Trabalho no centro da cidade. É início da tarde e começa a chover. Chove e chove e a paisagem fica cada vez mais esbranquiçada. A chuva aumenta e enquanto trabalho imagino que a volta para casa será difícil. As pessoas começam a sair mais cedo, mas logo toca o celular e é uma delas avisando para não sairmos ainda, já que está tudo alagado nas ruas próximas ao hospital. Lembro-me que há alguns anos fiquei sem poder voltar para casa até depois das 22 horas por causa de uma chuva forte.
Chega a hora de sair, pego minha bolsa, desço e, qual não é minha surpresa, quando, apesar da chuva já ter diminuído, encontro a saída dos fundos alagada e não posso passar. Então vou para frente do hospital e o cenário é o mesmo, porém com um volume menor de água. Olho o tempo, reflito por um instante e decido que vou embora assim mesmo. Corro pela água para pegar o ônibus que faz ponto final na esquina e que só vai até Vila Isabel.
A chuva volta a cair forte, o ônibus parte e logo à frente a rua está mais cheia e para contornar o Moinho Fluminense encontra grande dificuldade e quase entra água no motor e para. Mas segue adiante parando para outras pessoas subirem e no meio do alagado uma senhora tropeça, caindo na água, fazendo com que vários passageiros se levantem para acudi-la. Então segue até a Presidente Vargas, arrastando-se num grande engarrafamento. Penso em descer e pegar outro ônibus que me levaria até meu destino, o Méier, mas é impossível descer porque chove muito e prefiro então seguir até o ponto final. Mas no final da Presidente Vargas o trânsito fica parado no viaduto e depois de muito tempo conseguimos chegar à Praça da Bandeira onde encontramos tudo retido. Todas as pistas estão repletas de carros, ônibus e caminhões debaixo de uma chuva incessante e nós, do alto das janelas dos coletivos, podemos assistir à rua enchendo e motos passando com dificuldade. Só elas conseguem seguir, mas em pouco tempo retornam porque não puderam passar. Tudo parado. Tudo cheio de água. A água vai subindo dos dois lados, em todas as pistas que já não se individualizam. É um mar onde os carros não navegam (ainda).
Os passageiros do ônibus começam a ficar impacientes. Querem que o motorista siga se aparece alguma brecha de algum carro que volta na contramão. Mas ele insiste que não dá pra passar e vamos ficando ali mesmo. Um homem nervoso anda pra lá e pra cá, fuma dentro do ônibus e diz que vai sair porque as águas estão subindo. Fico calma. Apenas observo em torno.
As pessoas nos carros estão nervosas, a situação é pior para elas. Na pista do canto, próxima à Escola de Circo, alguns carros já estão com água acima das rodas. Algumas pessoas saem dos carros para ajudar outros motoristas a manobrarem para tentar voltar de ré.
Passageiros dos ônibus descem para escapar a pé no meio da enchente, pingando na chuva e com água até quase os joelhos. Dá medo pensar em sair daqui, em ter que sair e enfrentar bueiros abertos e outros perigos. Penso que saí do trabalho às 16 horas e são quase 18 e está tudo parado e as águas subindo.
O passageiro nervoso está mais nervoso e pede ao motorista que tente passar pelo aguaceiro para escapar em direção à rua Mariz e Barros. Ele responde que não dá pra passar. As pessoas se impacientam mais. Alguns descem no meio da água. Senhoras reclamam dizendo que ele não arrisca porque é inexperiente, se fosse motorista mais velho passaria pelo alagado. Ele se mantém calmo e diz que quando as águas baixarem passará em segurança. Mas logo um ônibus da mesma empresa que está à nossa frente tenta e consegue. Levanta-se outro passageiro e pressiona o condutor a tentar sair dali porque a situação está piorando. Eu me mantenho calma e apenas observo as pessoas. Agora somos poucos dentro do ônibus.
Finalmente, o motorista - que estava já há alguns minutos jogando e mostrando fotos no celular ao trocador - resolve enfrentar o alagado e é aplaudido pelos passageiros. É bem difícil, mas conseguimos ultrapassar o trecho pior e saímos da Praça da Bandeira passando bem devagar pelas águas e encontrando, no trajeto, pessoas de mãos dadas no meio das águas, próximas aos pontos de ônibus, onde o chão agora está submerso, debaixo de chuva pesada, sem poderem sair dali, já que estão na parte central da rua, com volume grande de água em torno e mesmo assim com os rostos tranquilos por estarem unidos pelas mãos. Confesso que aquela cena me tocou.
Vejo outros homens de terno, encharcados, indo até carros com mulheres apavoradas nos pontos mais baixos da rua; carros que manobram por cima da divisão das pistas, tendo seus para-choques arrancados depois que o fundo do carro arrasta e eles têm que voltar. Muitos carros estão amassados por causa das manobras em ré na chuva e quase anoitecendo. Tudo isto foi possível observar enquanto atravessávamos o alagado, seguros dentro do ônibus.
Percebo, então, que na hora do caos as pessoas se irmanam. No meio da enchente se misturam empresários de terno com vendedores ambulantes, moradores de rua, mulheres que vão pegar o trem na estação de São Cristóvão, crianças no colo e até um cachorro. Meu coração fica apertado em imaginá-los tão vulneráveis, naquela hora, a tantos perigos. Mas bate mais forte porque constata que, em momentos em que se instala o caos, não existe distinção de espécie alguma. Somos todos um. Estamos todos no mesmo barco. Literalmente.
