Fininho era um maconheiro meio amalucado, porém inofensivo. Típico hippie de meados dos anos 70, sabe cumé? Muito cabelo, muitos ideais, pouco dinheiro e pouco banho. Não era vagabundo (só muito dorminhoco, sabe-se se lá se por sua natureza ou por efeito do fumo). Trabalhava num lava-rápido. Emprego ruim, salário pior ainda, mas dava pra viver e garantia carteira assinada. Não tinha muitos gastos. O pai morrera quando ele era criança e desde então vivia com a mãe numa casa simples, num bairro afastado. Dava parte do que ganhava pra mãe, pra ajudar nas despesas. O que sobrava era mais do que suficiente pra ele. Sua vida inteira era um marasmo. Sua vida financeira um marasmo, sua vida amorosa um marasmo, sua vida intelectual um marasmo. Não tinha dívidas, também não tinha economias. Não tinha namorada (magrelo, como indicava o apelido, branquelo, de inteligência curta e duro, onde ia arrumar namorada?). No geral detestava ler, só se interessava por leitura se o assunto fosse extraterrestres ou disco-voadores. Sua única diversão era a erva e com ela gastava quase todo o dinheiro que lhe sobrava. Só não fumava no horário de trabalho. Tinha medo de perder o emprego e ficar sem dinheiro para o seu sagrado bagulho. Quando ouviu falar no tal do festival de rock Fininho ficou alucinado. Pensou logo em alguma coisa tipo Woodstock, todo mundo peladão num clima de paz e amor. Correu comprar os ingressos (caros pra diabo, mas fazer o quê? Era um festival de rock, ele tinha que ir). Não pediu licença ao patrão pra faltar ao trabalho. Simplesmente resolveu ir e depois veria o que fazer. Enfiou-se num ônibus noturno e viajou horas a fio com a mochila nas costas. Durante a viagem, comeu biscoitos murchos que comprou numa parada. Numa outra parada, tomou água da torneira do banheiro. No meio da madrugada o ônibus o despejou na rodoviária de uma cidadezinha perdida no interior (aquilo não era bem uma rodoviária, apenas uma guia rebaixada onde o ônibus encostava e um cubículo escuro que servia de guichê). E o festival não era bem no centro da cidade. Era longe, muito longe e àquela hora não havia ninguém pra indicar o caminho. Fininho resolveu esperar o dia amanhecer e enquanto isso, aproveitou pra dormir mais um pouco, a mochila servindo de travesseiro. Ao amanhecer acordou e viu à sua volta mais uma meia dúzia de cabeludos que também dormiram por ali.
Pelas roupas e pelos cabelos, era evidente que também iam ao festival. Seguiram juntos. Pedindo carona, que só conseguiram de um sitiante com uma camionete velha, que exigiu que eles fossem na parte de trás, amontoados entre sacos de milho e engradados de galinha. A partir de um trecho da estrada o homem (um caipira muito desconfiado) os mandou descer dizendo que seu caminho não passava pela porta da fazenda onde acontecia o festival. Tiveram que seguir a pé, por uma estradinha barrenta e estreita. Durante a caminhada Fininho estava doido pra acender um baseado, mas se aguentou. Um pouco porque era muito tímido pra fumar na frente de estranhos e outro tanto por avareza mesmo. Tinha medo de mostrar quanto fumo estava levando e ter que dividir com seus acompanhantes. Chegaram à fazenda já no meio do dia, mortos de fome e cansaço.
Fininho logo foi fazer o reconhecimento da área. A fazenda era enorme, com muitas árvores, muito mato, muitos recantos onde alguém podia se esconder pra fumar sossegado. Não havia os peladões que ele esperava encontrar (a chuva da semana inteira tinha feito a temperatura despencar e quase todos usavam o mesmo uniforme: calças e jaquetas jeans). Os banheiros eram um completo desastre (um mistura fétida de urina e vômito emporcalhavam o chão). Mas o palco era uma beleza, grande, bem montado, equipado com uma aparelhagem de som da pesada. Fininho concluiu que os shows seriam muito bons e achou melhor descansar um pouco, pra aguentar o agito da noite.
