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domingo, 14 de dezembro de 2008

Eram Tempos de Flor - por Alba Vieira

Pensei em sair pela vida rumo a um futuro atraente como quem vai ao piquenique. Levaria uma enorme cesta em que caberiam, juntos, entrelaçados numa forte teia que sustentaria meus passos certos e seguros, os acontecimentos bons do passado. Seriam somente aqueles carregados de emoções positivas e imagens coloridas. E que teriam aquecido meu coração. Lembranças de gestos gentis e amorosos também estariam ali - dádivas concedidas por almas claras. Na minha cesta, eu colocaria, por exemplo:
- uma noite de chuva em que minha mãe sentou-se e delicadamente convidou minha cabeça a pousar sobre suas pernas enquanto eu estava estirada no sofá e acariciou meus cabelos - ela que era sempre tão ocupada, não se permitia parar e eu tão criança que ainda não tinha recebido um carinho tão significativo (nunca soube se para ela este fato marcou tanto quanto para mim);
- as incontáveis noites da infância em que perdia o sono e procurava meu pai para que ele ficasse acordado - mesmo que fosse de onde estava dormindo - até que eu pudesse voltar a adormecer; apenas o seu despertar calmo e sua voz doce que me dizia “Vai dormir, menina!” já eram suficientes para me tranqüilizar e trazer de volta o sono, mesmo nas noites em que eu já era adulta (e só me dei conta de sua importância depois que ele se foi);
- o momento aguardado o dia inteiro em que minha irmã mais velha, minha madrinha, me trazia um novo livro da biblioteca da fábrica em que trabalhava, grande, grosso e de capa dura azul-marinho; ela me trazia um mundo novo, porta que se abria para viagens fabulosas, inesperadas e inesquecíveis;
- tantas manhãs, tardes e noites de convivência com meus pais, minha avó e meus sete irmãos barulhentos, aos quais eu era visceralmente ligada e tão diferentes entre si que me permitiram desde cedo o contato profundo com a alma humana;
- a alegria assanhada que tantas vezes senti ao abrir a caixa do correio e olhar o envelope escrito com letra pequena e desenhada que eu levava para o banheiro para ler em paz, guardando para sempre o pedaço de papel rasgado para abrir a carta do meu amor, naquela época em que ainda só havia amizade entre nós (posso sentir ainda o misto de curiosidade, o calor no corpo e o coração acelerado);
- a tarde em que nos declaramos e sentimos pela primeira vez o entrelaçar de nossas mãos, num casamento perfeito das auras no dia em que uma amizade profunda se confirmou o amor da vida inteira.
São tantos momentos marcantes, que certamente esta cesta teria um fundo falso que me conduziria aos recônditos do inconsciente e, como jardineiro atento ao belo, eu poderia colher até o último dia as flores de minha vida, ainda que elas ocasionalmente tivessem crescido entre ervas daninhas indesejáveis e intrusas.
Pense em como seria a sua cesta, mas observe bem: idealizando-a, seja benevolente com você mesmo, atento ao que realmente lhe faz bem, use os olhos do coração ao escolher as lembranças e perdoe-se - ou à Vida - se seus tempos de flor foram escassos ou ficaram no passado, e lembre-se que é possível, ainda, criar para você um belo jardim florido.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Comentário por Ana — 1 janeiro 2009 @ 11:54

Muito lindo! E não fica uma sensação nostálgica de que o bom estava apenas no passado. Vejo que você é criativa nos textos e na vida!