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Eróticos.)




domingo, 14 de dezembro de 2008

Espadas - por Adir Vieira

Eram oito as espadas. Habitavam a mesma prateleira. De feitios diversos, com ornamentos diferenciados, ali estavam com o único propósito de guerrear e defender.
A primeira chegou em tempos plácidos, foi cuidadosamente escolhida. A princípio bastaria só ela. Como não havia guerras, sua finalidade era agradar, servir de exibição e atender aos desejos de posse do seu dono. Assim passou pela vida, sendo aquela cujo trabalho era desdobrar caminhos, às vezes para satisfação própria. Foi lutar, quando raramente era necessário, em local destacado, aparecendo para as outras como sendo atarefada e sofrendo com o seu papel. Tinha o seu valor intrínseco de ser a preferida e de nada mais precisava. Se necessitava de um lustre especial para manter seus dois gumes altaneiros, lá estava seu dono pronto a atendê-la.
A segunda também chegou em tempos calmos, embora comprada em oferta de ocasião. Por um longo tempo ficou sem a oportunidade de guerrear, até que, surgindo tempos bravios, lembrou do seu papel e iniciou estudos e mais estudos no seu aperfeiçoamento. Não tinha dois gumes como a primeira, mas mais ciente do seu papel, necessitava exibir a melhor performance pelas duas. Foi assim pela vida, até encontrar um espadachim que a dominasse e a impedisse de exercer seu papel tão bem aprimorado.
A terceira chegou para compor o quadro. Afinal, a primeira tinha dois gumes e era toda trabalhada, uma peça de raro valor, talhada em manhas e artimanhas; a segunda, especial na forma com que se lançava na luta, carecia de uma terceira, não tão bem facetada como a primeira, mas que fosse mais atuante (mesmo com apenas um gume), pois os mares já estavam bravios. Passou pela vida fiel ao seu propósito e, principalmente, fiel ao que lhe pediu seu dono. Se decidia ir por caminhos mais fáceis na luta, voltava a se conduzir da forma com que o seu dono pedia, somente para lhe ser fiel. Guerreou até o fim pelo simples prazer da luta, pelo simples prazer de defender direitos e defeitos do seu dono e por muito tempo buscou, fora do seu domínio, outros campos para guerrear. Mostrar sua fidelidade ao dono era o seu mais crucial desejo.
A quarta chegou em momentos de vez em quando bravios, mas relutou em ser espada. Era plácida, quieta, alheia a tudo e não queria ser reconhecida como uma espada. Sua forma despojada, chata e larga dava trabalho ao espadachim, como a lembrá-lo a todo momento que não era hora de lutar. Mas a terceira, que reinou junto com as duas primeiras por um longo período, a forçava a exercer o seu papel, o que era mais do que compreensível. Assim, aos poucos, foi desenvolvendo sua condição de espada. Seu dono não necessitava de sua defesa, tinha as outras três, e assim ela se aquietava no seu canto, exibindo em outros momentos a revolta natural por não lutar. Assim viveu, tentando entender o porquê da luta, pois era tão penoso e trabalhoso... Se pudesse escolher ia se enfeitar e ornamentar o armário e as outras. Ensinaria seus dengos e suas peripécias no ar, nos torneios lúdicos.
Mas aí, então, chegou a quinta, logo em seguida, de súbito. Não importava se os mares estavam bravios ou não. Compreendeu que, no monte, algo corria sem propósito e com moradia bem próxima da quarta, de pronto percebeu - pois era muito perspicaz - que a quarta era uma inútil e que sem a presença dela próxima, todas deixariam de cumprir seu papel na defesa de seu dono. Tinha uma imponência própria, brilhava e chamava muito mais a atenção quando exibida. Negava-se a ter outro papel que não o de lutar, o de lutar e o de lutar. Seu dono também percebeu que era a mais observada nos torneios e a ela destinou as melhores batalhas, as lutas mais difíceis, aquelas que - ele tinha certeza - nenhuma das outras enfrentaria melhor. E, de batalha em batalha, sua altivez nunca era vencida. Assim passou a vida: guerreando, vencendo e perdendo para ganhar de novo.
A sexta veio num tempo mais adiante. Altiva e reticente, de forma diferente das demais, que a estranharam no monte, custando a reconhecê-la como parte do acervo. Veio em tempos mais que bravios, mas discordando da maneira quase parecida de todas guerrearem. Tentou mostrar laçadas diferentes, movimentos únicos e especiais, mas não encontrou seguidoras e rumou para outros territórios, sem, contudo, deixar de cumprir seu papel na defesa do seu dono. Assim viveu, cônscia do seu acerto por desse jeito se conduzir.
A sétima, ah, a sétima... Essa chegou quando seu dono precisava escolher uma em primeiro plano. Estava envelhecendo em mares turbulentos e as outras espadas já apresentavam ranhuras e amassados que dificultavam a luta. Lutavam entre elas com afinco para se fazer ideal perante o dono. Chegou a sétima e identificou o desejo do seu dono, de pronto. Não titubeou. Deu provas de sua capacidade de defesa, não só do seu dono, mas cuidou para que as outras espadas fossem poupadas das lutas mais árduas e difíceis. Não foi difícil para o monte se aperceber do seu papel. Umas lutaram em se fazer a escolhida, outras aceitaram com satisfação sua proteção, outras fingiram estar atuantes para não desagradar ao dono que, notando sua perspicácia, elegeu-a sua favorita. Afinal, nunca nenhuma das outras espadas captou a maneira com que ele queria a luta, como ela, a sétima. Assim viveu até o fim: no monte, com o monte e para o monte.
Mas seu dono, não satisfeito com o acervo, passados alguns anos, aceitou de presente uma nova espada. Tinha o objetivo de renovar o monte, era brilhante, com dois gumes afiadíssimos, pequena, mas carecia de ensinamentos especiais de todo o acervo para cumprir seu papel de espada. Veio em tempos menos bravios; com tanta espada pronta a defender seu dono, caminhou em terras outras para adquirir novos conhecimentos. Verificou que a luta deveria ser silente, sem estardalhaços, os golpes deveriam ser imperceptíveis para atingir o atacado e, mesmo sendo a última do acervo, tentou mostrar seus achados ao monte. No entanto, todas, ao longo da vida, já haviam incorporado atitudes próprias, calcadas na vivência da defesa particular do seu dono. Assim, recusaram mudar, mais uma vez.
Hoje, seu dono não mais existe e não há necessidade de lutas. Como deixar de ser quem se tornaram? Acho que, por isso, o monte luta entre si. Mas até quando?
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Espadas - por Alba Vieira

