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(Aviso: Os textos em amarelo pertencem à categoria
Eróticos.)




quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Tema do Mês de Dezembro: Recordações

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Caríssimos amigos:
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Hoje foram publicados os textos referentes ao Tema do Mês: “Recordações”,
sugerido por Alba e vencedor da enquete.
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Participantes
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Aaron Caronte Badiz
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Ana
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Clarice A.
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Dália Negra
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Lélia
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Soraya Rocha
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Victor Luis
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Muito obrigado a todos que colaboraram com esta “blogagem coletiva”!
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Um grande abraço!
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Ex-orcismo - por Gio

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Ele vem de noite, quando você está prestes a dormir. Quando você acha que vai ganhar o que sempre sonhou, ele vem e relembra o passado, apontando o que de pior você já fez. Leva você para uma viagem do tempo, que te faz repensar sobre tudo. No fim, você acaba se convencendo que não merece o que estava prestes a receber, e larga de mão. O Fantasma do Natal Passado? Tirando a parte do Natal, ele é sim um fantasma do passado. Mas você o conhece por outro nome: o Ex.

Todo mundo tem um (ou uma) Ex. Eu já tive o meu caminho atrapalhado diversas vezes por estes seres, e certamente eu sou o Ex de alguém. Se eu der sorte (ou eu deveria dizer “azar”?), acabo sendo o Ex de mais de uma. Não ria. (Ou você acha que escapa?) E isso é certeiro: ex-namoros, ex-casos, ex-ficantes, e “amigos de micareta” todos podem ter bastante; agora, Ex, com sorte, você só vai ter um.

Pode ter sido um namoro de dois anos, um caso de duas semanas, ou uma rapidinha de dois minutos. Em casos mais graves, não chegou a ocorrer nem mesmo um envolvimento efetivo entre as partes. Pois, no caso do Ex, não depende o tempo de contato, mas sim o seu envolvimento afetivo com ele. De alguma forma, você gostou dele. Depois, por algum motivo, a história termina de um jeito muito estranho. Deixem eu me retratar: a história não termina, é claro que não – aquele momento é que termina. Ele foi seu namoro que terminou por causa dos pais, um primo de quem você não se esqueceu, uma paixão que surgiu durante um namoro. Poderia ter dado certo, não fossem outros fatores.

E é esse o segredo do Ex: poderia ter dado certo. Culpa sua, culpa dele, ou culpa de ninguém, não interessa: em outras condições, poderia ter dado certo. E isso parece dar um aspecto mágico (e certo poder) a essa figura notável na sua vida. O Ex pode acabar com namoros e romances promissores, deixar sua cabeça confusa, virar seus planos de cabeça para baixo, e provocar fortes recaídas, além de crises de ciúmes irracionais. Às vezes, não tem jeito, o problema é terminal: termina em casamento. Ou termina com um.

Apesar de toda essa confusão, nem sempre o Ex é uma entidade má. Muitas vezes, ele nem sabe que é de fato um Ex (e, de fato, muitas vezes você não percebe que ele é). Tudo vai depender do contexto: se é proposital, qual foi o motivo do término, e quais são as intenções de cada um. Atrás da figura de um Ex, pode estar o que você sempre sonhou... Ou pode estar o pior dos cafajestes. Se bem que um não exclui o outro – é tudo uma questão de ponto de vista.

O maior perigo aqui é ser levado não pela paixão, mas pela obsessão. Querer sem bem saber porque, ou não querer e continuar sendo afetado por isso. Dar uma nova chance pode servir de ultimato, e esclarecer as coisas... Desde que seja uma, e não uma compulsão frequente.

E você, já encontrou o seu Ex hoje?
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Visitem Gio
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Post Inesquecível do Duelos - Indicado por Ana

Como o tema é “Recordações”, lembrei deste belíssimo poema do Casé (quanta falta faz aqui!), que achei profundamente sensível e absolutamente perfeito. Parabéns, Casé!
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LOBO DO MAR
(CASÉ UCHÔA)
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Nos portos que conheci
Deixei pedaços de mim
Lembranças que trago agora
Dos dias que já vivi

Verões que não voltam mais
Trovões que não mais ecoam
Saudades de cada cais
Gaivotas que já não voam

Espectros do que eu fui
Visitam-me a cada noite
Remorso que me possui
Carrasco com seu açoite

E o velho lobo do mar
Não resistiu à lembrança
E voltou a navegar
Alimentando a esperança
De encontrar pela frente
Trovão, raio, tempestade
Onda gigante, naufrágio…
A morte é melhor que a saudade.
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Visitem Casé Uchôa
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As Nossas Palavras XVII - por Aaron Caronte Badiz

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Sofá na sala de estar...
O passado para relembrar
Toda vez que o vamos usar.
É um trampolim para o nosso amar
Que deveríamos mais vezes rememorar.
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Baú - por Adhemar

Neste solitário abrigo,
neste solar tão preservado quanto antigo
estão guardadas as mais antigas lembranças.
É num quarto bem fechado
mas se faz hora da limpeza.
Emoções presentes
que outras não temos guardadas similares...
Ao olhar as ultrapassadas autodefesas,
que não servem mais pra nada;
tantas poesias desperdiçadas,
isto é,
despedaçadas na inclemente ação do tempo.
Recordações misturadas.
Tudo desarrumado neste solitário abrigo,
ora aberto para resgatar o que é inútil
e dar lugar à tralha nova;
novas emoções,
novas poesias e, quem sabe,
até o lindo momento erigido
ao profundo e inesperado sentimento novo.
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....................Visitem Adhemar
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Recordações - por Alba Vieira

Há momentos em que o passado
Invade de tal forma a vida da gente...
Parece que as lembranças transbordam
Qual a água de cabeça de enchente
Vêm aos borbotões e nem pedem passagem
E então provocam tão vívidas emoções
Porque são perfeitas as imagens
Trazidas pela mente aos nossos corações
Imagens do que foi vivido
Num tempo triste ou feliz
O que importa é que o espírito
É sacudido até a raiz
E quando existe a saudade
Lembrar-se de tudo é outra vez viver
Tanto que dá gosto cismar à tarde
E essa melancolia só nos dá prazer
E então desfilam variadas vivências
Coisas que pensávamos nunca recordar
E quanto mais distante no tempo a ocorrência
Mais detalhes e clareza vamos encontrar
Às vezes é possível ao fechar os olhos
Ter tudo daquilo uma outra vez
Imagens, sons, perfumes, o mesmo abalo
Que quase acreditamos que o mundo se refez
E a recordação alimenta a alma
Refresca o sentimento, tem grande poder
Relembrar ajuda, traz de volta a calma
Quando a saudade é tanta que nos impede de viver
Na verdade pra emoção o tempo não vale
É coisa que escapa de tempo ou lugar
O coração da gente é um mundo à parte
Render-se a este fato é questão de pensar...
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................................Visitem Alba Vieira
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Ânsia - por Ana

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Tarde da noite sigo seu rastro
De mulher jovem, decidida e bela.
Eu sinto remorso, orgulho, simpatia,
Enquanto me esgueiro por entre estas vielas.

Há casas de mil tipos, gente pela rua,
Caras conhecidas que eu não cumprimento.
Pois a minha pressa me mantém cativa,
Não me permitindo outro pensamento.

Quero encontrá-la... Onde estará?
Há tanto tempo não a avisto... Espere!
Ali... É ela... Deus! Quanta saudade!
Será que há abraço que supere?

Eu me aproximo devagar, nervosa,
Por encontrá-la após tanto tempo.
Olho-a nos olhos: sou eu mais nova,
A doce lembrança de meu melhor momento.
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Recordações - por Cacá

“Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.”

(Drummond – Memória)
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A nostalgia eu a considero um libelo contra um futuro que se faz de presente na vida sem pedir licença, sem nos dar tempo de aceitá-lo. Resisto a todo novo que não se justifica em oferta de felicidade. Se estamos em algum lugar diferente do usual, chega um momento em que queremos retornar. Se estamos em uma condição de vida não muito agradável afetivamente, também chega um momento de desejo do retorno. Retornar para onde? Retornar para quê? Normalmente para a segurança por vezes insuportável da nossa rotina.

Isso me faz lembrar algo. Estive em casa de meu pai durante as festividades de natal durante 4 dias e por melhor que estivesse o ambiente, toda a família reunida, bateu uma saudade de casa. Porque ela é a minha rotina. Escrever, cozinhar, ficar em casa, enfim. E afinal cheguei. E as recordações dos dias que lá passei são o registro mais evidente da minha vontade de voltar. Estava ruim? Ao contrário. É por gostar mesmo das recordações e para que elas não se percam em uma outra rotina é que resolvi voltar. Para ter mais assunto ano que vem, quando nos reunirmos todos novamente e contarmos casos do ano que passou e da infância. Esses são infalíveis. Talvez pelas marcas indeléveis que ela deixou. Talvez por querer que a nova geração de filhos e sobrinhos saiba o quanto foi bom e o quanto serve de estímulo para que eles construam a sua história também. Mas história a gente não constrói com intenção historiográfica. A gente constrói com propósito de satisfação pessoal ou de grupos. Só no momento do pensamento na posteridade é que há desejo de registro. E ele se dá em primeiro lugar com recordações.

Agora, aqui pra nós, a recordação não é um assunto que fica melhor encaixado dentro de uma música ou pelo menos embalado por ela? Não consigo embarcar nos momentos de memória afetiva sem um fundo musical. Na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, até que a morte me separe da matéria pensante, não consigo dissociar recordação e música.

Nesse arrebatamento, essa tal recordação é assunto que nos transforma a todos em poetas. O amor que guia os versos, o pensamento que leva para cantos recônditos, a emoção que cutuca o sentido da lembrança. Sempre que o presente se apresenta insosso e o futuro dá ares de pessimismo, as recordações me acalmam o espírito trazendo esperança diluída em saudade.
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Visitem Cacá
Carlos Drummond de Andrade

A Árvore de Natal - por Clarice A.