Procurou um local afastado e deserto, curtiu seu fuminho, depois dirigiu-se para o espaço onde a moçada tinha montado acampamento. Recostou-se na sombra de uma barraca e dormiu por algumas horas. Quando acordou, viu pela primeira vez as três, paradas à porta da barraca. Duas morenas, uma delas com cara de brava e a terceira, bem loirinha. Cabelos longos e lisos, rosto fino, traços delicados, cara de santa. Fininho encantou-se pela moça assim que a viu. Ficou parado, olhando pra ela embasbacado, desejando se aproximar, falar com ela, ouvir-lhe a voz. Só desviou os olhos quando a morena de cara de brava deu-lhe uma encarada. Mas mesmo assim, continuou por ali, disfarçadamente admirando a moça. E quase não se afastou mais. Sumia de vez em quando pra fumar seu baseado, tomava um banho na cachoeira, ia assistir ao show, mas sempre voltava pra dormir. Começou dormindo na sombra da barraca mas depois, vendo que as moças estavam sozinhas, passou a dormir na porta mesmo, como que montando guarda. Não entendia muito bem o que aquelas três faziam ali. Estava na cara que não tinham nada a ver com aquele ambiente. E se arvorou meio que em anjo da guarda das moças (em especial da carinha de santa, por quem estava obviamente apaixonado).
Tanto zanzou por ali que acabou atraindo a atenção da moça. Trocaram algumas palavras. Ela lhe deu uma fruta, que Fininho aceitou prontamente (não estava em condições de recusar comida). Sentiu-se muito pobre e um pouco envergonhado por não ter nada para oferecer a ela. E foi ficando por perto, feliz apenas por conversar um pouco com a moça. Ficou sabendo que as três eram amigas de colégio e tinham ido atraídas unicamente pela música. As duas morenas eram irmãs. A de cara de brava era a mais velha e dona do fusquinha que as levou ao festival. A outra, mais nova, andava meio enrabichada com um sujeito fortão, de barba escura (com quem desaparecia no meio da tarde). A santinha era doida por rock e especialmente apaixonada por um astro pop americano que, obviamente, não ia aparecer pra tocar naquele fim de mundo.
E assim o tempo passou e chegou o último dia de festival. Perdido entre sentimentos contraditórios, alegria por ter curtido aqueles dias, a tristeza de saber que era o fim, Fininho fumou feito louco, até de madrugada. Depois, deitou-se na porta da barraca e dormiu. Dormiu e dormiu. Sonhou que alguém o chamava aos berros, que o sacudiam. Sonhou que acordava, entrava na barraca e ia dormir junto da moça. E acordou de susto, com a barraca despencando-lhe em cima, uma haste do ferro da armação acertando-o bem no meio da testa (na verdade, no meio de seu sono profundo, tinha mesmo entrado na barraca, as moças tinham feito de tudo pra acordá-lo e não conseguindo, resolveram desmontar a barraca mesmo com ele dentro).
Ao ver que aquele era o momento da separação, Fininho entrou em desespero. Queria dizer algo para a moça, não sabia exatamente o quê. De repente, lembrou-se de um poema que arrancara certa vez de um livro e que andava sempre dentro de sua mochila. Um pedaço de papel amassado com um poema de amor que dizia mais ou menos isso: “quando você não estiver mais perto de mim, nenhum fiapo de vida me restará para viver”.
Desajeitado, sem saber falar sobre a tristeza que estava sentindo, Fininho enfiou o pedaço de papel na mão da moça e se afastou rapidamente, sem coragem de ficar para vê-la partir.
Mas depois que as moças foram embora, Fininho arrependeu-se de sua covardia. Então, procurou pela fazenda inteira o fortão com que a morena mais nova saía. Encontrou-o e conseguiu arrancar dele (em troca de uma boa porção de erva), o endereço das moças.
Fininho voltou pra cidade. Retornou ao trabalho onde o patrão furioso nem quis ouvir explicações. Simplesmente o despediu (pelo menos foi generoso, pagou-lhe uma boa indenização).
Desempregado, mas com dinheiro no bolso, Fininho fez a barba, cortou os cabelos, arrumou-se todo e foi à procura da moça (o endereço não era difícil e Fininho conhecia bem a cidade inteira).
