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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Verdade - por Jair Chagas

Quarta-feira de cinzas, seis e trinta e sete da manhã. Uma figura qualquer se resigna no calor da manhã litorânea com o seu débil corpo prostrado no meio fio e as costas apoiadas num poste de cimento cru, cercado de latinhas de cerveja, garrafas plásticas e restos de adereços de fantasias, do Ilê Aiyê, do Malê de Balê, do Ara Ketu, do Coruja, do Camaleão. O jovem folião usa um tênis Bamba velho e enlameado, companheiro de vários carnavais e ostenta, numa das mãos, uma garrafa de batida de tamarindo, a qual ele absorve de quando em vez em grandes e prazerosas goladas, aguardando sôfrego, porém resignado, o ônibus que o levará à realidade.

Weslley Snaytes dos Santos Rocha, de nome e sobrenome falsificados e etnia indefinível, tem aparência de pobre comum: jovem esguio, de tez parda como acarajé, olhos grandes e amendoados, lábios vivos e esperança latente, alguns o definiriam como pardo, outros, moreno, há quem o chame simplesmente de negro, talvez descendente de algum grupo Moçambicano, Angolano, Sudanês ou provavelmente da mistura de todas estas, formando um caldo racial de características pessoais imprevisíveis. A sua alma vigorosa, porém cansada, perambulou desde as quatro e treze da manhã, quando a última guitarra baiana tocou o derradeiro acorde daquela trágica sinfonia e finalmente deixou à deriva os carnavalescos da Praça Municipal até a orla de Ondina.

No fim da madrugada, no meio da multidão, entre o Farol da Barra e o morro do Cristo, uma jovem e desconhecida foliã interpela-o, sem preâmbulos, como se fossem velhos conhecidos:
_ E aí, meu preto, você tem loló?
Ele, imóvel, observa apenas seus olhos escuros e os lábios carnosos, balbuciando algo ininteligível naquele instante.
_ Fala, negão, você tem loló?
Mais uma vez Weslley é indagado, mas, sem nenhuma resposta plausível, apenas ensaia um claudicante eu não sei. Visivelmente irritada, a jovem abre os braços de indignação e retruca:
_ Finalmente, preto, o que você sabe?

Contemplando a paisagem da urbe ao derredor, sentado no meio fio, àquela hora da manhã soteropolitana, entre as ondas que quebram espumantemente na areia e os caminhantes sôfregos e perdidos, buscando sons alentadores para as suas vidas, o suburbano não responde, pois naquele instante só tem uma certeza:
É com pesar que a sua alma atesta: A festa acabou… Não há mais trio, não há mais música, abadá ou fantasia, percebe-se tão somente o mar do Farol de Santo Antonio da Barra coberto da ressaca carnavalesca, findada no calor da manhã de cinzas, deixando na orfandade milhares de suburbanos destroçados que se recusam a retornar à realidade fria e sem amparo.

Apesar da desesperança definitivamente diluída nas águas salgadas da Baía das Contradições, a jovem foliã, síntese daquele microcosmo, ainda tenta achar o fogo que fantasiava seu olhar, ao passo que Weslley, perdido no seu pequeno mundo, não vê ninguém, não vê nada, só o vazio, a exaustão e o fim. Prosternado no meio fio, ele presencia a escuridão de um lugar ermo e sem horizonte, vê-se sozinho numa caverna úmida, finita e sem amparo e, nesse pequeno e eterno momento, nesse parco e monossilábico segundo, seus olhos, alheios ao silêncio que o mundo insiste em criar ao derredor, externam a sua alma, falam tudo que ele não gostaria de expressar, discorrem sobre a dura realidade, sobre a vida sem sentido e a inumanidade, dissipando a neblina colorida de sonhos transformadores de uma vida mascarada, esta arrebatada por alguns parcos dias pelos sabores calientes do carnaval num ponto infinitesimal da América dos Fracassados. Como diria um adágio contemporâneo:
“Afora o carnaval, só resta a desgraça.”


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Um comentário:

Anônimo disse...

Comentário por Ana — 5 fevereiro 2009 @ 11:55

Muito boa a sua crônica, Jair! Parabéns!
Mas… Cadê você?
Sumiu…
Queremos mais!
Um abraço!