memória seu legado, como passa um general à frente da tropa, como passa o pacifista frente ao tanque de guerra. Como pudesse fazer moenda do candial da vida pra erguer com ele a argamassa da resposta, conjeturou infância e velhice, mesmo sentindo-se desde sempre imune a condicionamentos temporais. “A única liberdade é esmerar um algo inédito, com vida insuspeitada, com estatura que se note. Quero sair desse teatro pra escrever minha própria peça, essa companhia tornou-se, ao longo de tantas temporadas, demasiado enfadonha.” Nisso pensava ele resignado enquanto arquitetava seu livramento. “Quero comer sem arrotar, doer sem chorar, amar sem morrer, sangrar sem doer... Tudo será possível àquele que cresceu selvagem, que o mundo não teve tempo hábil a gravar seus sortilégios de derrota no côncavo do peito nu. Ademais, existir é invariavelmente um assombro.” Desceu enfim até as catacumbas, ambicionando que de lá emergisse seu novo, se eterno incriado.

Chegando ao átrio, eis que então, crente e desavisado, aquele ser de indiferença e esquecimento confronta seu legado. Para o próprio assombro, descobre que é ele. É ele duplicado!
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Eu e Você, Amém - por Passa-Tempo

Sonho bom foi te ter ali comigo
Curtindo o momento em que não sabíamos mais o significado da palavra roupa,
Muito menos para que servia tal objeto.
E pra que se importar com roupas feitas por mãos de homens,
Se tínhamos ali dois corpos feitos pelas mãos de Deus?

E eu estava ali, com você,
Foi quando te vi abrindo, pela primeira vez,
E era pra mim,
As portas de um túnel, onde não se via luz em seu fim,
Mas era um lugar seguro,
Quentinho, apertadinho, aconchegante,
Onde eu mais queria estar naquele momento.

E lendo minha mente, seus olhos ardentes
Me convidavam para entrar,
E assim eu fiz, entrei!
De imediato pude sentir
O enrijecer dos músculos de cada membro seu,
fazendo assim enrijecer o meu.

Enquanto unhas penetravam minha carne,
Mais fundo eu chegava nesse limitado túnel,
E as gotas de suor faziam queimar as feridas.
E nessa loucura dançávamos em movimentos sincronizados, de direções opostas,
Ao som da melodia mais gostosa e harmônica que o chocar dos corpos e seu gemido incontrolável de prazer poderiam formar.

E assim eu ficaria ali,
Montando e desmontando esse quebra-cabeça de duas peças,
Onde a minha encaixa na sua.
Passaria o dia todo
Dançando a mesma música, jogando o mesmo jogo,
Até chegar a Senhora Fadiga,
Juntamente com o Senhor Cansaço,
Me levar para os braços de Morfeu.

Mas acordo feliz e animado,
Pois sei que a Lua vai tomar a noite,
Seja tarde ou seja cedo,
Para que eu seja seu morcego,
E você, minha Dama da Noite.
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O Chevrolet BelAir do Burt e os Bloqueios no Passeio Marítimo de Alcantara - por Violeta

O texto escrito por Eve Ensler, que posteriormente deu origem aos famosos Monólogos da Vagina, foram baseados numa serie de testemunhos que a escritora recolheu junto de um grupo bastante heterogéneo de mulheres. Uns mais emotivos e chocantes, outros mais descontraídos (chegando alguns a ser até hilariantes), estes testemunhos são (na sua maioria) uma prova de que muitas vezes não somos mais mulheres porque teimamos em ignorar, em não entender e a desrespeitar nossa linguagem instintiva. De todos eles, há um que me agrada particularmente, trata-se de um testemunho ao qual Eve intitulou de “A Inundação” e que eu não resisto em enviar-to. De certo que te vais deliciar com o testemunho desta septuagenária americana, mais propriamente de Queens. Penso que é a melhor maneira de descrever o meu bloqueio no Optimus Alive… Também naquele momento houve uma tremenda “torrente”… É que nos meus sonhos o caudal do rio sobe demasiado às vezes…


