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Eróticos.)




domingo, 6 de fevereiro de 2011

Desenho - por Marília Abduani

Sou desenhada a giz como desenho meu filho.
Ele fica meio torto em meu desenho, apago e torno a desenhar, mas falta um braço.
Torno a apagar.
Tentarei desenhá-lo todos os dias até que o desenho fique bom, aí eu o passarei para o meu ventre, com tela e tudo, deixarei que ele durma até o instante em que cairá em meus braços, saltando por todos os meus poros.
Então, eu terei que desenhar o berço.
Nesse desenho ficarei anos até que consiga a projeção perfeita do que queria lhe dar.
Quando eu conseguir desenhá-lo inteiramente, meu filho, por certo, já estará crescido e não precisará mais dele.
Na tentativa de programar o berço, eu me esquecerei dos brinquedos, de levá-lo para conhecer as ruas, de lhe dar alimentos nas horas certas,.
Certamente, ele irá ficar fraquinho, carente, doente, quase irá morrer.
Será que ele perceberá que eu ao menos tentei?
Será que me perdoará por eu não ter acompanhado os seus passos?
Minhas pernas estavam pregadas em um mundo que nem lhe mostrei, nem consegui lhe dar.
Ele irá me perdoar por ter ficado tão só, rondando sem lamentos pela casa vazia?
Quando me perguntar pelo pai e eu lhe disser que ele é apenas um retrato, um sonho que eu criei na solidão?
A solidão dói muito, dói queimável, dói sofrível...
Então, ele voltará para os meus braços, frágil que nem criança, e me pedirá que eu lhe ensine a arte do desenho.
E ele também inventará um filho e compreenderá a minha fonte de desejos.
Entenderá sozinho o berço que não teve, a rua que não conheceu, o alimento que não digeriu e a morte que quase o levou de mim.
Pedirá que eu lhe ensine, para que ele possa ensinar, as canções de ninar que não ouviu de minha boca.
Pedirá que eu lhe ensine o abraço, o beijo, e eu o desenharei, mais uma vez, como homem feito ante os braços pequenos de um menino.
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