Desperta ofegante, com um gosto bom de beijo na boca, a pele aveludada, a cabeça nas nuvens, o corpo leve, renovado, com uma umidade doce no sexo, que a encanta e desconcerta.
Ao seu lado, dorme ainda a mulher, aconchegada entre as cobertas com o rosto calmo e a respiração tranquila, sua face emoldurada pelos cabelos curtos.
Senta-se com um sorriso nos lábios ainda molhados, o coração galopando e surpresa, recorda-se do sonho que tivera aquela noite. “Nele, era outra que estava com ela, que a olhava com os olhos penetrantes, puxando-a com doçura para si, envolvendo todo o seu corpo num abraço que a fazia estremecer. Sentia seu perfume, o toque das suas mãos ávidas procurando relembrar suas curvas, o seu calor a acordando de um sono profundo, inundando-a de um carinho que jamais esquecera. Foi tomada de um sentimento tão absoluto que soltou suas amarras e navegou no seu corpo, receptiva, experimentando novamente o mesmo amor que tinham vivido antes, se encharcando de doçura, com um prazer extasiante.”
Um prazer que ficou com ela. Seus dias eram felizes. Ela vivia um relacionamento estável com alguém de Terra e com uma Lua em Aquário que sendo generosa, toda meiguice e espontaneidade, guardava entretanto seu coração, que ainda inseguro do amor que lhe devotava, mesmo após tantos anos juntas, não se permitia uma entrega total.
Seu primeiro e grande amor, no fundo ela sabia que era a outra e que, soterrada no fundo de sua alma, havia ainda a esperança de tê-la novamente. Não era possível aceitar que um amor daquele, tivesse terminado sem explicação, que ela amasse outra pessoa e tivesse reconstruído a sua vida.
Não, ela sentia que ainda era seu e só seu o coração dela. E num cotidiano esquizofrênico, ela se dividia entre o amor que sentia e vivia na realidade daquele momento com a mulher amiga, carinhosa, descomplicada que estava com ela e o amor primeiro, vivido somente no íntimo, em segredo, pela mulher de longos cabelos, profunda, enigmática, com quem conversava em pensamentos e enviava sentimentos ardentes olhando o céu, mirando as estrelas e a lua cheia, ouvindo as suas músicas que, diariamente, insistiam em chegar aos seus ouvidos para que jamais a esquecesse.
Aceitava esta realidade que para ela era absolutamente normal, porque de fato, amava as duas pessoas, cada uma delas de uma forma, num universo diferente, as duas habitando o seu ser, inspirando-a e fazendo feliz.
Levantou-se então da cama, ainda imersa naquele universo paralelo, vibrante e apaziguada, trazendo aquela vivência só dela.
No banho, enquanto a água quente escorria pelas suas costas, relembrava cada instante, ainda incrédula, porque lhe parecia ter sido tudo tão real, como se a outra tivesse estado ali mesmo e houvessem se amado profundamente. Ela ainda podia sentir as impressões dos seus carinhos em sua pele, seu perfume no seu corpo, inconfundível, misto de presença e abandono, despedida e recordação.
Enfim, enquanto ensaboava as pernas, seus dedos trouxeram até seus olhos atônitos, neles enrolado, um fio de cabelo longo, um cabelo da outra, sem dúvida alguma, fininho e castanho-claro, testemunhando de forma inequívoca, a sua visita.
E, da mesma maneira como narrado no mito de Coleridge, ela se fazia a mesma pergunta.
“E se você dormisse, tivesse um sonho durante o sono, e nesse sonho você fosse ao céu, colhendo lá uma flor bonita e exótica e, depois, ao acordar, visse que a flor estava em sua mão? O que faria?”
O que faria agora?
E você, leitor, como agiria numa situação desta?
Visitem Alba Vieira
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4 comentários:
Nem sei, Alba... Acho que iria direto me internar! rsrsrs
Ainda bem que é mito...
Beijos.
Ana,
Mas que me contaram que isto de fato aconteceu, contaram. Beijo.
Aí né mole não...
Eu me internava na hora! rsrs
Beijo!
Reino dos sonhos
O sono procura-me
Como Ulisses buscava Ítaca.
Consegui sentir um décimo
Que Dante sentiu
Ao reencontrar Virgilio,
E ver que seu poeta mestre
Não estava no céu, ou no inferno,
E sim no lugar da poesia.
O lugar nenhum.
O mal necessário.
Não sabemos o porquê.
A pena só descreve o nirvana
Manifestado em um sono profundo.
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