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sábado, 31 de outubro de 2009

Sorte - por Cacá

Se me perguntarem como tudo começou eu não saberia explicar. Mas a gente costuma associar esse negócio de sorte, num primeiro estalo a dinheiro. Pode ser por causa da etimologia que a explica como sinônimo de fortuna; a associação ficou sendo direta. Mas a fortuna que é aquela contrária do infortúnio, que seria o azar. Se fico afirmando isso é porque não sei e desconfio de muita coisa tentando aprender. Vou questionando para ver se tenho a sorte de descobrir as coisas. Na ciência não é um pouco assim. De tanto a curiosidade ser posta à prova, o cara acaba encontrando algo. Pode ser até mesmo algo que ele não procurava. Mas se a coisa se transforma num achado, olha ele ficando famoso e ganhando um prêmio. E isso é sorte premiando pesquisa e determinação. O que eu não acredito é naquela história do cavalo arreado passar na porta da gente. Não para quem está lá dentro sentado. Aí, o cara nem vê e perde a garupa.

Quer ver? Eu conheci o Jean, ele tinha pouco mais de vinte e dois anos. Já tinha vivido, segundo ele mesmo, o equivalente a uns quarenta. Coisas que só muito dinheiro consegue fazer: multiplicar o tempo. Acelerar e desacelerar de acordo com a vontade do possuidor. Ir até onde quiser; voltar, parar, fazer andar novamente e nisso tudo não se passarem sequer dois anos de uma existência. Jean era garimpeiro lá pelas bandas do Norte de Minas, onde se bamburra* ou se vive da sieba**. O meio-termo é ir tentar outra sina em São Paulo. Umas minas pequenas, que mais parecem tocas de refúgio animal. Ele detonou uns quilos de explosivos e descobriu um veio de turmalinas azuis. Das que vi nas fotografias, tinha uma do tamanho de um gato grande e gordo. Da noite para o dia, virou uma espécie de imperador da região, reverenciado com uma veneração quase sagrada. Transformou-se num mito vivo, numa lenda materializada em riqueza de pedra. Se tivesse mais juízo financeiro teria construído um império particular. Súditos já tinha aos montes. Um séquito também. O poder que o dinheiro traz é o seu exercício, não o seu estado permanente. Eu quero dizer que quem o possui em muita quantidade o exerce automaticamente se quiser, mas não o detém eternamente. Vale enquanto durar. Portanto isso pode ser considerado como sorte. Já o saber proporciona um poder mais duradouro, pois só onde não há saberes, é que o saber é uma forma de poder. A tal da capilaridade social, política e cultural. Jean comprou carros, viajou pelo Brasil afora e foi até na Europa, fazendo-se senhor do tempo provisoriamente. Só não ouvi contar que conseguisse fazer chover no norte, sendo que o que mais quis, fez. E como em muitas histórias de garimpeiros, ele terminou com uma lojinha de pequenas jóias (o pouquinho que guardou) e andando de carona levando gente que precisava fazer trabalhos acadêmicos com garimpeiros. Para quem não sabe, não se entra em garimpos clandestinos impunemente, nem desacompanhado. E contando histórias num saudosismo que servia de ânimo aos que lá tentavam alguma sorte e aos siebanos lá de fora da mina.
Ele que buscou a glória eterna esquecendo a efemeridade que a acompanha na falta de juízo e saber, pode se dar por sortudo se essa crônica ficar muito conhecida. Estará eternizado.


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*Bamburrar: encontrar enorme quantidade de pedras preciosas numa garimpada.
**Sieba: restos de terra e minérios que são retirados e colocados de fora de uma mina (rejeito). Normalmente possuem pequenas quantidades de pedras preciosas desprezadas pelos garimpeiros que buscam a sorte grande.



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2 comentários:

Clarice A. disse...

Cacá
Gostei como desenvolveu o caso do Jean, observações muito pertinentes. Ele perdeu o dinheiro mas continuou a tocar sua vida como a maioria das pessoas, alguns não tem esta sorte (caso Rene Sena, relatado por Ignoto Jardim). De quebra ainda aprendi duas palavras novas: bamburra e sieba.
Abraço fraterno
Clarice

Ana disse...

Cacá:
Adoro ler o que você escreve! Adorei!
Beijo.