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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Memórias de um Seminarista (Parte II) - por Paulo Chinelate

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A VISITA DO PADRE


Cheguei em casa, felizmente, sem nenhuma tocaia da parte dos “unhas-sujas”. Estou almoçando mas não disse nada à mamãe sobre a visita do “padre”. Foi marcada para a noite quando eles, papai e mamãe, estivessem juntos. Até lá darei um jeito de avisá-los. Puxa vida! E não é que tive mesmo a coragem de me candidatar a ser padre? Onde será o seminário? Nunca vi padre com aquele crucifixo pendurado no peito, só o bispo, pelo menos não na nossa paróquia.
Acabei de entregar o almoço do papai. Enquanto ele degusta a bóia simples que mamãe tão amorosamente preparou, fico a tirar uns alinhavos de prova em um paletó de tergal inglês; especialmente neste tecido o cuidado deveria ser maior. Tecido caro. Não posso ir enfiando a apontada tesourinha. Prejuízo seria enorme. E para ser redundante, um olho no terno e outro no padre, digo, no papai.
Acabada a frugal refeição, é costume de papai receber na singela alfaiataria, na hora do quilo, descanso do almoço, um que outro colega de ofício dos tantos que há na 7 de Setembro. Jogam umas duas mãos de “damas” do que costumam chamar “o clube dos paturebas”.
E eu de olho no pad… digo papai. Arre, essa palavra “padre” não me sai da cabeça.
Ufa! Finalmente, a sós. Arrisco, que não sou de meias palavras, indo diretamente ao assunto. Justamente na hora que papai ia se sentar à máquina de costura, esticando a mão ao velho aparelho procurando a Rádio Aparecida de quem era velho devoto, arrisco dizendo: “pai quero ser padre”.
Sob o ruído da rádio que não chegara a ser sintonizada mira-me estático com o olhar arregalado, surpreso. Por uns segundos senti o chão faltar sob o tamborete onde me quedava sentado. Em seguida abriu-me o mais largo sorriso que jamais havia visto naquela face amorenada. No segundo seguinte pude traduzir, item que eu esquecera, que do “congregado mariano” e “sacristão” não poderia proceder senão com a reação que agora presencio. E admirado pela novidade, já sentado, rádio chiando no alto da prateleira, recebe o resto do pacote, pronto, completo: “Um padre vai lá em casa hoje pra conversar com o senhor”. Assim, na tampa. E seja o que Deus quiser. E quis. Tanto que, voz embargada pela emoção cobra-me de onde tirara tal idéia e que estória era essa de padre lá em casa. Explicações todas dadas.
Não preciso dizer que as horas estão passando muito lentamente. Da tal visita tenho prenhes fantasias, miragens do que seria minha vida doravante. Isto é, claro, se houvesse da parte dos “velhos” o aprove necessário.

Nesta noite não tem pescaria*. O sopão cheiroso, no capricho, denota a visita ser importante. Lá pelas tantas, aparece o religioso. Feitas as apresentações, ainda na varanda, aborda-se diretamente o assunto. Ao meu lado a pancada dos seis irmãos, o outro, o sétimo, nos braços da mamãe. Olhos arregalados, curiosos, não entendendo o que poderia proceder de tão diferente visitante. Ditos os preâmbulos e conduzida logo ao ambiente familiar da cozinha, já sentados à grande mesa, papai vai se inteirando de todos os detalhes. Eu todo atenção a todas as perguntas e mais ainda às respostas. Uma delas me chamou mais a atenção: a necessidade de um enxoval. Ué! Enxoval? Não vou me casar como a tia Rosa no mês passado!?


*Referência a Relembranças, de Paulo Chinelate.
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Um comentário:

Ana disse...

Legal, Paulo!
Estou adorando acompanhar suas memórias!