.....O mês de dezembro talvez seja o que traga mais recordações para eles. E lá estão os quatro de cinco irmãos (um deles já tinha compromisso com a família da mulher) reunidos na casa da irmã. São três irmãs e o mais novo dos homens e há muitos anos reúnem-se no Natal. Colocam a conversa em dia e invariavelmente comentam sobre o passado. Quando crianças, a parcimônia do Papai Noel. Aliás, naquela pequena rua de subúrbio onde moravam, salvo raríssimas exceções, Papai Noel era parcimonioso com todas as crianças, o que não estragava a noite nem a diversão. Eram muitas crianças e as brincadeiras garantidas.
.....A anfitriã mostra a árvore nova, de fibra ótica com led’s, enfeites novos, e o irmão, que sempre as surpreende, pergunta às três: lembram da nossa árvore de goiabeira? Excelente memória, chamado por elas de miolinho de ouro, ele parece ter suas lembranças numa prateleira ao alcance das mãos tal é a rapidez com que as traz de volta. A mais velha e a caçula lembram-se logo, a do meio vai buscar no fundo do baú, escondido em algum canto da memória. E encontra. A lembrança vem nítida e forte. Já eram crescidos, e queriam uma árvore de Natal, mas cadê a verba? Inexistente. O pai fazia questão de caprichar na mesa, gostava de fartura, não dava muita bola para essas coisas. Decidiram improvisar. Foram para o quintal, escolheram um galho bem ramificado da goiabeira, cortaram, pintaram de prateado, colaram algodão, penduraram bolinhas vermelhas, plantaram-no num vaso e lá estava a árvore de Natal pronta enfeitando a sala. Talvez para os que olhassem com olhos de mesmice, aquela árvore naquela casa simples fosse tosca, mas eles estavam satisfeitos com a sua arte e na verdade ela ficou bem jeitosa. Diferente. Para completar a noite de Natal, a ceia no capricho preparada pela incansável mãe. Assados, bolo, ameixas, nozes, avelãs, castanhas e as rabanadas: as fatias de pão molhadas no leite, passadas nos ovos batidos, fritas, secas em papel e envolvidas na mistura de açúcar e canela, inesquecíveis. Alguns vizinhos apareciam para dar um abraço nos seus pais, pessoas queridas. Gratas recordações de um tempo feliz vivido por eles, um tempo em que o apelo ao consumo, as grifes e as inovações tecnológicas não eram presentes como hoje. Mas a vida segue seu curso e daqui a alguns anos a árvore de hoje, assim como a de goiabeira, será mais uma lembrança. Outra modernidade a substituirá. Insubstituível é o amor fraterno que os une e reúne e os faz recordar a vida, neste Natal e em quantos o sucederem.
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Nau Perdida - por Dália Negra

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Carrego comigo memórias
Como âncoras que me mantêm
No mar revolto da dor
Sozinha, sem mais ninguém.

Sem horizonte à vista
Que me faça acreditar
Num navio sem amarras
Com ânsia de aportar
Em continente aprazível
Para, enfim, descansar
De ondas descomunais,
De tormenta secular.

E nesta minha prisão,
Aguardo o que vai chegar:
A lembrança definitiva
Que me fará naufragar.
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Recordações - por Dan

Conservar...
vale a pena saber...
apenas amar...
sofrer...
saber das intempéries do tempo

Aprender...
sentir a saudade...
viver sem ela...
saber...
semear e colher

Passado...
levitar por todos os caminhos...
construir o mundo...
estar em outro lugar...
fazer...
comemorar com o coração
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Visitem Dan
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Nenhuma Recordação Mais Doce Há! - por Esther Rogessi

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Não tenho recordação de ter recebido nenhum toque - por mais sutil que tenha sido - que tenha me transportado ao êxtase da entrega verdadeira - encontrada tão só nos braços de quem se ama e confia – além das sutis carícias em forma de brisa, quando despida caminhei de encontro a ti...

Nenhuma recordação se me apresenta mais doce que aquele entardecer à beira-mar... Quando solitária e extasiada contemplei o beijo ardente do sol nos mornos lábios do mar...

Nenhuma recordação maior trago em mim... que tenha me despertado maior leveza e ternura, que a do momento em que, no alto da montanha, de braços abertos, fechei os meus olhos para te absorver, ora suave... lento, ora forte, impetuoso... Tomando- me o corpo, me arrebatando, como que a sugar-me as vestes, me conduzindo ao torpor... E assim, esvoaçante, olhando a paisagem aos meus pés, doce vislumbre por trás do véu neblinante; olhando para o alto, muito mais alto do que eu me encontrava... Senti-me tão ínfima... Senti-me nada!...
Outra vez, chegaste a mim... Consolando-me, senti teus abraços sem braços, entreguei-me, totalmente... Éramos só tu e eu... anulei meus pensamentos... Quis ser borboleta voando amparada por ti, tal qual o mar ampara o barquinho a navegar... Quis planar, rolar, dar cambalhotas, como se uma folha seca então eu fosse... E contigo brincar... Ar, vento, ventania, alegria é te sentir e contigo rodopiar!...
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Nenhuma recordação mais doce há...
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Visitem Esther Rogessi
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Eu e Emanuelle - por Flavio Braga

Quando a conheci, eu nem tinha maldade o suficiente para imaginar posições sexuais. Escutava os meninos mais velhos, de 15, 16 anos, falando de posição X ou Y e eu fazia força para tentar imaginar como que era. E, na maioria das vezes, achava aquilo tudo impossível, a menos que se estivesse transando com uma ginasta romena. Mas isso foi até eu conhecê-la. Até pouco tempo achava que ela era muda. Pior. Muda e bem mais velha. Não sei se minha mãe aceitaria que seu então filho inocente se relacionasse com uma mulher mais velha.
Não sei onde Emanuelle se metia durante a semana toda (ou se era metida a semana toda, vai saber), mas a madrugada de sábado era nossa. Ela chegava lá em casa por volta das duas e pouca e ficava até... Não sei até que horas ela ficava. Só sei que eu ficava exausto um pouco antes das três e ia dormir sem me despedir, e ela nem ligava. Entrava muda e saía calada lá de casa, porque o barulho podia acordar as outras pessoas da casa. Pois é, sexo perigoso e divertido.
E ela me mostrou até alguns lugares do mundo, mas ela me mostrou também seu belo par de peitos. Isso para um garoto de 14 anos é bem mais interessante que viajar para ver touradas, ir a África ou ao Oriente. Pensando bem, dependendo do par de peitos e do conjunto da obra, é bem mais interessante até hoje. Que seja. Lembro que tinha vezes que ela parecia outra pessoa. Tinha dias que ela tinha um jeitão tão anos 1980, em outros era um mulherão ao estilo anos 1990, mas sinceramente, pouco me importava. Só sei que tinha dias que as luzes ficavam meio baixas, o quarto parecia rodar... Algumas vezes ela até me pediu para colocar uns óculos 3D, para apimentar um pouco mais a noite, mas nunca consegui usar os tais óculos, por dois motivos: o primeiro era que eu achava – e ainda acho – ridículo usar óculos em lugares escuros. O outro motivo era que eu não tinha os malditos dos óculos. Mas era bom, mesmo que com ela eu sempre tive a impressão de estar sozinho. Mas dane-se. Ela era minha.
Mas não era só minha. Meus amigos também conheciam Emanuelle. Como? Não sei. E faziam todas aquelas coisas que eu fazia com ela. Estranho. Não me lembro de ter participado de nenhum gang-bang, ainda mais com conhecidos, alguns que até hoje são bem mais feios que eu. Não faziam o tipo de Emanuelle, tenho certeza. Só podia ser mentira, blefe de moleque invejoso. Calúnia! Mas desde sempre sabia que não podia confiar em Emanuelle, que parecia separada de mim por um vidro, uma tela. Fiquei transtornado, inconsolável, pelo menos até o primeiro par de peitos que de fato toquei. Mas isso é outra história.
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Visitem Flavio Braga
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Recordações do Povo - por Kbçapoeta

Acredito que vivo para recordar.
O que seria da vida se não fosse a recordação dos feitos para contar um pouco “floreado” depois?
Se não pudéssemos recordar, não existiria futuro. O que seria este senão o acúmulo de recordações, travestidas de ações, que culminam no presente semiplanejado?
Não esqueçamos que o presente, futuro do ontem e passado do amanhã é uma espiral sem fim, que exige cada vez mais velocidade.
Saudade do tempo em que não eram tão penosas e ágeis as relogiosas horas, quando o tempo não era quantificado, precificado e superavitário.
Em breve teremos uma nova tendência de mercado: O ócio.
Chaplin em “Tempos Modernos” mostrava-nos a carência extrema de tempo, Commodity abundante no capitalismo pudico, militar e bossa-novístico que encantava povos e nações.
Hoje o Eldorado é o inverso, buscamos o ócio para celebrar nosso sucesso, espólio digno de um Cezar.
E o sentido da vida que é recordar!?
Perde-se nos bits e bytes dos e-mails e máquinas digitais perecíveis no estalar de uma década.
Não teremos mais fotos amareladas!
Papel fotográfico apenas para nobreza ou quem sabe, algum poeta fora do eixo imaginário das percepções, buscando essência nas coisas que passaram, eternizando-se, amarelando-se e deliciosamente impregnando-se em seu inconsciente.
E os outros?
Serão relegados ao sistema fahrenheit 451 onde tudo que é importante fica na memória encefálica, não eletrônica.
Segundo o adágio popular, o povo tem memória curta.
Espero que não seja verdade.
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Visitem Kbçapoeta
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Recordação - por Lélia

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Um dia eu te amei. Um dia fomos felizes. Um dia a vida foi linda.
Mas acabou. De forma repentina, de forma triste. Eu chorei, lamentei por nós.
Enxuguei as lágrimas e prossegui. Hoje recordo alegrias e sorrio.
Um dia eu fui feliz...
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Recordações... Saudades... - por Manhosa

Muitas coisas marcam minha vida...
... retratos...
... cheiros...
... sons...

Recordações... saudades...
Amigos que já partiram... para o todo sempre...
Amigos que nunca mais vi...
Pessoas que simplesmente cruzaram... mas...
Sonhos realizados...
Sonhos desfeitos...
Sucessos...
Amores... risos... nem tantos...

Presente... lembranças que se multiplicam...
Sinto o mundo girando...
Procuro juntar os fragmentos...
Preciso encontrar o que perdi...
... não sei onde...
... não sei bem o quê...
Um coração nostálgico... que funciona com seu sinal vital...
Meus sentimentos se atropelam...
Só sei que preciso para enfrentar o amanhã...
O desconhecido...

