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sábado, 30 de maio de 2009

Memórias de um Seminarista (Parte VII) - por Paulo Chinelate

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A PRIMEIRA GRANDE SEPARAÇÃO


A minha primeira noite separado dos meus pais não foi de todo ruim. Estava cansado e embora minha cama fizesse parte de outras dezenas em grande dormitório ainda vazio, dormi pesado. Meu cicerone, aluno do grupo dos maiores, deslocou-se para o terceiro andar dos maiores, acima do nosso. A graduação era feita por idade somada à colocação da turma ginasial que se pertencesse. Seríamos os juvenistas do admissão, quinta e sexta série. Os maiores eram quase todos da sétima e oitava séries. Todos juntos perfaríamos duzentos, aproximadamente.
Acordei no domingo muito cedo, escuro ainda, seis e trinta da manhã. Pediram-nos pressa para a missa das sete. Da fila de deslocamento fui convidado a ficar lá atrás, na capela, junto com papai e mamãe que já me aguardavam.
Minha atenção toda era para com a mamãe. Demonstrou neste primeiro contato uma satisfação incomum. Não sei se por me rever próximo dela ou se já se sentia mais confiante pela análise de leoa que aprova o novo ninho do filhote.
Assisti à missa. Comungamos. Fui tomar café com eles no refeitório dos hóspedes.
O acesso ao ambiente que agora eu me encontrava era vedado aos alunos do juvenato, exceção feita quando acompanhando familiares visitantes. Entre a capela e o refeitório para o café atravessamos um pátio quadrado, ajardinado, via-se que finamente tratado por mãos zelosas. Do lado direito, a leste, os quartos individuais de velhos religiosos que se recolhiam a asilo pela idade avançada. Do lado oeste, grande construção destinava-se aos postulantes e noviços. Os primeiros para o curso do primeiro ano científico. Os segundos, já com os votos de obediência e usando batinas, dedicavam os dois anos restantes aos estudos laicos e teológicos. Após isso mais um ano de estudos como escolásticos, somente dedicavam ao aprofundamento religioso. Completar-se-iam os outros dois votos: pobreza e castidade. Papai foi me repassando, como bom guia, as explicações que o próprio reitor lhe informara de véspera.
Gozamos juntos agradável manhã. Franquearam-nos todos os ambientes. O curral, pocilga, criatório de coelhos, apiário, o pomar... Ah! o pomar. Linda colina despontava por detrás do grande galinheiro. Um caminho sinuoso entre pés de laranjas, mexericas e jamelões, ainda carregados de remanescentes frutos de fim do outono, nos levava a uma linda capela em forma de gruta onde jazia a imagem de Nossa Senhora de Lourdes lá no cimo da elevação. Papai e mamãe - ele congregado mariano, ela ex-filha de Maria - aproveitaram para prece sentida pedindo que a santa procurasse guiar os passos do filho que ora soltava-se da ninhada.
Almoçamos juntos ainda desta vez. Logo após a refeição Irmão Zeno, o reitor, vem me informar que uma tarde esportiva estava sendo preparada para os alunos chegantes. Mostrei-me entusiasmado… verdadeiro ator mirim. Sabia que papai e mamãe em seguida partiriam de volta às Minas Gerais. O motivo que me trouxe ali, ser menos um às despesas lá de casa, surgiu à minha mente e não titubeei. Fiquei firme. Mostraria à mamãe a minha grande satisfação em estar estudando, mesmo que longe deles. Subi ao alojamento e me aparamentei de jogador. Tudo novinho, calção, camiseta e chuteiras com meiões que iam ao meio das coxas. Mostrava-me eufórico, vibrante. Despedi-me de papai e de mamãe que já não escondia as lágrimas. O reitor indicou-me a direção do campo. Teria que subir o morro detrás do grande galpão e seguir pela estrada que iria me levar ao ambiente dos esportes. E assim fui às carreiras.
Já alcançada a estrada apontada pelo superior, acima do telhado do galpão dos banheiros procurei uma brecha para ver, dentre o farto bambuzal, papai e mamãe que já se afastavam na charrete em direção à saída da fazenda. Em segundos perdi-os de vista. A pseudo-euforia não mais era necessária. Sentei-me no colchão de folhas secas. Escondido e sozinho de todos chorei copiosamente a minha primeira grande perda.



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Fuga - por Alba Vieira

Escotilha para o futuro, o “surto”
Quando minha mente vagueia solta
Para além do que, hoje, posso e sou,
Liberta-me da mesmice dos dias
E traz no desvario das atitudes
A fertilidade, a possibilidade, o impulso.

Já não me cabe o espartilho
Que imobiliza, nem a conveniência.
Melhor a verdade, o incômodo provocador
Daqueles que, a todo custo, sabem
Que ainda que pareça tarde,
Sempre existe uma saída, a demência.



Visitem Alba Vieira
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Maná da Seca - por Ana

Desciam os abutres das nuvens
Em voos rasantes sobre nós:
Fileira crua de retirantes,
Muitos passos, nenhuma voz.

Só há um caminho à frente
Indo sei lá pra onde,
Vindo de lugar nenhum,
Talvez onde a morte se esconde.

Da convivência com ela
Tanto tempo, sem descanso,
Estamos a arriscar
Aportar em outro canto.

O que buscamos não sei,
Acho que aqui ninguém sabe...
Tantos dias sem comer,
O pensar já não nos cabe.

Andamos para outro lugar
Buscando apenas distância
De momentos entristecidos
Que dizimaram a infância

De um vilarejo esquecido
Entre o vazio e o nada,
Formado por alguns casebres,
Sem vegetação ou estrada.

Por isto não foi difícil
Abandonar o abandono,
Seguir para outro destino
Dentro do mesmo longo sono.

Sono perpétuo sem sonhos,
Sono que nos leva alhures,
Sono enviado da morte
Para alimentar os abutres.
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João Cabral de Melo Neto in Morte e Vida Severina - Citado por Escrevinhadora

(...)
mas se responder não pude a pergunta
que fazia
ela, a vida a respondeu, com sua resposta viva
e não há melhor resposta do que o espetáculo
da vida
vê-la desfiar seu fio que também se chama vida
ver a fábrica que ela mesma, teimosamente se
fabrica
vê-la surgir como há pouco, em nova vida explodida
mesmo que seja pequena a explosão, como a ocorrida
mesmo que seja a explosão de uma vida Severina
(...)



Sequência de “João Cabral de Melo Neto in Morte e Vida Severina”, de Raquel Aiuendi.
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Carlos Drummond de Andrade, “O Mundo é Grande” - Citado por Raquel Aiuendi

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.
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