Acordou com o grito das crianças que brincavam do lado de fora. O quarto escuro não permitia saber que já era dia. Abriu os olhos com dificuldade e segundos se passaram até que se lembrasse quem era e o que fazia ali. Tentou se levantar mas as forças lhe faltaram, segurou com as duas mãos em um dos lados da cama e um impulso se fez, na tentativa de se erguer. Não conseguiu, e sentiu o corpo ser tomado por uma dor insuportável que começou em seu peito e se espalhou por cada parte viva que existia. A dor foi tanta que mal conseguia respirar, e entre suspiros profundos se esforçou como nunca para permanecer viva.
Minutos eternos se passaram, o teto do quarto ganhou vida enquanto a dor parecia querer tirar-lhe a sua. Resistiu. Quando finalmente a dor cessou decidiu que sairia dali a qualquer custo. Estranhamente sentiu-se um pouco mais forte e aproveitando-se desse breve momento de firmeza, ergueu-se. Primeiro sentou sobre a cama, respirou fundo duas vezes e se levantou completamente.
Sentia as costas curvadas, uma fraqueza recorrente, os olhos pouco enxergavam mas acreditou que isso a claridade resolveria. Caminhou até o banheiro, fechou o armário sobre a pia que ainda estava aberto. Viu no espelho uma imagem sendo formada, não reconheceu. Uns poucos cabelos brancos que cobriam-lhe parcialmente a face, os olhos cansados, a pele seca e enrugada marcada com os inúmeros traços que a velhice lhe causou. O colo manchado e sem vida, as mãos disformes. Tocou o rosto na esperança de que fosse uma alucinação, um sonho ruim que ainda não terminara. Sentiu a realidade do toque e na mesma hora seu coração disparou.
“Não pode ser”, pensou.
Saiu do banheiro afobada e voltou para o quarto, e ouvindo as crianças que ainda gritavam foi de encontro à janela. Abriu parte dela e sentiu a luz do sol quase cegá-la, a cabeça despertando em dor, precisou de tempo até conseguir ver o que lá fora se passava. Não reconhecia nenhuma daquelas crianças, seus rostos estranhos, a falta de nomes, com certeza não eram suas.
Atravessou o quarto e foi até a sala, viu os móveis velhos e empoeirados. Sobre a escrivaninha, ao fundo, uma garrafa de vinho ainda pela metade. O cheiro de mofo machucou suas narinas e o cheiro de abandono machucou seu coração. Não havia mais ninguém ali, só ela. Procurou por sua família, imaginou que teria filhos, talvez netos, já que estava assim tão velha. Nenhum porta-retrato, nenhuma carta ou bilhete, nenhum traço de vida, o que só lhe permitia pensar que era mesmo sozinha. Ao lado da escrivaninha um outro espelho onde podia ver seu corpo inteiro, se colocou bem perto e de frente a ele. Não sabe quanto tempo ficou ali se vendo, nem quantas lágrimas rolaram.
“Como foi que isso aconteceu?”, falou.
E naquele momento se deu conta de que o tempo havia passado, não sabe como, mas havia... Não tinha lembranças, não realizara sonhos, não fora feliz.
“Como foi que eu deixei isso acontecer...?”, pensou.
Tarde demais para tentar entender o que se passou, agora só conseguia ver que não havia acordado a tempo, que a juventude lhe fora tomada e a saúde também, sem que sequer percebesse. Não conseguia pensar em mais nada, apenas, na vida que perdeu...
.
Minutos eternos se passaram, o teto do quarto ganhou vida enquanto a dor parecia querer tirar-lhe a sua. Resistiu. Quando finalmente a dor cessou decidiu que sairia dali a qualquer custo. Estranhamente sentiu-se um pouco mais forte e aproveitando-se desse breve momento de firmeza, ergueu-se. Primeiro sentou sobre a cama, respirou fundo duas vezes e se levantou completamente.
Sentia as costas curvadas, uma fraqueza recorrente, os olhos pouco enxergavam mas acreditou que isso a claridade resolveria. Caminhou até o banheiro, fechou o armário sobre a pia que ainda estava aberto. Viu no espelho uma imagem sendo formada, não reconheceu. Uns poucos cabelos brancos que cobriam-lhe parcialmente a face, os olhos cansados, a pele seca e enrugada marcada com os inúmeros traços que a velhice lhe causou. O colo manchado e sem vida, as mãos disformes. Tocou o rosto na esperança de que fosse uma alucinação, um sonho ruim que ainda não terminara. Sentiu a realidade do toque e na mesma hora seu coração disparou.
“Não pode ser”, pensou.
Saiu do banheiro afobada e voltou para o quarto, e ouvindo as crianças que ainda gritavam foi de encontro à janela. Abriu parte dela e sentiu a luz do sol quase cegá-la, a cabeça despertando em dor, precisou de tempo até conseguir ver o que lá fora se passava. Não reconhecia nenhuma daquelas crianças, seus rostos estranhos, a falta de nomes, com certeza não eram suas.
Atravessou o quarto e foi até a sala, viu os móveis velhos e empoeirados. Sobre a escrivaninha, ao fundo, uma garrafa de vinho ainda pela metade. O cheiro de mofo machucou suas narinas e o cheiro de abandono machucou seu coração. Não havia mais ninguém ali, só ela. Procurou por sua família, imaginou que teria filhos, talvez netos, já que estava assim tão velha. Nenhum porta-retrato, nenhuma carta ou bilhete, nenhum traço de vida, o que só lhe permitia pensar que era mesmo sozinha. Ao lado da escrivaninha um outro espelho onde podia ver seu corpo inteiro, se colocou bem perto e de frente a ele. Não sabe quanto tempo ficou ali se vendo, nem quantas lágrimas rolaram.
“Como foi que isso aconteceu?”, falou.
E naquele momento se deu conta de que o tempo havia passado, não sabe como, mas havia... Não tinha lembranças, não realizara sonhos, não fora feliz.
“Como foi que eu deixei isso acontecer...?”, pensou.
Tarde demais para tentar entender o que se passou, agora só conseguia ver que não havia acordado a tempo, que a juventude lhe fora tomada e a saúde também, sem que sequer percebesse. Não conseguia pensar em mais nada, apenas, na vida que perdeu...
.
.
.
Um comentário:
Que bom ver um texto meu aqui, entre tantos outros tão bem escritos.
Abraços.
Postar um comentário