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Chega a hora de sair, pego minha bolsa, desço e, qual não é minha surpresa, quando, apesar da chuva já ter diminuído, encontro a saída dos fundos alagada e não posso passar. Então vou para frente do hospital e o cenário é o mesmo, porém com um volume menor de água. Olho o tempo, reflito por um instante e decido que vou embora assim mesmo. Corro pela água para pegar o ônibus que faz ponto final na esquina e que só vai até Vila Isabel.
A chuva volta a cair forte, o ônibus parte e logo à frente a rua está mais cheia e para contornar o Moinho Fluminense encontra grande dificuldade e quase entra água no motor e para. Mas segue adiante parando para outras pessoas subirem e no meio do alagado uma senhora tropeça, caindo na água, fazendo com que vários passageiros se levantem para acudi-la. Então segue até a Presidente Vargas, arrastando-se num grande engarrafamento. Penso em descer e pegar outro ônibus que me levaria até meu destino, o Méier, mas é impossível descer porque chove muito e prefiro então seguir até o ponto final. Mas no final da Presidente Vargas o trânsito fica parado no viaduto e depois de muito tempo conseguimos chegar à Praça da Bandeira onde encontramos tudo retido. Todas as pistas estão repletas de carros, ônibus e caminhões debaixo de uma chuva incessante e nós, do alto das janelas dos coletivos, podemos assistir à rua enchendo e motos passando com dificuldade. Só elas conseguem seguir, mas em pouco tempo retornam porque não puderam passar. Tudo parado. Tudo cheio de água. A água vai subindo dos dois lados, em todas as pistas que já não se individualizam. É um mar onde os carros não navegam (ainda).
Os passageiros do ônibus começam a ficar impacientes. Querem que o motorista siga se aparece alguma brecha de algum carro que volta na contramão. Mas ele insiste que não dá pra passar e vamos ficando ali mesmo. Um homem nervoso anda pra lá e pra cá, fuma dentro do ônibus e diz que vai sair porque as águas estão subindo. Fico calma. Apenas observo em torno.
As pessoas nos carros estão nervosas, a situação é pior para elas. Na pista do canto, próxima à Escola de Circo, alguns carros já estão com água acima das rodas. Algumas pessoas saem dos carros para ajudar outros motoristas a manobrarem para tentar voltar de ré.
Passageiros dos ônibus descem para escapar a pé no meio da enchente, pingando na chuva e com água até quase os joelhos. Dá medo pensar em sair daqui, em ter que sair e enfrentar bueiros abertos e outros perigos. Penso que saí do trabalho às 16 horas e são quase 18 e está tudo parado e as águas subindo.
O passageiro nervoso está mais nervoso e pede ao motorista que tente passar pelo aguaceiro para escapar em direção à rua Mariz e Barros. Ele responde que não dá pra passar. As pessoas se impacientam mais. Alguns descem no meio da água. Senhoras reclamam dizendo que ele não arrisca porque é inexperiente, se fosse motorista mais velho passaria pelo alagado. Ele se mantém calmo e diz que quando as águas baixarem passará em segurança. Mas logo um ônibus da mesma empresa que está à nossa frente tenta e consegue. Levanta-se outro passageiro e pressiona o condutor a tentar sair dali porque a situação está piorando. Eu me mantenho calma e apenas observo as pessoas. Agora somos poucos dentro do ônibus.
Finalmente, o motorista - que estava já há alguns minutos jogando e mostrando fotos no celular ao trocador - resolve enfrentar o alagado e é aplaudido pelos passageiros. É bem difícil, mas conseguimos ultrapassar o trecho pior e saímos da Praça da Bandeira passando bem devagar pelas águas e encontrando, no trajeto, pessoas de mãos dadas no meio das águas, próximas aos pontos de ônibus, onde o chão agora está submerso, debaixo de chuva pesada, sem poderem sair dali, já que estão na parte central da rua, com volume grande de água em torno e mesmo assim com os rostos tranquilos por estarem unidos pelas mãos. Confesso que aquela cena me tocou.
Vejo outros homens de terno, encharcados, indo até carros com mulheres apavoradas nos pontos mais baixos da rua; carros que manobram por cima da divisão das pistas, tendo seus para-choques arrancados depois que o fundo do carro arrasta e eles têm que voltar. Muitos carros estão amassados por causa das manobras em ré na chuva e quase anoitecendo. Tudo isto foi possível observar enquanto atravessávamos o alagado, seguros dentro do ônibus.
Percebo, então, que na hora do caos as pessoas se irmanam. No meio da enchente se misturam empresários de terno com vendedores ambulantes, moradores de rua, mulheres que vão pegar o trem na estação de São Cristóvão, crianças no colo e até um cachorro. Meu coração fica apertado em imaginá-los tão vulneráveis, naquela hora, a tantos perigos. Mas bate mais forte porque constata que, em momentos em que se instala o caos, não existe distinção de espécie alguma. Somos todos um. Estamos todos no mesmo barco. Literalmente.
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Um comentário:
Comentário por Ana — 29 janeiro 2009 @ 10:21
Muito bom! Adorei!
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