A rua ficava num bairro de classe média. A casa era muito ajeitada, um portão largo e guia rebaixada indicando a existência de um carro. Fininho ficou circulando na rua, sem saber o que fazer. O que diria para a moça? Falaria de seu amor repentino? E o que poderia oferecer a ela? Nem mesmo seu emprego no lava-rápido possuía mais...O tempo foi passando e Fininho desanimando.
Já fazia horas que Fininho dava voltas pela rua, quando a moça passou por ele, mas nem sequer o viu. Era o fim de suas esperanças.
Fininho deixou-se ficar perambulando pela rua e quando anoiteceu, aproveitando-se da escuridão, deixou pichado no muro em frente à casa o que julgava ser um recado.
Depois, foi a uma boca de fumo que conhecia, onde gastou quase toda a indenização em maconha. Daquela vez, só daquela vez, pra dar um realce (como se diz no jargão dos usuários) comprou também uma trouxinha de pó.
Tomou um trem e rumou para o subúrbio, onde enfiou-se no banheiro imundo de uma estação ferroviária para curtir sua desilusão.
Na manhã seguinte, quando a moça abriu a porta de casa, teve um susto de quase desmaiar. No muro em frente, em letras garrafais, a pichação dizia FININHO TE AMA.
Naquele mesmo instante, do outro lado da cidade, o corpo de Fininho dava entrada no IML, morto por overdose, numa parada sinistra na periferia.
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Pelas roupas e pelos cabelos, era evidente que também iam ao festival. Seguiram juntos. Pedindo carona, que só conseguiram de um sitiante com uma camionete velha, que exigiu que eles fossem na parte de trás, amontoados entre sacos de milho e engradados de galinha. A partir de um trecho da estrada o homem (um caipira muito desconfiado) os mandou descer dizendo que seu caminho não passava pela porta da fazenda onde acontecia o festival. Tiveram que seguir a pé, por uma estradinha barrenta e estreita. Durante a caminhada Fininho estava doido pra acender um baseado, mas se aguentou. Um pouco porque era muito tímido pra fumar na frente de estranhos e outro tanto por avareza mesmo. Tinha medo de mostrar quanto fumo estava levando e ter que dividir com seus acompanhantes. Chegaram à fazenda já no meio do dia, mortos de fome e cansaço.
Fininho logo foi fazer o reconhecimento da área. A fazenda era enorme, com muitas árvores, muito mato, muitos recantos onde alguém podia se esconder pra fumar sossegado. Não havia os peladões que ele esperava encontrar (a chuva da semana inteira tinha feito a temperatura despencar e quase todos usavam o mesmo uniforme: calças e jaquetas jeans). Os banheiros eram um completo desastre (um mistura fétida de urina e vômito emporcalhavam o chão). Mas o palco era uma beleza, grande, bem montado, equipado com uma aparelhagem de som da pesada. Fininho concluiu que os shows seriam muito bons e achou melhor descansar um pouco, pra aguentar o agito da noite.
Procurou um local afastado e deserto, curtiu seu fuminho, depois dirigiu-se para o espaço onde a moçada tinha montado acampamento. Recostou-se na sombra de uma barraca e dormiu por algumas horas. Quando acordou, viu pela primeira vez as três, paradas à porta da barraca. Duas morenas, uma delas com cara de brava e a terceira, bem loirinha. Cabelos longos e lisos, rosto fino, traços delicados, cara de santa. Fininho encantou-se pela moça assim que a viu. Ficou parado, olhando pra ela embasbacado, desejando se aproximar, falar com ela, ouvir-lhe a voz. Só desviou os olhos quando a morena de cara de brava deu-lhe uma encarada. Mas mesmo assim, continuou por ali, disfarçadamente admirando a moça. E quase não se afastou mais. Sumia de vez em quando pra fumar seu baseado, tomava um banho na cachoeira, ia assistir ao show, mas sempre voltava pra dormir. Começou dormindo na sombra da barraca mas depois, vendo que as moças estavam sozinhas, passou a dormir na porta mesmo, como que montando guarda. Não entendia muito bem o que aquelas três faziam ali. Estava na cara que não tinham nada a ver com aquele ambiente. E se arvorou meio que em anjo da guarda das moças (em especial da carinha de santa, por quem estava obviamente apaixonado).