Espadas?
Nascidas mesmo para lutar ou simplesmente representar o reino?
Até quando lutarão entre si?
Até que se dêem conta de sua verdadeira vocação e se permitam transformar em ondulantes fitas coloridas.
Decerto diferentes entre si, mas que juntas possam formar um lindo arranjo oferecido e dedicado à memória do dono das espadas.

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O Tempo - por Leo Santos

Hoje, é só um amanhã que chegou. Amanhã,
o tribunal de apelação, para os que não
aceitam a sentença atual; ontem, testemunha
ocular, que nos viu construindo hoje.
O tempo extático, observa nossa monótona
Passagem; fazendo tudo de novo, de modo que
não há nada de novo, (inclusa a frase), no
entanto, é uma mesmice veloz. Todos correm.
Cada um segue seu “contador de histórias”
e atrás do esquisito, corre, corre…
O trágico dessa maratona é que a ceifeira
aguarda do outro lado da ponte; os mais
velozes, encontram-na primeiro…
O poeta sabe que ela esta lá, vai, pois,
sem pressa “no passo do gado” como ia Jacó,
tangendo seu rebanho de afetos, saudades…
Talvez seja uma exceção, por já ter morrido mesmo;
que razão pois, para temer a morte? Ademais, como
disse o Quintana: “A morte não é assassina”.
Por isso, é o último que chega, sem troféu
tampouco medalha, os quais, se recebesse, não
saberia o que fazer com eles.
Todavia, ninguém apreciou melhor paisagem,
e os múltiplos quadros que contemplou, são
seus lauréis…
Sua leitura eficaz do ontem, lhe dá hoje,
a profecia sobre o amanhã…

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Quero Minhas Estatísticas! - por Ana

Estatísticas de novo,
Este é o meu desejo!
Um blog sem estatísticas
é como namoro sem beijo!