Futuro... o amanhã...

Mas... as Recordações...
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..................................................Visitem Manhosa
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Recordações - por S. Ribeiro

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talvez não me interesse lembrar de nada com essa conversa íntima e própria que tenho comigo assim na minha frente olhos nos olhos sem precisar justificar nada

como uma lembrança

a memória um dia falhará assim como é certo que alguns dias serão de choro mas não pondere esqueça esquecer faz parte da lógica do mercado e das belezas empacotadas e dos sonhos do começo do século não se perceba que isto implicaria numa lembrança morna anule-se para o espelho

talvez aí sobre vida
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Visitem S. Ribeiro
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Recordar - por Soraya Rocha

Recordar é viver,
Relembrar, reviver.
Lutar para não esquecer,
É brigar com o morrer.

É dentro de si manter
Aquilo que o faz crer
Que valeu a pena nascer,
Por todo o caminho aprender
As lições do bem querer.

E então, ao entardecer,
De nada se arrepender,
Apenas compreender
O bem e o mal do que é ser.
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Meu Casaco Vermelho - por vestivermelho

Olhei, não resisti e voltei para olhar de novo.
Sim era idêntico ao meu lindo casaco vermelho.
Voltei ao tempo que ganhei. Estava um tempo muito frio, daqueles frios que gelavam mesmo, ao recordar me deu até um friozinho.
Era meu primeiro casaco, tinha sete anos, parece que foi ontem.
Meu padrinho que me deu de presente.
Queria um, como meus pais não tinha condição financeira, mencionei para ele que queria um casaco...
Bem, fiquei linda, conquistei meu primeiro elogio... onde passava, ouvia...
- Que menina linda!
Olhando de novo me vi linda. Com meu vestido vermelho, não sei se é a cor vermelha que me deixa linda ou sou linda mesmo...
Depois do casaco vermelho, tive várias coisas vermelhas... sapato, tênis, sandália, blusa. Saia, meias etc. mas o que nunca deixei de usar: um belo vestido vermelho.
Recordei ali parada como fui feliz depois que ganhei meu casaco vermelho.
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Visitem vestivermelho
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Recordação do Ventre Materno - por Victor Luis

Pés afundados em putrefata lama
Escuridão subindo em minha garganta
Ínfima parte de fútil trama
Que os indesejáveis sempre levanta

Tudo era mais simples na infância
Antes do início de tal espetáculo
Criada por homens em sua ganância
Esmaga todos em seu tentáculo

Não há agasalho para este frio
Mas sei que um dia pude evitá-lo
Ventre materno em dia sombrio
Me protegia, até abandoná-lo

Desolado estou na selva de concreto
Onde coisas inúteis recebem aumento
E tudo que quero é voltar ao afeto
Quero de minha mãe quente acalento
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Eu Era Criança - por ZzipperR

.....Sentamos na varanda, eu e meu querido Mano, começamos a relembrar a nossa infância. Como era diferente de hoje, tudo era criatividade e magia. Aquelas brincadeiras tão importantes para nós ficaram no tempo. O que aconteceu? O que mudou?
.....A cultura passava por gerações. Pais, avós e crianças brincavam juntos e o tempo apagou.
.....É interessante o progresso, a comunicação, a globalização, mas faz perder a criação, a interação e a compaixão.
.....Nós andávamos por esta rua, sem pensar em nada.
.....Não sei como os vizinhos suportavam os nossos gritos de Tarzan! Parecia um bando de macacos, mas a comunicação era perfeita. Pelo grito, sabíamos até se o amigo estava almoçando. Certo dia aconteceu um fato muito interessante, nessa comunicação de macaco, o “Gil negão”, que estava em cima de um pé de caqui, resolveu soltar as mãos, para fazer uma comunicação e escorregou do galho, foi um barulho enorme no meio dos galhos e caiu de costas no chão. Lá de cima! Fiz um som de macaco, para ver se ele estava bem. Escutei ele gritar: - Chega! Não falo mais a língua dos macacos.
.....A grande árvore que tinha na rua não aguentava mais o tanto que subíamos pelo tronco e descíamos pelos galhos.

.....Quando eu era criança, nunca andei sozinho. Eu tinha sempre um cachorro do lado, sou capaz de fazer uma relação de nomes como: Dick, Bidu, Sultão, Fera, Chorrinho, vou parar que vai encher a página. Fique claro que Chorrinho era o nome, o cachorro era grandão.
.....O futebol era coisa de louco, todo dia jogava a nossa rua contra a rua de cima, era cada briga de arrepiar, saía até pedrada; no dia seguinte, outro jogo, outra briga. Hoje, quando nos encontramos, temos prazer de rever e conversar. Não é incrível o que o tempo faz?
.....Mano diz: - Você vai contar a história da pedreira Zipe?
.....- Não! Eu queria contar a época das marmitas. Conto?
.....- A história pode ser boa ou ruim, mas nunca vai ser uma história, se não for contada.
.....- Sabe, mano? E eu pensava que os adultos eram inteligentes. Doce ilusão!
.....- Conta logo!
.....- Eu tinha nove anos e o Mano tinha seis. Meu pai era um cara ignorante aos extremos, não aceitava que quebrassem as regras impostas por ele. Confesso que ele tinha frases inesquecíveis. Preste atenção! Quando ele estava conversando com alguém e isso era lei, não podíamos falar nada, a frase era “conversar com vocês é o mesmo que dar bom dia a cavalo”. Quando ele estava fazendo um negócio falava: “Por cima de mim, só de helicóptero”, está última frase realmente é criativa.
.....Ele não comia arroz esquentado, tinha que ser feito na hora. Por isso, eu e o Mano caminhávamos nem sei quantos quilômetros para levar sua comida, e mais, tinha hora para chegar. No caminho nós passávamos por uma cidade chamada Taboão da Serra, lá tinha o morro do Cristo com uma escadaria sem fim, nós tínhamos que subir todo dia, não tinha outro caminho. O consolo era olhar a cidade lá de cima. Eu me sentia poderoso!
.....O texto já está muito grande, e como disse o Ziraldo “O menino maluquinho cresceu e virou um homem”.

..... - Zipe! Você tem um som violento aqui no seu computador, amplificador e quatro caixas grandes, você gosta de som pesado, por isso que a música te domina.
.....- Mano! A música tem que me dominar, me amar, dar carinho e paz, enfim, ser uma companheira. Se ela parar, morre o contador de histórias. Chega!
.....- Senhor! Obrigado por colocar esse cara na minha vida, para participar e compartilhar tanto dos momentos bons quanto dos ruins. Eu amo ele!
.....- Estou cansado de escrever e carente, preciso beijar alguém.
.....- Zipe, não agarra! Beijar não! Não beija! Para, Zipe.....
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.Zip...Zip...Zip...ZzipperR
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Visitem ZzipperR
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O Olhar Atento da Maturidade - por Alba Vieira

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Recordar é recolher nas vivências do passado, lindas flores perfumadas compondo um ramalhete que vai enfeitar sua mesa da sala enquanto você, de frente para a janela, observa, atentamente, os acontecimentos que formam o belo jardim que viceja no seu presente.
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Visitem Alba Vieira
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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A Obra - por Leo Santos

A escrita da vida verte lenta, enfadonha,
já nem sonha compor bela redação.
Pois sabe que peca em sua insipiência,
pela repetência de parágrafos já escritos,
ditos, não ditos, esperas, desilusão…

Às vezes, finda a linha, e o hífen separa,
palavras que inteiras, devem ser lidas…
Outras, se vira a página pra não mais buscá-la
Nem tentar soerguer
a empresa, então falida.

Maravilha-se ante o desconhecido,
pródiga, em seus pontos de exclamação.
Porque deriva um sentido imaginário,
tendo à mão o dicionário,
por que não pontos de interrogação?

Mui além das letras, mais que papel e tinta,
é deveras amplo, seu insumo;
imenso tomo, mas o que escapa?
Cabe na contracapa, quando o mestre tempo
vem, e faz o resumo…
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................................................Visitem Leo Santos
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E as Simpatias para Entrar o Ano? - por Adir Vieira



Hoje, trinta de dezembro, acordei lembrando que há uns quinze anos atrás, eu corria as casas da vizinhança em busca de um pé de romã. Minha loucura em chupar três carocinhos e fazer meus pedidos era tanta que, vendo meu sufoco, uma amiga chegou à minha casa às onze da noite com uma única peça, tão seca, que tive que sonhar com as sementes, apesar de não tê-las aquele fruto sequer desenvolvido e sacado do pé, para atender minha demanda.
Hoje, tantos anos depois, já não creio mais em simpatias. Tenho plena certeza de que temos o que merecemos, o que procuramos, o que fazemos por onde ter...
Nossa crença é nossa vontade, mas não amparada em pulinhos no mar, em uvas rosadas, em caroços de romãs, em peças íntimas cor-de-rosa etc.
Hoje limito-me a rezar e a agradecer. E como tenho a agradecer!
Feliz Ano Novo a todos!
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Visitem Adir Vieira
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Clarice A.