“As minhas partes baixas? Já não as visito desde 1953. Não, não teve nada a ver com o Eisenhower. Não, não. Lá em baixo há uma cave. É muito húmida. Descer até lá não é nada agradável. Acredite em mim. Uma pessoa fica agoniada. É sufocante. Dá enjoos. Há um cheiro a humidade e bolor. Ui! É insuportável. Cola-se à roupa.
Não, não houve um acidente ali em baixo. Não houve uma explosão nem um incêndio. Não aconteceu nada desse género. Não foi nada assim tão dramático. Aliás… bem, não interessa. Não. Não interessa. Não posso falar consigo sobre isso. Porque é que uma pessoa inteligente como a menina anda por aí a falar com velhotas sobre as suas partes baixas? Quando eu era rapariga, não era assim que nos entretínhamos. O quê? Deus do céu, está bem.
Houve um rapaz. Chamava-se Andy Leftkov. Era giro… bem, pelo menos eu assim pensava. Era alto, tal como eu, e eu gostava muito dele. Convidou-me para dar uma volta no seu carro…
Não lhe posso contar isto. Não posso falar sobre o que há lá em baixo. A gente simplesmente sabe que existe. É como uma cave. Por vezes ouvem-se ruídos lá em baixo. Ouvem-se os canos e certas coisas ficam presas… coisas e animais pequenos. É húmida e por vezes é preciso tapar as fendas. Porém, a porta está quase sempre fechada. Esquecemo-nos de que existe. Repare… uma cave faz parte da casa mas não a vemos nem pensamos nela. Mas existe porque em todas as casas é necessária uma cave. Caso contrário, o quarto seria na cave.
Oh, o Andy, o Andy Leftkov. Certo. O Andy era um rapaz bonito. Era um bom partido. Era o que dizíamos naquela altura. Estávamos no carro dele, um Chevrolet BelAir branco novinho em folha. Lembro-me de pensar que as minhas pernas eram demasiado compridas para o banco. Eu tenho as pernas muito compridas. Batiam no tablier. Eu olhava para os meus joelhos grandes quando ele me beijou de surpresa tal como nos filmes, na cena em que o rapaz abraça a rapariga e a arrebata. Fiquei excitada, muito excitada e, bem, houve uma torrente lá em baixo. Era incontrolável. Era como se uma corrente de paixão, um rio de vida, jorrasse de mim, das minhas cuecas, direitinha ao banco do seu Chevrolet BelAir novinho em folha. Não era urina e cheirava mal. Bem, para ser sincera, não me cheirava a absolutamente nada mas o Andy disse que cheirava a leite azedo e que eu estava a manchar o banco do carro. Eu era uma ‘rapariga esquisita e malcheirosa’, dizia ele. Queria explicar-lhe que o beijo me tinha apanhado desprevenida e que normalmente eu não era assim. Tentei enxugar a torrente com o meu vestido. Era um vestido novo amarelo-claro e, manchado pela torrente, ficou muito feio. Sem me dirigir a palavra, o Andy levou-me a casa e, quando saí do carro e fechei a porta, também fechei a loja. Fechei-a à chave. Nunca mais se abriu. Depois, ainda saí algumas vezes com rapazes mas o receio de outra torrente deixava-me muito nervosa.
Eu costumava ter sonhos. Sonhos loucos. Oh, são disparates. Porquê? Porque eu sonhava com o Burt Reynolds. Não sei porquê. Nunca me entusiasmou muito na vida real mas nos meus sonhos… era sempre eu e o Burt. Eu e o Burt. O Burt e eu. Eu e o Burt saímos juntos. Fomos a um restaurante semelhante a tantos outros em Atlantic City. Um restaurante grande com candelabros enormes e milhares de empregados de mesa com coletes. O Burt dava-me uma orquídea para pôr ao peito. Eu prendia-a ao meu casaco. Ríamo-nos. Ríamo-nos muito, eu e o Burt. Comíamos cocktails de camarão. Camarões enormes e saborosos. Não parávamos de rir. Éramos muito felizes. Depois os nossos olhares cruzavam-se e ele puxava-me para si no meio do restaurante. Quando estava prestes a beijar-me, a sala estremecia, pombos esvoaçavam de baixo da mesa — não sei porque raio havia pombos debaixo da mesa — e surgia a torrente. Jorrava sem parar. E com ela vinham peixes e barcos pequenos e o restaurante ficava cheio de água. Burt estava ensopado até aos joelhos, com um ar terrivelmente decepcionado por eu ter feito das minhas outra vez, e olhava horrorizado para os seus amigos, o Dean Martin e outros tantos, que passavam por ele a nadar nos seus smokings e vestidos de noite.
Já não tenho estes sonhos. Desde que me tiraram praticamente tudo o que estava nas partes baixas. Retiraram-me o útero, as trompas, tudo. O médico quis armar-se em engraçadinho. Disse-me que era melhor deitar fora o que já não tinha uso. Mas descobri que afinal era um cancro. Tiraram-me tudo. De qualquer modo, quem é que precisa de tanta coisa? Não é verdade? É algo muito sobrestimado. Já fiz outras coisas. Adoro exposições de cães. E vendo antiguidades.
O que escolhia para ela? Que espécie de pergunta é essa? O que escolhia? Escolhia uma enorme tabuleta:
‘Fechada devido a inundação.’
O que diria ela? Eu já lhe disse. Não é bem a mesma coisa. Ela não é como uma pessoa que fala. Calou-se há muito tempo. É um lugar. Um lugar onde ninguém vai. Está fechada, nos subterrâneos. Fica lá em baixo. Está satisfeita? Já falei consigo… arrancou-me as palavras. Fez uma velhota falar sobre as suas partes baixas. Está satisfeita agora? [Vira as costas. Depois volta-se novamente.]
Sabe, na verdade, é a primeira pessoa a quem contei esta história e sinto-me mais aliviada.”
Um beijo enorme
.....................Aurora
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