Mando e-mail todo dia
pedindo para elas voltarem.
Façam o mesmo que eu
pra eles reconsiderarem.

Conto com a ajuda de vocês
nesta honrosa cruzada,
um dia eles vão ceder (?),
pois tudo é melhor do que nada.

Queremos saber que visitam
nossa casa virtual
(quantos, quando, em que posts).
Isto é fundamental!

Os números dizem de vocês
que nos lêem e apreciam,
sem saber de seus acessos
fica um profundo vazio...

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Eram Tempos de Flor - por Alba Vieira

Pensei em sair pela vida rumo a um futuro atraente como quem vai ao piquenique. Levaria uma enorme cesta em que caberiam, juntos, entrelaçados numa forte teia que sustentaria meus passos certos e seguros, os acontecimentos bons do passado. Seriam somente aqueles carregados de emoções positivas e imagens coloridas. E que teriam aquecido meu coração. Lembranças de gestos gentis e amorosos também estariam ali - dádivas concedidas por almas claras. Na minha cesta, eu colocaria, por exemplo:
- uma noite de chuva em que minha mãe sentou-se e delicadamente convidou minha cabeça a pousar sobre suas pernas enquanto eu estava estirada no sofá e acariciou meus cabelos - ela que era sempre tão ocupada, não se permitia parar e eu tão criança que ainda não tinha recebido um carinho tão significativo (nunca soube se para ela este fato marcou tanto quanto para mim);
- as incontáveis noites da infância em que perdia o sono e procurava meu pai para que ele ficasse acordado - mesmo que fosse de onde estava dormindo - até que eu pudesse voltar a adormecer; apenas o seu despertar calmo e sua voz doce que me dizia “Vai dormir, menina!” já eram suficientes para me tranqüilizar e trazer de volta o sono, mesmo nas noites em que eu já era adulta (e só me dei conta de sua importância depois que ele se foi);
- o momento aguardado o dia inteiro em que minha irmã mais velha, minha madrinha, me trazia um novo livro da biblioteca da fábrica em que trabalhava, grande, grosso e de capa dura azul-marinho; ela me trazia um mundo novo, porta que se abria para viagens fabulosas, inesperadas e inesquecíveis;
- tantas manhãs, tardes e noites de convivência com meus pais, minha avó e meus sete irmãos barulhentos, aos quais eu era visceralmente ligada e tão diferentes entre si que me permitiram desde cedo o contato profundo com a alma humana;
- a alegria assanhada que tantas vezes senti ao abrir a caixa do correio e olhar o envelope escrito com letra pequena e desenhada que eu levava para o banheiro para ler em paz, guardando para sempre o pedaço de papel rasgado para abrir a carta do meu amor, naquela época em que ainda só havia amizade entre nós (posso sentir ainda o misto de curiosidade, o calor no corpo e o coração acelerado);
- a tarde em que nos declaramos e sentimos pela primeira vez o entrelaçar de nossas mãos, num casamento perfeito das auras no dia em que uma amizade profunda se confirmou o amor da vida inteira.
São tantos momentos marcantes, que certamente esta cesta teria um fundo falso que me conduziria aos recônditos do inconsciente e, como jardineiro atento ao belo, eu poderia colher até o último dia as flores de minha vida, ainda que elas ocasionalmente tivessem crescido entre ervas daninhas indesejáveis e intrusas.
Pense em como seria a sua cesta, mas observe bem: idealizando-a, seja benevolente com você mesmo, atento ao que realmente lhe faz bem, use os olhos do coração ao escolher as lembranças e perdoe-se - ou à Vida - se seus tempos de flor foram escassos ou ficaram no passado, e lembre-se que é possível, ainda, criar para você um belo jardim florido.
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Quero Minhas Estatísticas! - por Alba Vieira

Quero minhas estatísticas
e eu não faço por menos.
Se você não gosta delas,
deixa pra nós que queremos.