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Desejo a todos um feliz ano novo, muita saúde e paz.
Abração.
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Mari Amorim

Venha 2010 e que
Tenhamos
Um novo florescer.
Que não haja trevas
Nem noites insones.
Que diante da dor
Não nos deixemos
Curvar.
Que nas lutas diárias
Haja um brado
De ousadia
E fé.
E que a Sua mão
Senhor Deus
Traga-nos sempre
Um afago
E amparo.
Amém!
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Carlos Drummond de Andrade e o Ano Novo - Citado por Penélope Charmosa

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Para sonhar um ano novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.
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Passagem - por Poty

O que virá depois deste?
Apenas o novo que não sei...
São expectativas,
Desejos a realizar,
Sonhos a concretizar.
Estarei neste último dia a esperar o inesperado,
Mas festejando o que realizei,
Conquistei,
O trabalho que desenvolvi
E dentre eles,
Amizades,
Amores...
Para permanecer vou estar de branco, vermelho, verde, amarelo, azul, rosa...
Colorido total!
Vai ser assim!
São cores do amor.
Da Sorte.
Da Paixão.
Da Paz.
Da Esperança.
É o que basta!
O que quero mais?!
É só deixa passar,
Porque virá outro... e outros.
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.Visitem Poty
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vestivermelho

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Feliz Ano Novo...
Beijos
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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Que Venha 2010! - por Adir Vieira


Apenas dois dias para o término do ano.
2009 veio, me deixando, como sempre, cheia de ansiedade, de medos, de expectativas ruins...
Guardo ainda, certa de que não deveria, o momento de dor num dia 3 de janeiro, num desses inícios de ano, quando meu pai se foi...
Veio 2009 e por um certo tempo fiquei à espreita de que algo não esperado acontecesse para marcar o ano. Pensava que viesse logo, marcasse logo e me deixasse livre para viver...
Graças a Deus, como em todos os outros anos, tudo era obra apenas de minha mente doentia.
Veio 2009, trouxe grandes alegrias, satisfações a dois, belos momentos...
Veio 2009 e trouxe a segurança, o reconhecimento dos próximos, a beleza das vivências compartilhadas...
Veio 2009 e trouxe paz, certezas e sobretudo muito amor!
Que 2010 seja igualzinho... Pra mim e pra vocês, meus amigos!
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.Visitem Adir Vieira
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O Natal Se Foi... Um Novo Ano Está Por Vir - por Esther Rogessi

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Mensagens de amor e paz, pensar unânime, escrita inconscientemente copilada, plagiada... Quem se atreve a ‘escrever verdades’ que não às ‘natalinas’...?
Sirvo a um Deus que transforma corações, o Natal não transforma! Por que esperar uma data específica para desejar paz e bem aos amigos...?
Por que não paz aos nossos inimigos?...
Por que se achegar aos vizinhos detestáveis na virada do ano e no dia seguinte virar o rosto, ou falar entre dentes?
Por que presentear aos amigos se a máxima da fraternidade está em amar os nossos inimigos?
Por que alimentar e banquetear quem não tem fome, enquanto que nas esquinas da vida crianças comem lixo e nós nos lixamos!?
Natal é a festa máxima dos LOJISTAS – fazedores de ilusão – para eles VIVA O NATAL!
O que é o Natal senão a bandeira branca enfiada entre exércitos adversários, em campo de batalha...?
Portanto, façamos de cada dia um Natal! Que possamos ter o caráter do ‘Papai do Céu’ presenteando a todos sem fazer acepção...
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Resposta - por Kbçapoeta

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Olá Ana!
O cafézinho fica por minha conta.
Concordo com você que coisa tão certa nessa vida quanto o acaso é o ocaso por não ter descaso de acontecer todos os dias.
Beijão Ana e Alba!



Resposta a Recado, de Ana e Certeza, de Alba Vieira.
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.Visitem Kbçapoeta
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Charles Dickens e o Natal - Citado por Penélope Charmosa

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O Natal é um tempo de benevolência, perdão, generosidade e alegria. A única época que conheço, no calendário do ano, em que homens e mulheres parecem, de comum acordo, abrir livremente seus corações.
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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Chuva, Chalé, Xixi e Outros Bichos - por Ana

Chovia fino. Um dia deprê. Então lembrei das Fatinhas. Elas encaravam qualquer parada, então fui pro msn. Estavam lá. Fui direta:
- Vamos sair?
- Com esta chuva?
- Pra onde?
Fatinha (a escrevinhadora não Escrevinhadora) definiu:
- Um amigo meu, das caronas dos bebum, tem um chalé em Petrópolis. É pertinho, a gente pode ir lá. Eu pego vocês.
Fatinha-Escrevinha, apesar de estar com a perna engessada, prontamente concordou.
Pelo caminho elas foram planejando encontrar uma boate, clube, inferninho, o que fosse, para me levar pra dançar, já que eu nunca tinha feito isso. Eu ia rezando pra elas esquecerem, pois detesto estas coisas, mas não tava com cara de que eu ia me livrar da noitada.
De repente, o pneu furou. Derrapa pra cá, derrapa pra lá, entre tontas e assustadas, salvaram-se todas, graças à habilidade de Fatinha Barrichello.
Carro no acostamento, trocamos o pneu. Frio, chuva, nós ensopadas, bateu aquela vontade doida de fazer xixi. Vimos uma casinha a alguns metros da estrada. A única.
- Vamos lá?
- Vamos.
- Moça, dá pra gente usar o banheiro? É emergência total!
A senhora apiedou-se. Confiou. Pareciam sérias aquelas moças tão educadas.
Entramos. Ela apontou a porta ao final do corredor e foi pra cozinha terminar o almoço. Tinha hora.
Fomos as três em direção ao banheiro. Eu entrei. Tava mais desesperada. Inspecionei: era limpinho, dava pra usar. De repente, algo verde me chamou a atenção, ao lado do vaso, de olhos esbugalhados em mim, pronto pro salto. Gritei:
- Gente! tem um SAPO aqui!
Fatinha, prontamente:
- Sapo ou perereco?
E a gente dana a rir.
- Para, Fatinha! Assim não dá pra segurar!
- Ué, mas cê tá do lado de dentro! Pior a gente, aqui fora!
- E eu vou ao banheiro com um sapo doido me olhando? Pronto pro bote?
- Qué que tem? É só um sapo! - Escrevinha.
- Ou perereco! Manda coachar pra ver se tem sotaque gaúcho! - Fatinha.
- Para, gente!
Ao dizer isso, me virei e dei de cara com um Jesus tamanho natural na porta do banheiro, de frente pro vaso, naquela posição de bênção, olhos nos olhos.
- Jesus!
- O quê? - Escrevinha.
- O perereco grudou na perna dela, só solta com raio! - Fatinha.
E tome gargalhada do lado de fora.
Abri a porta. Falei pra entrarem. Fechei a porta.
- Olhem... e olhem. - disse, apontando.
As cabeças iam do sapo pra Jesus e de Jesus pro sapo.
- Tem condição?
Não tinha.
Saímos agradecendo à senhora a gentileza, tentando controlar o riso. Escrevinha, na porta, alertou:
- Há um sapo no seu banheiro.
- Ih... Esqueci de avisar... é de estimação. É o Perereco.
Caímos na gargalhada. Fomos embora sem parar de rir, nos contorcendo em agonia.
A mulher não entendeu nada. Na hora do almoço narrou o acontecido ao marido.
- Então foi isso, Amadeu... esse povo é doido... pareciam pessoas sérias e saíram rindo, do nada, se torcendo todas que nem lagarta em chão quente.
- Devem ter ido ao banheiro se drogar, Filomena, vai ver iam pro sítio daquele maconheiro, o Fininho.
- Não se pode confiar em mais ninguém neste mundo...
E Filó foi verificar se seu amado bicho de estimação tinha sido afetado pelas drogas e pedir perdão a Jesus por ter permitido que pessoas tão desqualificadas maculassem seu sacrossanto banheiro.
Enquanto isso, as três, em meio a “ais Jesus” e todas as gargalhadas do mundo, procuravam, desesperadas, uma moita pelas redondezas.
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Christmas - por Duanny

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Papai Noel, dessa vez não se preocupe com amores e pecado. Só me traz em uma caixa grande um pouco de vergonha na cara, de coragem e, se você tiver, traz também aquela dose de responsabilidade.
Eu sei que nem todos os natais são alegres e o senhor bem sabe que eu tô aprendendo isso da pior maneira. O arrependimento me veio embrulhado com um laço, e aí tenho vontade de chorar, de respirar e voltar há um ano atrás quando eu ainda pedia versos em minhas veias.
Mas não se preocupe, eu até pediria para o senhor consertar os meus erros, tirar a pressão do meu peito, mas como eu sei que o senhor é um tanto ocupado, me traz duas rodadas de sorrisos e uma garrafa grande de alegria, porque daqui a pouco é natal... e as luzes lá fora me chamam pra sorrir de cara pra lua, sem lágrima ou dor do peito.
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Quero de tudo um pouco, pra provar um mundo em uma só colherada.
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Visitem Duanny
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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O Presente que Ganhamos! - por Poty

Não ganhei,
Mas tive carinho
Abraço e
Beijos.

Estive triste porque me senti mal com a desolação do outro.

Não quero presente por causa da pressão comercial,
Por obrigação,
Mas por livre escolha.

Quero ganhar presente
Por estima,
Dedicação,
Espontaneidade,
Amor e
Paixão.

Sem demérito aos que vivem achando que é oblação.
Há os que acham que compram os outros dando as migalhas
E há os que escolhem o presente que querem ganhar.

Quero ganhar presente,
Mas que seja sem pretensão.
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............................................Visitem Poty
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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Feliz Natal!

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Agradeço e retribuo os votos de Boas Festas
recebidos dos autores do Duelos,
que são a postagem de hoje.
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E a todos os queridos amigos do Duelos,
os votos de Ótimo Natal,
repleto de alegrias.
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Adhemar

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Boas Festas e um Feliz 2010: sucesso, paz e saúde.
Deus nos permita a crescente integração com os amigos deste espaço tão bacana que é o Duelos.
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.Visitem Adhemar
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Cacá

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Desejo a todos os membros do DUELOS, ótimas festas, muita saúde e harmonia em 2010 e que possamos continuar nessa arrebatadora e enriquecedora troca literária. É uma satisfação imensa poder estar no meio de tão grandiosas feras das letras.
Um abraço fraterno. Paz e bem.
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.Visitem Cacá
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Dan

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Para todos meus amigos os votos de FELIZ NATAL.
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...............................Visitem Dan
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Escrevinhadora

.A todos os amigos, frequentadores e passantes dos Duelos, votos de um Feliz Natal.
E que 2010 venha realmente novo e seja inspirador.
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.Visitem Escrevinhadora
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Esther Rogessi

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Desejo ao Duelos toda a felicidade do mundo!!
FELIZ 2010
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.......................Visitem Esther Rogessi
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Kbçapoeta

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Fico feliz de estarmos quase encerrando o ano e o Duelos segue firme e forte e com cada vez mais adeptos.
Um grande abraço e um feliz natal.
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Visitem Kbçapoeta
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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Pedaços - por Leo Santos

Que peso rude traz o dia!
Dor e dúvida marcam os passos;
Engendrando uma aporia,
à qual Sophia cruza os braços…

Conflito em busca do mais forte,
travado sob um céu não azul;
Entre o olhar que anela o norte,
e a alma que ruma p’ro sul.