Tanto zanzou por ali que acabou atraindo a atenção da moça. Trocaram algumas palavras. Ela lhe deu uma fruta, que Fininho aceitou prontamente (não estava em condições de recusar comida). Sentiu-se muito pobre e um pouco envergonhado por não ter nada para oferecer a ela. E foi ficando por perto, feliz apenas por conversar um pouco com a moça. Ficou sabendo que as três eram amigas de colégio e tinham ido atraídas unicamente pela música. As duas morenas eram irmãs. A de cara de brava era a mais velha e dona do fusquinha que as levou ao festival. A outra, mais nova, andava meio enrabichada com um sujeito fortão, de barba escura (com quem desaparecia no meio da tarde). A santinha era doida por rock e especialmente apaixonada por um astro pop americano que, obviamente, não ia aparecer pra tocar naquele fim de mundo.
E assim o tempo passou e chegou o último dia de festival. Perdido entre sentimentos contraditórios, alegria por ter curtido aqueles dias, a tristeza de saber que era o fim, Fininho fumou feito louco, até de madrugada. Depois, deitou-se na porta da barraca e dormiu. Dormiu e dormiu. Sonhou que alguém o chamava aos berros, que o sacudiam. Sonhou que acordava, entrava na barraca e ia dormir junto da moça. E acordou de susto, com a barraca despencando-lhe em cima, uma haste do ferro da armação acertando-o bem no meio da testa (na verdade, no meio de seu sono profundo, tinha mesmo entrado na barraca, as moças tinham feito de tudo pra acordá-lo e não conseguindo, resolveram desmontar a barraca mesmo com ele dentro).
Ao ver que aquele era o momento da separação, Fininho entrou em desespero. Queria dizer algo para a moça, não sabia exatamente o quê. De repente, lembrou-se de um poema que arrancara certa vez de um livro e que andava sempre dentro de sua mochila. Um pedaço de papel amassado com um poema de amor que dizia mais ou menos isso: “quando você não estiver mais perto de mim, nenhum fiapo de vida me restará para viver”.
Desajeitado, sem saber falar sobre a tristeza que estava sentindo, Fininho enfiou o pedaço de papel na mão da moça e se afastou rapidamente, sem coragem de ficar para vê-la partir.
Mas depois que as moças foram embora, Fininho arrependeu-se de sua covardia. Então, procurou pela fazenda inteira o fortão com que a morena mais nova saía. Encontrou-o e conseguiu arrancar dele (em troca de uma boa porção de erva), o endereço das moças.
Fininho voltou pra cidade. Retornou ao trabalho onde o patrão furioso nem quis ouvir explicações. Simplesmente o despediu (pelo menos foi generoso, pagou-lhe uma boa indenização).
Desempregado, mas com dinheiro no bolso, Fininho fez a barba, cortou os cabelos, arrumou-se todo e foi à procura da moça (o endereço não era difícil e Fininho conhecia bem a cidade inteira).
A rua ficava num bairro de classe média. A casa era muito ajeitada, um portão largo e guia rebaixada indicando a existência de um carro. Fininho ficou circulando na rua, sem saber o que fazer. O que diria para a moça? Falaria de seu amor repentino? E o que poderia oferecer a ela? Nem mesmo seu emprego no lava-rápido possuía mais...O tempo foi passando e Fininho desanimando.
Já fazia horas que Fininho dava voltas pela rua, quando a moça passou por ele, mas nem sequer o viu. Era o fim de suas esperanças.
Fininho deixou-se ficar perambulando pela rua e quando anoiteceu, aproveitando-se da escuridão, deixou pichado no muro em frente à casa o que julgava ser um recado.
Depois, foi a uma boca de fumo que conhecia, onde gastou quase toda a indenização em maconha. Daquela vez, só daquela vez, pra dar um realce (como se diz no jargão dos usuários) comprou também uma trouxinha de pó.
Tomou um trem e rumou para o subúrbio, onde enfiou-se no banheiro imundo de uma estação ferroviária para curtir sua desilusão.
Na manhã seguinte, quando a moça abriu a porta de casa, teve um susto de quase desmaiar. No muro em frente, em letras garrafais, a pichação dizia FININHO TE AMA.
Naquele mesmo instante, do outro lado da cidade, o corpo de Fininho dava entrada no IML, morto por overdose, numa parada sinistra na periferia.
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