Estatísticas não servem pra nada?
Quem foi que te enganou?
Dão a graça e trazem vida,
mostram quem te visitou.

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Eram Tempos de Flor... - por Ana

Eram tempos de flor. Tempos de bananeiras transparentes sob o sol a pino, com suas cores infantis e lúdicas. Tempos de eucaliptos perfumados que enlevezam as auras. Tempos de paz na alma, de céus azuis com nuvens que se movem, brancas e ameaçam, cinzas. Tempos de chuvas nos cabelos, no corpo, fazendo os sapatos reclamarem, as meias gelarem e o sorriso surgir em meio às corridas até a casa.
Eram tempos bons, de sentir a própria alma em seus gestos, quando ainda se percebe a alma sem cobrar, sem julgar, mas com curiosidade e paixão; quando a alma é virgem da própria visão e transparece como o outro dentro de si. Alma que pode infinitamente ser generosa e abissalmente, egoísta.
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P'ra Minha Avó - por Alba Vieira

Não era fofinha nem risonha. Ela era alta, magra e raramente sorria. Exigia respeito e, em sua casa, quem gritava era só ela. Mas geralmente falava baixo e era ouvida sempre. E adorava assoviar. E balançar obsessivamente o molho de chaves que carregava quando saía. É que ela morava sozinha e gostava muito de rua. E de pessoas - seja para encontrar e conversar nas suas idas à padaria, à quitanda, ao açougue, à farmácia ou ao armarinho, geralmente para comprar coisas para minha mãe e nossa família; seja para criticar. Criticava toda gente e suas vidas erradas (do ponto de vista dela, é claro). Acho que eu a adorava exatamente por isto, porque sua crítica não era a que encontramos comumente, pois ela não era convencional e não esperava das pessoas comportamento tradicional. Pelo contrário, o que criticava eram as mulheres submissas aos maridos que se mantinham em casamentos falidos por falta de coragem de ir à luta; eram homens covardes que hostilizavam suas esposas; mulherengos que as humilhavam com suas conquistas baratas e, principalmente, a ignorância das pessoas.
Simpática? Nem um pouco. Só bem mais tarde, na velhice, às vezes se emocionava e até chorava quando, na rua, as pessoas a paravam para elogiar a vitalidade apesar da idade avançada e o perfume gostoso que sentiam nela.
Tinha um rosto duro, quase repulsivo, de quem foi rejeitada pela vida. Era compreensível, já tivera muitas perdas: teve um irmão querido assassinado aos 21 anos, enviuvou aos 26 anos, a filha mais velha suicidou-se em depressão pós-parto aos 23, deixando para ela criar uma neta com 2 anos e um neto de 2 meses. Não teve vida fácil e, apesar de sentir a ação da morte em tenra idade, foi apaixonada pela vida e recusou-se a deixar de amar. Perdido o marido militar, com duas filhas para criar, sem pensão (direito que não existia no seu tempo de jovem), amou ainda duas vezes de verdade. E isto lhe valeu, pelo rigor dos conceitos de sexualidade daqueles tempos, a rejeição da família pelo preconceito. E, de quebra, mostrou um sentimento de rancor pelos homens que lhe conferiu uma atitude de defensora das mulheres, a quem passou a alertar quanto ao perigo do casamento que deveriam evitar, a todo custo, caso fossem inteligentes. Assim despertou em mim e em minhas irmãs o gosto pela independência.
Esteve sempre próxima de nós. Ela era quem comprava os tecidos para que minha mãe costurasse nossas roupas; ela fazia as compras de casa todos os dias, já que adorava ir à rua; ela nos visitava diariamente, sempre à mesma hora, e já chegava almoçada, embora ainda não fosse meio-dia.
Era extremamente simples, sem vaidades, tinha uma beleza própria, era muito atraente e muito, muito diferente das mulheres do seu tempo. Era forte e sem frescuras. Sabia matar galinha e era quem cuidava da carne, coisa que, por sua habilidade de cirurgiã (que só não foi por acaso), eu adorava ver e em que me inspirei na profissão bem mais tarde. Só ela dava injeções na família e, na maturidade, esta habilidade lhe serviu para justificar as saídas à noite quando ia namorar, viva que era.
Só mais tarde, na sua vida, passou a ganhar a merecida pensão militar e, desde então, exerceu, de fato, sua independência natural. Gastava seu dinheiro como queria, trocava de móveis freqüentemente em sua casa, comprando-os e exigindo que fossem levados imediatamente, pois só pagaria quando os recebesse. Nos dias de pagamento sempre nos trazia um saquinho de balas boneca. Esta é uma lembrança doce que trago dela.
E por ser quem era, tão fiel a si mesma, me serviu de exemplo. E o que mais admirei nela, a vida inteira, foi ser livre, tendo nada cobrado de ninguém. Tanto que minha parte também livre sempre quis ter uma mãe como minha querida avó.
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Conflito - por Raquel Aiuendi