Os que miram, anelam a fuga,
psiquê, almeja o retorno;
O lenço cúmplice enxuga,
devolvendo o elíptico contorno.

Dicotomia não platônica,
pois o corpo não participa;
será a alma divisível ou atômica,
se ambígua força se exercita…

Não são os olhos, janelas da alma,
por onde se expressa ao mundo?
Não afirmei nada, calma!
Apenas, acho o poço profundo…

É que muitos pedaços,
são visíveis, por seus reclames;
Ora, tomos p’ra retos passos,
outra, p’ra veredas infames.

O orgulho, a vergonha, o medo,
a carência, o perdão, o amor;
Pedaços d’alma, acabou o segredo,
ante infortúnio, o estripador…
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Visitem Leo Santos
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A Saga de Ana e Escrevinhadora no Reino das Águas Claras - por Fatinha

Ana e Escrevinhadora durante muito tempo acalentaram um sonho: ir ao festival de música do Reino da Águas Claras. Ouviram dizer que rolava música de primeira qualidade, muita paz e amor, banho de cachoeira, um verdadeiro encontro espiritual com os gnomos e as fadas, além da oportunidade de conhecer o Príncipe Escamoso.
O pai delas disse que não liberava grana pra essas bobagens, então elas resolveram se virar. Ana arrumou um emprego de recepcionista numa academia de ginástica. Escrevinhadora dava aulas de aeróbica – tinha aprendido todas as coreografias assistindo ao vídeo de Jane Fonda. Nos finais de semana faziam pequenos bicos. Davam banho no cachorro do vizinho, limpavam telhados, consertavam encanamentos, calibravam pneus no posto de gasolina. Nada era penoso demais para elas.
Finalmente conseguiram juntar o dinheiro necessário. O pai deu a autorização com a promessa de que não bebessem, não fumassem, não se drogassem e não fizessem sexo. Foram comprar os ingressos numa salinha suspeitíssima do Centro da Cidade, descolaram uma barraca de camping de segunda mão, mas ainda inteirinha. Compraram alguns pacotes de miojo, biscoito cream cracker, água, latas de salsicha. Pediram emprestado, de joelhos, ao amigo Shintoni, o seu fusquinha 69. Ele concordou, ameaçando-as de morte caso dessem um arranhãozinho que fosse na lataria do veículo. Tudo estava perfeito. Até demais.
Murphy, de plantão, decidiu que não ia facilitar as coisas para as duas. Um dia antes da viagem, Escrevinhadora torceu o pé num arrojado salto mortal de costas. Teve que engessar. Ana, preocupadíssima, andava de lá pra cá como um leão enjaulado, pensando que ia acabar perdendo o festival por causa daquela irresponsável que não tinha nada que ficar se exibindo.
Escrevinhadora, guerreira que não chora, com medo de ser espancada pela Ana, logo que saiu pulando que nem um saci da sala de curativos, já foi dizendo que elas iriam de qualquer jeito. Ana abriu um sorriso de orelha a orelha e deu o braço para a outra se apoiar.
No dia seguinte, com o gesso ainda mole, colocaram tudo dentro do fusquinha e lá se foram cantando músicas de Beto Guedes estrada afora. Escrevinhadora, de navegadora, ia dando as coordenadas de acordo com o mapa que Shintoni havia desenhado.
Vira aqui, nessa estradinha de barro. Tinha chovido na véspera, a estradinha era uma verdadeira pista de rali. Será que o fusquinha tem tração nas quatro rodas? Não tinha. O carro derrapou, guinchou, soltou fumaça e atolou.
Ana, é contigo mesmo. Eu não posso sair desse carro, pulando num pé só, no meio da lama. Ana, bufando, arregaçou a calça, meteu o tênis novinho no atoleiro e embrenhou-se no mato para procurar socorro. Quarenta minutos depois, chegou com um velho, um menino e um burro. Escrevinhadora pensou que já tinha visto aquela cena antes, mas não lembrava onde.
Ana sentou-se ao volante, espumando de ódio, enquanto o velho amarrava o burro no pára-choque e o menino empurrava. Duas horas depois, o fusquinha desatolou e saiu corcoveando pela estrada.
Rodaram, rodaram, começou a chover de novo, e nada da tal da cachoeira que Shintoni tinha desenhado no mapa aparecer. Será que pegamos o caminho errado? Vamos pedir informação. Só se for para os bichos peçonhentos que habitam esse lugar.
Mato de um lado, mato de outro. Odeio a natureza! Escrevinhadora pediu pra ir ao banheiro. Putz! Você e essa sua bexiguinha! Vai no matinho mesmo. De forma alguma, tô com o pé quebrado.
De repente, vislumbraram uma fumacinha saindo do meio do mato. Olha lá! Onde tem fumaça, tem gente. Ana embicou o fusquinha numa trilha e deram de cara com uma tapera. De dentro dela emergiu uma figura estranha. Pronto! Deve ser uma psicopata assassina canibal. Vamos desaparecer sem deixar rastro.
Boa tarde. Será que a senhora deixa a gente usar o banheiro?
Fatinha apontou com a cabeça uma portinha do lado da tapera.
Escrevinhadora, pulando num pé só, enfiou a cabeça no vão da porta. Estava tudo escuro. Ela procurou o interruptor de luz. Não achou. Desculpe, mas, onde acende a luz?
Fatinha apontou para um candeeiro pendurado na parede.
Escrevinhadora iluminou o lugar. Era um cubículo com um cano saindo da parede – provavelmente um chuveiro - e um buraco no chão. Buraco no chão? Nem morta! Mas ou era o buraco ou o matinho. Escrevinhadora se resignou. Pelo menos o cubículo tinha porta. Começou a se preparar, quando olhou para baixo. Dentro do buraco, um sapo gigante a encarava. Virou-se desesperada para porta e levou outro susto. Nela havia uma pintura. Ela aproximou o candeeiro e viu que era a imagem de Jesus, tamanho natural, que a olhava fixamente.
E aí? Fez o seu xixizinho? Não deu, com um sapo me olhando de um lado e Jesus de outro, perdi a vontade.
Obrigada, moça!
Fatinha apontou para a trilha, virou as costas e sumiu dentro da tapera.
Será que a gente não vai chegar nunca nesse lugar? Chegamos. Olha quanta gente esquisita! Pára de reclamar e arma logo essa barraca. Já tá escurecendo e eu estou morrendo de cansada! Vamos comer biscoito com água e ir dormir!
No dia seguinte, as meninas se dispuseram a fazer o reconhecimento do terreno. Não conseguiram nem sair da barraca. Tinha um rapaz deitado na entrada.
Dá licença? Nada. Dá licença? Nada. Ana cutucou o cara. Nada. Será que ele está morto? Só me faltava essa: um defunto logo de manhã... Escrevinhadora deu mais uma cutucada nas costelas do cara com a ponta da bota de gesso. Perdeu a paciência. Meteu-lhe um chute.
Fininho acordou. Hei, não precisa chutar, não. Já acordei. Fininho, ainda deitado, olhou para as duas ninfetas. Seus olhos brilharam. Estava apaixonado.
Fininho era um ex-estudante de Direito que tinha largado tudo para levar uma vida natural. Vivia de artesanato, tinha renunciado aos hábitos burgueses como tomar banho e escovar os dentes, mas, em contrapartida, tinha adquirido outro, que lhe rendeu o apelido. Morava no Reino da Águas Claras há nem sei mais quanto tempo.
As duas, já irritadas, deram um empurrão no pobre do Fininho e foram procurar o lugar do festival.
Voltaram apavoradas com o que viram. Um bando de gente com aparência de drogada pedindo dinheiro, comida, água. Parecia o purgatório. A duras penas conseguiram voltar para a barraca. Ana ia à frente, distribuindo sopapos e puxando Escrevinhadora pelo braço. A última, coitada, ia pulando atrás.
Vamos comer alguma coisa e voltar pra casa imediatamente. Papai vai matar a gente se souber que viemos parar num lugar desses.
Quando chegaram à barraca, mais uma surpresa desagradável: ela tinha sido saqueada. Não sobrou nem um pacotinho de miojo pra contar a história. Pra completar, Fininho estava lá dentro. Tinha decidido que ia morar alí, com elas. Iriam formar uma comunidade, ter muitos filhos e viver em contato íntimo com a natureza.
Comunidade? Natureza? Filhos? Com você?
A viagem de volta foi num silêncio sepulcral. Não havia palavras que pudessem expressar a frustração, a raiva, a fome e a sede que sentiam.
Quando chegaram a casa, Ana se virou pra pegar as coisas no banco de trás. Quase teve um ataque cardíaco quando viu que tinham trazido do Reino das Águas Claras muito mais do que péssimas recordações: Fininho. Dormindo.
Como esse cara veio parar aqui? Sei lá. E o que a gente vai fazer com ele? Sei lá. Deixa ele aí mesmo. O Shintoni resolve. O carro é dele, o que estiver dentro também.
E assim foi feito. Fininho mora até hoje no fusquinha do Shintoni. Ele até já se acostumou com aquela companhia inusitada. Fininho mantém o carro limpinho, e de vez em quando vai visitar as meninas para renovar suas juras de amor eterno. Elas não se comoveram. Ainda.
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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

E Por Falar em Natal - por Fatinha

Querido Brógui:

E por falar em Natal, quem aqui nunca recebeu um presente nada a ver?

Começando pelo nefasto amigo oculto, uma solução boa pra economizar uma grana, mas sempre causa de profundas decepções. Há muito tempo que eu não participo de um, mas sempre acontecia a mesma coisa: eu me esmerava em comprar uma coisa maneira e recebia um treco que eu jamais em sã consciência teria coragem de dar de presente nem se fosse para meu inimigo oculto.

As situações mais embaraçosas são aquelas em que a pessoa toda sorridente diz pra você que o presente é a sua cara. Quando ouço isso tremo nas bases, porque lá vem bomba (eu tenho cara de bomba?). Como minha santa mãezinha me domesticou muito bem, eu agradeço, disfarço a decepção e penso: “Que que eu faço com isso?”.

Eu mesma já devo ter dado presentes assim. Munida da mais singela intenção de fazer o outro feliz e acabando por dar um tiro na água.

