Seis horas da manhã. Segunda-feira. Acorda, filha! Está na hora da escola. Anda. Levanta. Mamãe vai se atrasar. Hoje o dia vai ser horrível! Não me atrase, por favor, diz a mãe em súplica quase. Aí, meio atônita, olhinhos inchados, meio apagadinhos, a gordinha fica sentada na cama tentando se apoiar nas cobertas, travesseiro na mão. Nenhum bom dia. Beijo e abraço, então, nem se fala! Hoje é segunda-feira. Arrasta-se até o banheiro, nem se olha no espelho. Corre pra fazer xixi. Boceja cheia de sono. Dos sonhos, não se lembra. Foi cortada, logo cedo. A mãe grita do lado de fora: Anda, menina! Troque logo o uniforme! Daqui a pouco volta ela trôpega. A mãe, feito barata tonta, movimenta-se pela casa recolhendo as mochilas, jogando as roupas usadas na máquina; bebendo leite desnatado em goles rápidos, não sente o sabor do que bebe. Não sossega. Na cabeça, o dia que vai ter se desenrola apressado. A garota não consegue, na mesa, tomar o café da manhã, tenta engolir mas não desce, seu pequeno estômago ainda não acordou. Aquela que se diz mãe, desabalada pela casa, escreve bilhete para a empregada, atende à ligação matutina da mãe dela que se preocupa com seu ritmo acelerado, olha na mesa da sala as contas que o marido, ao sair, esqueceu, e xinga porque então pagarão multa, recolhe seus papéis numa pasta transparente que agarra debaixo dos braços e impede que abrace a filha, coitadinha, que é subitamente retirada do transe em frente à xícara do café com leite pela buzina insistente do ônibus escolar àquela hora da manhã. As duas, mãe e filha, mal se olham nesta corrida desabalada para iniciar um novo dia de uma nova semana que vai correr assim, sem significado, por muito tempo ainda.
Outra casa, outra menina dorme relaxada. Na cozinha, radinho de pilha tocando baixinho, a mulher se movimenta devagar. Já está acordada há um tempo, já olhou no espelho e ajeitou o cabelo, enquanto sonhava ou se lembrava do sonho que teve hoje. O rosto, já lavado, com o perfume de rosas do seu sabonete favorito. No fogão a água já está fervendo e, delicadamente, é derramada por ela sobre as encostas de pó de café que deslizam pelo coador enquanto exalam aquele cheiro gostoso que enche a casa e chega até o quarto da menina, talvez virginiana, que abre os olhinhos e sorri animada enquanto se espreguiça, solta um gritinho e se levanta, feliz. Na cozinha se encontram mãe e filha, se abraçam, se olham, falam pouco, não há muito que falar, as atitudes são plenas de significados. Tomam juntas o café, o pai já saiu mais cedo, foi levado à porta pela esposa que se despediu com um abraço e um beijo demorado de quem vai sentir saudade pelo resto do dia. A escola é só mais tarde. Na mesa, a menina brinca fazendo bichinhos com o farelo do pão comprado um pouco antes na padaria. Falam sobre o dia na escola, sobre os colegas, os medos, as provas, os professores; a mãe conta como era no seu tempo e promete fazer uma comida especial para o almoço. Elas comem com prazer, saboreando tudo; estão ali, somente ali, o futuro ainda não chegou. Tomam café. A menina então toma banho, até ensaia uma música debaixo da água do chuveiro, a sua roupinha espera por ela no cabide do banheiro, veste-se devagar, chama a mãe para pentear seus cabelos e, no espelho, coloca os enfeitezinhos preferidos na cabeça. Saem juntas, mãos dadas, às vezes se solta e corre livre, olhada de perto pela mãe que vai atrás, rumo à escola. Pegam sol, vêem pessoas, conversam enquanto caminham. No pátio se despedem com beijos e sorrisos. Logo estarão outra vez juntas para celebrar esta coisa especial que pode ser a vida.
Nossa vida é feita de escolhas que a todo momento somos chamados a fazer. São duas história diferentes de pessoas parecidas. As meninas estudam no mesmo colégio, as casas ficam em bairros próximos. Mas os destinos são tão diversos em função de opções tão diferentes. Lá na frente veremos que ambas as mães chegarão ao mesmo lugar quase. Tanta diferença na qualidade dos dias não significará nada em termos de progresso material e, em termos concretos, as expectativas dos filhos serão as mesmas para as duas famílias, só que a qualidade da vida sacrificada da mãe executiva em função da esperada conquista do poder pessoal é ruim. Sua filha será emocionalmente defasada, de nada adiantarão os bens que conseguiu adquirir para ela, as melhores escolas não a capacitarão para ter um destino mais feliz: ela não se sentiu amparada, estimulada, seu coração não pôde estar pleno do amor materno. Nem a mãe, na corrida incessante, pôde manifestar o poder pessoal, pois ele se faz sentir de forma mais fácil quando se realiza o que se quer, quando se escolhe, movido pela própria percepção do desejo, pela motivação maior. A mãe que entendeu o seu papel de harmonizar o lar, orientar os filhos, cuidar daqueles que ama, exerceu seu poder pessoal e esteve preparada para, mais tarde, desenvolver sua vida profissional alicerçada pelo conforto emocional de quem faz o que é preciso, que traz beleza e significado para tudo com que se envolve.