Quanto mais penso, mais me distancio…
Há o que observar e condenar até.
Portanto há o que lutar e resistir
Bem como persistir.
Não sei como nem onde encontrá-lo
Mas luto por algo mais que minha incapacidade humana
Ascender em vão é atormentar a Deus.
Ascender em espírito e corpo é conflitivo.
As lutas só se esvaem quando não têm sentido real
As lutas se compensam quando desempenhadas altruisticamente
Minha capacidade humana
Não permite que seja mais, além:
Essa virtude reserva-se para as limitações
Que, na oposta, trago.
Pergunto-me se sou vã
Descubro que sim: embora não me leve
A um suicídio, me traz a morte.
Insatisfação do viver doativo, entregante.
Às, reis, rainhas...
Mãos apressadas, mentes ágeis (malabaristas)
E, tão bastante, comprometidas.
Com o quê?
Ora, porá (ou porás) tudo a perder
Tamanha ingenuidade que trazes,
Grande destato na vigente situação
É disso que corro, decorro e sobre isso discorro!
O Grande, que não Deus, me perdoe
Busco o pequeno dentro do labirinto
Cuja saída difícil existe.

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A Crise - por Alba Vieira

Lusco-fusco na lareira
Quase fria, apagada,
Sem tostão na algibeira
Vou seguindo minha estrada.

Já fui rico, quem diria,
E palácios freqüentei.
Hoje durmo na sarjeta
Sem contar com mais ninguém.

Esta vida é assim mesmo,
Quem espera, leva um não.
Sê feliz, conta contigo,
Todo resto é ilusão.

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Desespero - por Alba Vieira

Tudo está errado, tudo torto, tudo fora do lugar, fora de esquadro. Sinto-me submersa num mar de lama muito preta que me cobre o corpo deixando só a cabeça de fora, enquanto me esforço para mantê-la na superfície, tendo uma opressão no peito, um cansaço por evitar ficar totalmente submersa. Às vezes quase perco as forças, me entrego e deixo soterrar por esta lama negra tão mais densa e pesada que se mar fosse.
Tudo se movimenta no sentido inverso do que gostaria e preciso, tudo oprime. Cerro a mandíbula, mordo o nada, trinco os dentes, berro minha indignação num grito inaudível ao mundo. Estou triste, fechada, sem saída, presa, refém de uma realidade dura, incompreensível, cheia de incoerências, insanidades e dores desnecessárias. Convivo com a loucura, refém do objeto do meu amor e de todo o seu lastro, crias e erros.
Ainda trago vivas na memória as lembranças de um passado feliz, harmonioso, dominado pela ordem, regido por alguém equilibrado, organizado, lógico, coerente, racional. Sinto saudade de um tempo em que havia respeito por horários, sono, trabalho, estudo. Hoje, esbarro em semiloucos perdidos vagando desvairados em busca de um sentido para a própria existência infeliz.
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