Já sei. Você deve estar procurando no seu disco rígido quais foram os presentes dados a mim e tentando adivinhar se eu gostei ou não. Pode parar de se torturar porque você nunca vai saber mesmo. E também nem pense em parar de me dar presentes por causa disso, porque aí eu vou ser obrigada a escrever um diário-denúncia dedurando você.

Em retribuição ao carinho, mesmo não gostando da coisa, procuro usá-la, em homenagem à pessoa que me presenteou. Sim, Querido Diário, minha crueldade tem limites. Não é assim que funciona? O outro me faz feliz dando e eu tento fazê-lo feliz usando. Quando não dá mesmo pra salvar o presente – há casos irremediáveis como roupa pequena, ou uma bijouteria que vai deixar minha pele em carne viva – há solução. Vou trocar, passo adiante – nem adianta fazer cara feia porque duvido que você nunca tenha feito isso – ou simplesmente meto no fundo do armário e pronto.

Temos aqui em casa a nossa secretária do lar – nome politicamente correto para empregada doméstica – que todo Natal traz um presentinho para nós. Ficamos sempre comovidos porque sabemos o quanto o dinheirinho dela é curto, inversamente proporcional ao prazer que ela sente em nos presentear. Quando ela vem toda contente com o embrulhinho na mão, entramos em pânico porque a cada ano ela se supera trazendo objetos de decoração pavorosos.

Um ano ganhamos um porta-papel higiênico. Sabe aquele que a gente pendura os rolinhos na parede? Tem coisa mais cafoninha? Na minha escala de valores, está no mesmo nível da roupinha para bujão de gás ou o pano de prato calendário – aqui em casa não usamos gás de bujão, graças a Deus.

No ano seguinte foi um vasinho de flores artificiais cor-de-rosa com areia colorida também cor-de-rosa. De chorar. O problema das flores artificiais é que além de serem horrorosas não morrem nunca. Não secam, não apodrecem. Só ficam ali se enchendo de poeira e desafiando meu senso estético. E tem mais: tudo quebra, menos o tal do vasinho.

Esse ano, veio a pérola. Umas flores amarelas – artificiais também – submersas em um aquário, com os dizeres: “Jesus o segredo da paz”. Tem noção?

PAUSA PRA EU RIR, TÔ ME CONTORCENDO, O TROÇO É MUITO FEIO…

O pior é que não dá pra defenestrar as coisas. Ela vai dar falta e ficar magoada. Solução: deixar os enfeites enfeiando o ambiente e ela sorrindo. Muito justo.

Mas, vou confessar a você que eu e minha santa mãezinha já arquitetamos o plano maligno de deixar esses objetos ao alcance do João Pedro. Se ele quebrou o galo do Presépio que armamos aqui em casa desde que eu me entendo por gente, tenho certeza de que não vai falhar nessa nobre missão que vamos a ele confiar.
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Postado, originalmente, em 26/12/2007.
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Visitem Fatinha
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O Camping do Fim do Mundo - por Escrevinhadora

Eu tinha perto de 16 anos e quase não saía de casa. Meu pai, um homem antiquado e severo acreditava que lugar de mulher é em casa, que uma moça deve casar-se virgem e me trazia sob rédeas curtas (a década de 60, a pílula, a revolução sexual não tinham entrado na cabeça dele). Meu sonho de consumo era acampar. Algumas amigas de colégio já tinham acampado e vivam contando maravilhas sobre isso. Então eu me mordia de vontade.
Num fim de semana prolongado minha prima, mais velha que eu uns dois anos (ela já era maior de idade) ia acampar com duas amigas, acompanhadas pela mãe de uma delas. Eu não sei que milagre aconteceu, mas meu pai concordou que eu também fosse (acho que foi influência do meu tio, que prometeu que a prima tomaria conta de mim).
Então na sexta-feira, logo após o almoço, não sem antes ouvir um sermão do meu pai me garantindo que me moeria de pancada se por acaso eu bebesse ou fumasse (coisas piores que isso ele nem ousava supor que eu pudesse fazer), lá fui eu, cheia de expectativa e fantasias.
Chegamos ao acampamento no começo da tarde. O camping, na verdade, nada mais era do que um velho sítio que o proprietário resolvera transformar num negócio alternativo. Cobrava uma taxa de quem armasse barracas em seu terreno. Em troca, oferecia banho (água fria, de um pedaço de cano pendente da parede do lado de fora da casa), um único banheiro dentro da casa e um lugar pra lavar louça (dois tanques velhos nos fundos da casa).
Armamos nossa barraca e saímos pra um passeio de reconhecimento. Tinha chovido durante toda a semana e o terreno era um lamaçal só. O rio prometido na propaganda nada mais era do que um fiozinho de água, correndo sobre umas pedras cobertas de limo. O sítio tinha muito mais mato do que plantas. Mas eu, tão excitada com minha aventura, não notei nada de errado.
Até que me deu vontade de fazer xixi...
Para ir ao banheiro, era preciso passar pela sala da casa, que também servia como uma espécie de escritório do proprietário. O sujeito, por si, já era um tipo assustador. Moreno, pele muito queimada de sol, barba e cabelos compridos que ele trazia presos num rabo de cavalo, braços musculosos e cobertos de tatuagens (estrelas, dragões, espadas) e um vozeirão de trombeta.
A sala, escura e recendendo a incenso, era um museu anárquico. Havia caveiras na estante, teias de aranha pelos cantos, numa parede um quadro enorme que deveria ser a representação do inferno (homens e mulheres nus, se retorcendo sobre labaredas), uma coruja empalhada e mais uma infinidade de objetos estranhos e assustadores. (Depois vim a saber que o homem pertencia a uma seita que esperava o apocalipse, o fim do mundo que deveria ocorrer na virada do milênio. Misturava Jesus com John Lennon. Acreditava que no dia do Juízo o demônio despertaria de seu sono nas profundas do inferno e voltaria para um duelo final com Deus. Era vegetariano. Consumia e oferecia aos hóspedes que comungassem de suas crenças, um chá produzido lá mesmo no sítio, que possuía a miraculosa propriedade de purificar o corpo e preparar o espírito para o grande momento da transição.)
Mas voltemos ao desenrolar da história: atravessei a sala com as pernas meio trêmulas. Entrei no banheiro, fechei a porta e já ia me sentando no vaso quando levei um choque: na parede à minha frente, em tamanho natural, uma imagem de Jesus. Tentei abaixar a cabeça, olhar para um lado, para outro, não adiantou. Meu olhar era atraído pelo olhar hipnótico daquela figura. Impossível fazer xixi com Jesus me olhando daquele jeito. Apertadíssima, saí às pressas do banheiro e fui procurar lá fora uma moita que pudesse me servir. Encontrei uma, me abaixei e já estava me aliviando quando vi, bem pertinho de mim, imenso, verde, olhos esbugalhados, um sapo. Saí correndo, escorregando na lama, a calcinha que eu tentava erguer enquanto corria, se enroscando em minhas coxas.
A partir daí meu final de semana dos sonhos se transformou em pesadelo.
Vasculhei o sítio atentamente e descobri que havia sapos em todos os cantos, de todos os tipos, pequenos, grandes, verdes, marrons, cinzentos.
Dormi mal ou mal dormi todas as noites que passei lá. Depois de verificar se a barraca estava hermeticamente fechada eu me enrolava toda no cobertor, sem deixar nenhuma fresta. Mesmo assim, passava horas de olhos abertos no escuro, esperando que a qualquer momento um sapo fosse entrar debaixo das cobertas, subir pelas minhas pernas, pular em cima do meu peito. Xixi eu só fazia nas moitas, depois de examinar cada metro do terreno pra ver se não tinha nenhum sapo por perto. O resto eu nem fazia. Passei o fim de semana com a barriga inchada, cheia de gases, dura feito um tambor.
Minha prima, surpreendentemente, parecia muito relaxada, totalmente integrada ao ambiente (algum tempo depois descobri que era efeito do chá servido aos iniciados; na verdade, cogumelo alucinógeno, nada mais que isso). Não contei pra ninguém, porque não sou dedo-duro e também porque não queria ficar mal com minha prima.
Desde então, mais de 20 anos são passados. O mundo, felizmente, não acabou.
Mas eu nunca mais quis saber de acampar em toda minha vida.
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Certeza - por Alba Vieira

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Coisa mais certa nesta vida... é o descaso.
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.Comentário em Recado, de Ana.
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Entrevista com o Papai Noel - por Cacá

Arcanjo Isabelito Salustiano*, o filósofo das ruas, estava passeando pelos shoppings e feiras da cidade em busca de assunto, já que desde o início do ano ele já sabe para quem pode e quanto pode gastar com presentes. Encontrou vários Papais Noéis, tirou fotos, conversou muito e observou tudo, até o momento em que passou um cara e roubou um saco que estava ao seu lado. Provavelmente pensou que estivesse cheio de presentes ou dinheiro. Tudo caixa vazia. Enquanto as crianças e populares corriam atrás do sujeito, ele conseguiu essa rápida entrevista com o Papai Noel.

ARCANJO: Papai Noel, explique para nós a sua origem geográfica. Não precisa falar de sua onipresença, isso todo mundo sabe. Onde fica essa tal de Lapônia?

PAPAI NOEL: A Lapônia não é um paraíso fiscal como muitos podem pensar. O saco cheio que carrego é proveniente de muitas doações de gente honesta do mundo inteiro. E a Lapônia fica num lugar onde as renas nascem. Nem avião chega lá. Só as renas. E só as minhas. Rena é um bicho criado exclusivamente para Papais Noéis.

ARCANJO: A tradição cristã fala também que você é a representação do São Nicolau?

PAPAI NOEL: Era, meu filho, era! Pelo menos aqui no Brasil! Apareceu aí um certo Nicolau, de quem falam ser ele um juiz e derrubou a minha reputação de bondade, caridade e solidariedade. Já pensou eu ser tratado pelas criancinhas de Lalau? Vamos ficar só com o epíteto do “bom velhinho”, que já tá bom...

ARCANJO: E sendo assim, meio gordo, por que entrar pela chaminé?