Ser mãe, esposa, dona de casa pode ser tão gratificante, especial e importante quanto ter uma carreira. Mas se você é capaz de trabalhar fora de casa, vivendo todos os dias o seu momento presente com envolvimento total com as pessoas e com o que faz, sem sofrer a atração fatal das expectativas do futuro ou as amarras das teias do passado, poderá ser igualmente feliz. O que faz a diferença não é o que se faz, mas como se faz, e se isto corresponde ao seu real desejo e não à expectativa dos outros.
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Outra casa, outra menina dorme relaxada. Na cozinha, radinho de pilha tocando baixinho, a mulher se movimenta devagar. Já está acordada há um tempo, já olhou no espelho e ajeitou o cabelo, enquanto sonhava ou se lembrava do sonho que teve hoje. O rosto, já lavado, com o perfume de rosas do seu sabonete favorito. No fogão a água já está fervendo e, delicadamente, é derramada por ela sobre as encostas de pó de café que deslizam pelo coador enquanto exalam aquele cheiro gostoso que enche a casa e chega até o quarto da menina, talvez virginiana, que abre os olhinhos e sorri animada enquanto se espreguiça, solta um gritinho e se levanta, feliz. Na cozinha se encontram mãe e filha, se abraçam, se olham, falam pouco, não há muito que falar, as atitudes são plenas de significados. Tomam juntas o café, o pai já saiu mais cedo, foi levado à porta pela esposa que se despediu com um abraço e um beijo demorado de quem vai sentir saudade pelo resto do dia. A escola é só mais tarde. Na mesa, a menina brinca fazendo bichinhos com o farelo do pão comprado um pouco antes na padaria. Falam sobre o dia na escola, sobre os colegas, os medos, as provas, os professores; a mãe conta como era no seu tempo e promete fazer uma comida especial para o almoço. Elas comem com prazer, saboreando tudo; estão ali, somente ali, o futuro ainda não chegou. Tomam café. A menina então toma banho, até ensaia uma música debaixo da água do chuveiro, a sua roupinha espera por ela no cabide do banheiro, veste-se devagar, chama a mãe para pentear seus cabelos e, no espelho, coloca os enfeitezinhos preferidos na cabeça. Saem juntas, mãos dadas, às vezes se solta e corre livre, olhada de perto pela mãe que vai atrás, rumo à escola. Pegam sol, vêem pessoas, conversam enquanto caminham. No pátio se despedem com beijos e sorrisos. Logo estarão outra vez juntas para celebrar esta coisa especial que pode ser a vida.
Nossa vida é feita de escolhas que a todo momento somos chamados a fazer. São duas história diferentes de pessoas parecidas. As meninas estudam no mesmo colégio, as casas ficam em bairros próximos. Mas os destinos são tão diversos em função de opções tão diferentes. Lá na frente veremos que ambas as mães chegarão ao mesmo lugar quase. Tanta diferença na qualidade dos dias não significará nada em termos de progresso material e, em termos concretos, as expectativas dos filhos serão as mesmas para as duas famílias, só que a qualidade da vida sacrificada da mãe executiva em função da esperada conquista do poder pessoal é ruim. Sua filha será emocionalmente defasada, de nada adiantarão os bens que conseguiu adquirir para ela, as melhores escolas não a capacitarão para ter um destino mais feliz: ela não se sentiu amparada, estimulada, seu coração não pôde estar pleno do amor materno. Nem a mãe, na corrida incessante, pôde manifestar o poder pessoal, pois ele se faz sentir de forma mais fácil quando se realiza o que se quer, quando se escolhe, movido pela própria percepção do desejo, pela motivação maior. A mãe que entendeu o seu papel de harmonizar o lar, orientar os filhos, cuidar daqueles que ama, exerceu seu poder pessoal e esteve preparada para, mais tarde, desenvolver sua vida profissional alicerçada pelo conforto emocional de quem faz o que é preciso, que traz beleza e significado para tudo com que se envolve.
Ser mãe, esposa, dona de casa pode ser tão gratificante, especial e importante quanto ter uma carreira. Mas se você é capaz de trabalhar fora de casa, vivendo todos os dias o seu momento presente com envolvimento total com as pessoas e com o que faz, sem sofrer a atração fatal das expectativas do futuro ou as amarras das teias do passado, poderá ser igualmente feliz. O que faz a diferença não é o que se faz, mas como se faz, e se isto corresponde ao seu real desejo e não à expectativa dos outros.
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2 comentários:
Comentário por Ana — 1 janeiro 2009 @ 12:48
Adorei este texto! Dá até peninha da primeira menina…
Li de novo!
Muito bom!
Parabéns!
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