PAPAI NOEL: Isso vai se modificando com o tempo, meu filho. Em primeiro lugar, são raríssimas as casas hoje em dia em que há chaminés. Aliás, o número de casas vem só diminuindo. Nos prédios onde não tem elevador, eu ainda tenho é que subir escadas em vez de descer pela chaminé. Eu tenho que tocar nos interfones e há lugares onde é difícil liberarem minha entrada. Tem tanto clone de Papai Noel mal intencionado por aí... Quanto à chaminé, era uma forma de me aquecer, já que de onde venho é muito frio. Agora, além do sumiço das casas, e com esse aquecimento global, já estou querendo é mudar o uniforme, algo mais leve.

ARCANJO: Por que você não se adapta em cada região aos seus costumes? Por exemplo: esse negócio de neve no Brasil nesta época do ano, não cola com a sua imagem nem com o clima. Não acha muito americanizada a sua atitude? Você não estaria puxando a brasa para a sardinha dos americanos? Quer dizer, trazendo essa ideia de neve para cá em pleno verão? Eles já dominam tantas coisas no mundo... Será que o Natal não pode ser cada um com seus costumes e deixar o ecumenismo somente para celebrar o nascimento de Cristo? Não bastou esse tal de panetone que você espalhou por aqui? Deu até confusão numa certa cidade lá no planalto central do Brasil. Tinha um cara disfarçado de Papai Noel sem o devido traje roubando dinheiro e dizendo que era para distribuir panetones aos pobres...

PAPAI NOEL: Bom, em assuntos internos de cada país eu não me meto, sabe como é, a minha imagem universal... Imagine se eu chego no Brasil, por exemplo, e me visto de bermuda, chinelão, boné e camiseta regata? Aonde iria parar a minha credibilidade com as crianças? Fora o fato de que eu iria ter que ficar me explicando para a polícia. No mínimo iam me confundir com vagabundo. Ou então, num traje desses com um saco nas costas, eu ia era ganhar esmolas.

ARCANJO: Obrigado seu Noel. Quer deixar uma mensagem final para seus fãs no mundo inteiro?

PAPAI NOEL: Se quero! Tenho notado que em todo lugar as pessoas, por mais que dêem e ganhem presentes, estão sentindo falta de mais presença do outro em suas vidas. Disfarçam as suas faltas e carências com artigos de consumo imediato mas não conseguem preencher seus espíritos com uma substância que não está à venda em nenhum lugar. Eu gostaria mais de ser outros símbolos. Queria simbolizar mais a tolerância em vez da indiferença. Mais a humanização em vez da coisificação. Mais a essência em vez da aparência. Queria que fôssemos mais sujeitos das coisas e valores e não meros objetos de dominação por falta de envolvimento real nos destinos de cada lugar, de cada país.
Eu desejo natais onde, em vez de meu sem graça HÔ,HÔ,HÔ, eu poderei escancarar um satisfeito HAHAHA!
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*ARCANJO ISABELITO SALUSTIANO é um personagem que criei.
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O Meu Melhor Presente de Natal - por Esther Rogessi

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Naquele 23 de dezembro, acordei durante a madrugada e, na minha cabecinha de criança, contando apenas 7 anos de idade, fiquei sonhando acordado com o Natal. Eu não sabia bem o que era, porém ouvi os meus colegas do ‘Grupo Escolar’ contarem uns para os outros os pedidos feitos ao ‘Papai Noel’... E, timidamente perguntei-lhes:
– Quem é? Vocês têm um pai com o mesmo nome?
– Não! Seu bobo... Papai Noel é um velhinho que no dia de Natal dá presentes às crianças... Você nunca ganhou presentes dele não?
– Não... eu não tenho pai...
Imediatamente Hugo respondeu:
– Não é preciso ter pai pra ganhar presente do papai Noel!...
Perguntei-lhe:
– Não?...
– É claro que não! Eu não tenho pai, mas todo Natal Papai Noel me dá presente! - falou o Marquinhos, outro colega nosso, todo orgulhoso...
E perguntei espantado:
– Ah... Ele dá mesmo? Como é que eu faço? Como é que ele vai saber onde moro?
Hugo disse alegremente:
– Minha mãe me ajuda a fazer o pedido, me diz o que é melhor. Sabe? No Natal passado, eu pedi uma bicicleta, então a minha mãe disse que o Papai Noel era muito velhinho e que era difícil para ele subir o morro, carregando tantos presentes e, ainda mais, uma bicicleta pesada... Eu concordei com ela e pedi um carro bem bonito...
– E ele deu?
– Claro! Igualzinho ao que eu mostrei a minha mãe!
– Ah... Foi mesmo?

Fiquei pensando durante todo o dia... Como eu queria ganhar um presente... Quando mamãe chegou do trabalho – minha mãe trabalhava há dez anos na casa de um casal de médicos –, contei para ela sobre a minha conversa com os meus colegas. Ela ficou em silêncio, olhando para mim... E vi lágrimas escorrendo por suas faces... Perguntei-lhe:
– Por que a senhora está chorando, mãe?
– Por nada filho... É que eu cresci sem natais e esqueci de fazer você viver os seus... Perdoe-me, filho... Mas, o que você gostaria de ganhar mesmo?
– Um carro bem bonito!
– Vou falar para o Papai Noel, está bem?

Ah! Que alegria eu senti... Pela primeira vez, eu ganharia um presente do Papai Noel...
Papai!” Que palavra mágica! Boa de falar... Ah! Eu cresci chamando mamãe e só mamãe. Não sei do meu pai... Algumas vezes eu perguntava a minha mãe: – Mãe, por que eu não tenho pai? Por que eu não sou como as outras crianças?
Ela rodeava, porém não me falava a verdade.

Foi perdido em sonhos, com a alma agitada, que naquela madrugada abafada, no escuro do meu barraco, fitando o teto de zinco, me refrescando através dos chuviscos de uma chuvarada repentina que se fez cair... no descanso do desconfortável sofá sem pés rente ao chão, com um único lençol que eu tinha de optar entre forrar o seu plástico barato para não me esquentar as costas durante o sono ou me cobrir, me livrando dos pernilongos que brigavam entre si em disputa pelo meu sangue. Já passava das vinte e quatro horas. Havia uma casa de jogos próximo ao nosso barraco, que costumava fechar muito tarde, eu ouvia os comentários da vizinhança, que o seu fechamento se dava após as vinte e quatro horas... Ouvindo o barulho do fechar de portas, deduzi ser muito tarde... A minha mãe ainda não tinha chegado, porém eu não sentia medo, os meus pensamentos eram tão bons... Quantos sonhos!
Pelos furos do zinco, percebi pequenos raios luzentes, entrando e causando um efeito bonito no nosso barraco de dois cômodos. Os pingos fortes da chuva faziam-se ouvir no zinco... Era como se Deus estivesse a me falar em mensagem codificada: ‘Estou bem presente aqui, não estás só! Trago o céu para ti como presente de Natal, essas são as luzes de todos os natais que você não viveu meu filho!’...

Comecei a chorar mansinho. Eu era criança, não entendia... Mas, no meu coração, eu ouvia uma voz doce que, de repente, deixou de falar dentro do meu coração e inundou o nosso barraco, uma doce voz que soava forte; que se fazia ouvir como que fosse amplificada, enquanto o lugar simples e humilde ficava repleto de estrelas... O chão de barro batido, os poucos utensílios e projetos de móveis, a ‘minha cama’, tudo estava bordado por estrelas de luz tênue... Sou o teu Deus! O Pai dos órfãos e o marido das viúvas... Sou eu que zelo por ti e vou te dar o presente de Natal que, Noel não poderá te dar , não o receberás aqui, no morro, mas te farei descer o morro para recebê-lo, porque SOU o teu Deus!

Não sei se aquela voz se alongou ao falar-me... Foi um bálsamo para a minh’alma inocente e ansiosa, perdida em questionamentos mudos. A doce voz inundou não só os cômodos do nosso barraco, porém a minha alma... Adormeci ouvindo-a... não vi a minha mãe chegar. Acordei com ela me chamando, me apressando, pois iríamos passar o Natal na casa dos patrões da minha mãe – o casal de médicos –, algumas das vezes ela me levava para passar o dia lá... juntinho a ela naquele apartamento imenso e elegante.

O Dr. Fábio ficava olhando-me demoradamente... Algumas vezes era carinhoso... Eles não tinham filhos, a Drª Olívia – sua esposa– era estéril. Eles estavam em férias. E planejavam viajar logo após o Natal. A minha mãe também teria férias... Poderíamos ficar juntos por mais tempo. A família dos patrões da mamãe morava em outro país... distante, muito distante! Naquela noite de véspera de Natal éramos em número de quatro. Jantamos alegres e, em seguida, a Drª Olívia nos convidou para nos assentarmos junto à grande árvore de Natal, muito bonita e iluminada, com várias caixas de presentes embaixo... À vista de todos, o Dr Fábio calmamente me perguntou:
– O que você pediu ao Papai Noel, filho?
Olhei para ele muito sério e lhe respondi:
– Eu e minha mãe pedimos um carro bem bonito... Mas eu ouvi uma voz muito bonita e calma no meu coração dizendo que Ele era o pai dos órfãos e marido das viúvas e que eu não estava só... e que iria me dar um presente que o Papai Noel não poderia me dar, e eu teria que descer o morro para recebê-lo... Eu já não sei mais o que vou ganhar... Sabe o que eu queria mais do que qualquer presente doutor?
– Não, filho! Não sei... O quê?
O meu pai! O meu pai de verdade! Eu só tenho mãe...
Sem entender, vi o Dr. Fábio chorar como eu nunca pensei que um homem pudesse fazê-lo... Mesmo eu sendo tão pequenino, entendi que algo muito sério estava acontecendo naquela noite de Natal... E espantado vi o Dr. Pegar as mãos de sua esposa e lhe pedir perdão em pranto, a minha mãe nervosa colocou as mãos na boca e gritou:
Não! Não conte, Fábio!...
Fiquei mais confuso ainda... A minha mãe chamara o doutor simplesmente de Fábio... Ele não a ouviu e contou a doutora Olívia – a sua esposa – que eu era seu filho...
Não ficamos para a entrega dos presentes... mamãe me pegou e saímos rapidamente...

A minha vida mudou, a nossa vida mudou! Minha mãe não mais precisou trabalhar em casa de família, eu ganhei o pai que eu pensei não ter, o doutor Fábio me reconheceu como filho, nos deu uma casa decente, uma pensão para minha mãe cuidar de mim... E sua esposa, ao longo dos anos, lhe perdoou. Não se separaram. Não fiz a infelicidade deles, causei lágrimas, é verdade... Sem querer fiz a boa doutora sofrer...
Entendi que eu não deveria desejar presente algum na vida... Além do que ‘Aquela doce voz’ me deu... Ele cumpriu com suas palavras! A verdade sempre vence! Pois ela é amor, é fruto do Espírito de Deus e o amor vence o mundo!
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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Fininho e seu Amor Impossível - por Escrevinhadora

Fininho era um maconheiro meio amalucado, porém inofensivo. Típico hippie de meados dos anos 70, sabe cumé? Muito cabelo, muitos ideais, pouco dinheiro e pouco banho. Não era vagabundo (só muito dorminhoco, sabe-se se lá se por sua natureza ou por efeito do fumo). Trabalhava num lava-rápido. Emprego ruim, salário pior ainda, mas dava pra viver e garantia carteira assinada. Não tinha muitos gastos. O pai morrera quando ele era criança e desde então vivia com a mãe numa casa simples, num bairro afastado. Dava parte do que ganhava pra mãe, pra ajudar nas despesas. O que sobrava era mais do que suficiente pra ele. Sua vida inteira era um marasmo. Sua vida financeira um marasmo, sua vida amorosa um marasmo, sua vida intelectual um marasmo. Não tinha dívidas, também não tinha economias. Não tinha namorada (magrelo, como indicava o apelido, branquelo, de inteligência curta e duro, onde ia arrumar namorada?). No geral detestava ler, só se interessava por leitura se o assunto fosse extraterrestres ou disco-voadores. Sua única diversão era a erva e com ela gastava quase todo o dinheiro que lhe sobrava. Só não fumava no horário de trabalho. Tinha medo de perder o emprego e ficar sem dinheiro para o seu sagrado bagulho. Quando ouviu falar no tal do festival de rock Fininho ficou alucinado. Pensou logo em alguma coisa tipo Woodstock, todo mundo peladão num clima de paz e amor. Correu comprar os ingressos (caros pra diabo, mas fazer o quê? Era um festival de rock, ele tinha que ir). Não pediu licença ao patrão pra faltar ao trabalho. Simplesmente resolveu ir e depois veria o que fazer. Enfiou-se num ônibus noturno e viajou horas a fio com a mochila nas costas. Durante a viagem, comeu biscoitos murchos que comprou numa parada. Numa outra parada, tomou água da torneira do banheiro. No meio da madrugada o ônibus o despejou na rodoviária de uma cidadezinha perdida no interior (aquilo não era bem uma rodoviária, apenas uma guia rebaixada onde o ônibus encostava e um cubículo escuro que servia de guichê). E o festival não era bem no centro da cidade. Era longe, muito longe e àquela hora não havia ninguém pra indicar o caminho. Fininho resolveu esperar o dia amanhecer e enquanto isso, aproveitou pra dormir mais um pouco, a mochila servindo de travesseiro. Ao amanhecer acordou e viu à sua volta mais uma meia dúzia de cabeludos que também dormiram por ali.
Pelas roupas e pelos cabelos, era evidente que também iam ao festival. Seguiram juntos. Pedindo carona, que só conseguiram de um sitiante com uma camionete velha, que exigiu que eles fossem na parte de trás, amontoados entre sacos de milho e engradados de galinha. A partir de um trecho da estrada o homem (um caipira muito desconfiado) os mandou descer dizendo que seu caminho não passava pela porta da fazenda onde acontecia o festival. Tiveram que seguir a pé, por uma estradinha barrenta e estreita. Durante a caminhada Fininho estava doido pra acender um baseado, mas se aguentou. Um pouco porque era muito tímido pra fumar na frente de estranhos e outro tanto por avareza mesmo. Tinha medo de mostrar quanto fumo estava levando e ter que dividir com seus acompanhantes. Chegaram à fazenda já no meio do dia, mortos de fome e cansaço.
Fininho logo foi fazer o reconhecimento da área. A fazenda era enorme, com muitas árvores, muito mato, muitos recantos onde alguém podia se esconder pra fumar sossegado. Não havia os peladões que ele esperava encontrar (a chuva da semana inteira tinha feito a temperatura despencar e quase todos usavam o mesmo uniforme: calças e jaquetas jeans). Os banheiros eram um completo desastre (um mistura fétida de urina e vômito emporcalhavam o chão). Mas o palco era uma beleza, grande, bem montado, equipado com uma aparelhagem de som da pesada. Fininho concluiu que os shows seriam muito bons e achou melhor descansar um pouco, pra aguentar o agito da noite.
Procurou um local afastado e deserto, curtiu seu fuminho, depois dirigiu-se para o espaço onde a moçada tinha montado acampamento. Recostou-se na sombra de uma barraca e dormiu por algumas horas. Quando acordou, viu pela primeira vez as três, paradas à porta da barraca. Duas morenas, uma delas com cara de brava e a terceira, bem loirinha. Cabelos longos e lisos, rosto fino, traços delicados, cara de santa. Fininho encantou-se pela moça assim que a viu. Ficou parado, olhando pra ela embasbacado, desejando se aproximar, falar com ela, ouvir-lhe a voz. Só desviou os olhos quando a morena de cara de brava deu-lhe uma encarada. Mas mesmo assim, continuou por ali, disfarçadamente admirando a moça. E quase não se afastou mais. Sumia de vez em quando pra fumar seu baseado, tomava um banho na cachoeira, ia assistir ao show, mas sempre voltava pra dormir. Começou dormindo na sombra da barraca mas depois, vendo que as moças estavam sozinhas, passou a dormir na porta mesmo, como que montando guarda. Não entendia muito bem o que aquelas três faziam ali. Estava na cara que não tinham nada a ver com aquele ambiente. E se arvorou meio que em anjo da guarda das moças (em especial da carinha de santa, por quem estava obviamente apaixonado).
Tanto zanzou por ali que acabou atraindo a atenção da moça. Trocaram algumas palavras. Ela lhe deu uma fruta, que Fininho aceitou prontamente (não estava em condições de recusar comida). Sentiu-se muito pobre e um pouco envergonhado por não ter nada para oferecer a ela. E foi ficando por perto, feliz apenas por conversar um pouco com a moça. Ficou sabendo que as três eram amigas de colégio e tinham ido atraídas unicamente pela música. As duas morenas eram irmãs. A de cara de brava era a mais velha e dona do fusquinha que as levou ao festival. A outra, mais nova, andava meio enrabichada com um sujeito fortão, de barba escura (com quem desaparecia no meio da tarde). A santinha era doida por rock e especialmente apaixonada por um astro pop americano que, obviamente, não ia aparecer pra tocar naquele fim de mundo.
E assim o tempo passou e chegou o último dia de festival. Perdido entre sentimentos contraditórios, alegria por ter curtido aqueles dias, a tristeza de saber que era o fim, Fininho fumou feito louco, até de madrugada. Depois, deitou-se na porta da barraca e dormiu. Dormiu e dormiu. Sonhou que alguém o chamava aos berros, que o sacudiam. Sonhou que acordava, entrava na barraca e ia dormir junto da moça. E acordou de susto, com a barraca despencando-lhe em cima, uma haste do ferro da armação acertando-o bem no meio da testa (na verdade, no meio de seu sono profundo, tinha mesmo entrado na barraca, as moças tinham feito de tudo pra acordá-lo e não conseguindo, resolveram desmontar a barraca mesmo com ele dentro).
Ao ver que aquele era o momento da separação, Fininho entrou em desespero. Queria dizer algo para a moça, não sabia exatamente o quê. De repente, lembrou-se de um poema que arrancara certa vez de um livro e que andava sempre dentro de sua mochila. Um pedaço de papel amassado com um poema de amor que dizia mais ou menos isso: “quando você não estiver mais perto de mim, nenhum fiapo de vida me restará para viver”.
Desajeitado, sem saber falar sobre a tristeza que estava sentindo, Fininho enfiou o pedaço de papel na mão da moça e se afastou rapidamente, sem coragem de ficar para vê-la partir.
Mas depois que as moças foram embora, Fininho arrependeu-se de sua covardia. Então, procurou pela fazenda inteira o fortão com que a morena mais nova saía. Encontrou-o e conseguiu arrancar dele (em troca de uma boa porção de erva), o endereço das moças.
Fininho voltou pra cidade. Retornou ao trabalho onde o patrão furioso nem quis ouvir explicações. Simplesmente o despediu (pelo menos foi generoso, pagou-lhe uma boa indenização).
Desempregado, mas com dinheiro no bolso, Fininho fez a barba, cortou os cabelos, arrumou-se todo e foi à procura da moça (o endereço não era difícil e Fininho conhecia bem a cidade inteira).
A rua ficava num bairro de classe média. A casa era muito ajeitada, um portão largo e guia rebaixada indicando a existência de um carro. Fininho ficou circulando na rua, sem saber o que fazer. O que diria para a moça? Falaria de seu amor repentino? E o que poderia oferecer a ela? Nem mesmo seu emprego no lava-rápido possuía mais...O tempo foi passando e Fininho desanimando.
Já fazia horas que Fininho dava voltas pela rua, quando a moça passou por ele, mas nem sequer o viu. Era o fim de suas esperanças.
Fininho deixou-se ficar perambulando pela rua e quando anoiteceu, aproveitando-se da escuridão, deixou pichado no muro em frente à casa o que julgava ser um recado.
Depois, foi a uma boca de fumo que conhecia, onde gastou quase toda a indenização em maconha. Daquela vez, só daquela vez, pra dar um realce (como se diz no jargão dos usuários) comprou também uma trouxinha de pó.
Tomou um trem e rumou para o subúrbio, onde enfiou-se no banheiro imundo de uma estação ferroviária para curtir sua desilusão.
Na manhã seguinte, quando a moça abriu a porta de casa, teve um susto de quase desmaiar. No muro em frente, em letras garrafais, a pichação dizia FININHO TE AMA.
Naquele mesmo instante, do outro lado da cidade, o corpo de Fininho dava entrada no IML, morto por overdose, numa parada sinistra na periferia.
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