Era época de república estudantil, anos setenta e as leituras eram quase proibidas: livros, jornais e revistas, tudo muito vigiado. Chico Buarque usava o pseudônimo de Julinho da Adelaide quando queria passar alguma letra mais provocativa (ofensiva ou defensiva?). Usava-se e abusava-se das metáforas para dar um drible na censura que não possuía jogo de cintura algum e muito pouca inteligência, feito aqueles zagueiros que apelam para a botinada diante da falta de outros argumentos hábeis com a bola vindo em sua direção.
Não era raro sair às ruas pela manhã e encontrar uma banca de revistas totalmente incendiada ou destruída com pichações do CCC (auto intitulado Comando de Caça aos Comunistas). Pensar era permitido, mas se a fala decorrente desse pensamento fosse algo que estimulasse um tico qualquer de reflexão entre os interlocutores, já se configurava atentado à segurança nacional. Prisão, tortura e morte em muitos casos.
O meu problema era que gostava de ler e fui morar logo no meio de um bando de subversivos (assim chamados os que ousavam pensar com a boca aberta). Eu com 14, 15 anos e a turma toda já “de maior”, muitos estudantes universitários. Era normal circularem em casa jornais clandestinos, panfletos apócrifos e livros, muitos livros onde não se podia sequer colocar o nome do dono na contracapa para não se correr riscos caso fosse parar em mãos erradas. Às vezes, arrancam-se capas de livros tipo “O Pequeno Príncipe” e colavam-nas em cima da outra capa como disfarce para poder ler sossegado em lugares públicos.
Repúblicas têm um rodízio de pessoas ano após ano. Então o cara me aparece com um livro intitulado “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”. Puído, de tanto circular debaixo do braço. De vez em quando mudava de lado para suar por igual. Eu não sei se a intenção dele era usá-lo como manual de sobrevivência na cidade grande ou se tinha algum outro propósito mais nobre. Sei é que não saía debaixo do braço a não ser para tomar banho. Acho que até dormia com ele. “Cultura axilar”, segundo foi rotulado pelos colegas. Sei também que esse não era proibido. Um dia, enquanto ele tomava banho, olhamos para ver se a capa não era um daqueles “despistes” da censura. Não era. E me desanimei com qualquer curiosidade de ler o tal livro. O rapaz não conseguiu sequer fazer uma amizade durante sua curta estada entre os demais, quem dirá influenciar alguém com seu manual. Carrancudo e mal educado, sua lição, para mim só foi aprender um pouquinho mais a selecionar leituras. Boas maneiras eu já havia aprendido em casa de meus pais.
Não era raro sair às ruas pela manhã e encontrar uma banca de revistas totalmente incendiada ou destruída com pichações do CCC (auto intitulado Comando de Caça aos Comunistas). Pensar era permitido, mas se a fala decorrente desse pensamento fosse algo que estimulasse um tico qualquer de reflexão entre os interlocutores, já se configurava atentado à segurança nacional. Prisão, tortura e morte em muitos casos.
O meu problema era que gostava de ler e fui morar logo no meio de um bando de subversivos (assim chamados os que ousavam pensar com a boca aberta). Eu com 14, 15 anos e a turma toda já “de maior”, muitos estudantes universitários. Era normal circularem em casa jornais clandestinos, panfletos apócrifos e livros, muitos livros onde não se podia sequer colocar o nome do dono na contracapa para não se correr riscos caso fosse parar em mãos erradas. Às vezes, arrancam-se capas de livros tipo “O Pequeno Príncipe” e colavam-nas em cima da outra capa como disfarce para poder ler sossegado em lugares públicos.
Repúblicas têm um rodízio de pessoas ano após ano. Então o cara me aparece com um livro intitulado “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”. Puído, de tanto circular debaixo do braço. De vez em quando mudava de lado para suar por igual. Eu não sei se a intenção dele era usá-lo como manual de sobrevivência na cidade grande ou se tinha algum outro propósito mais nobre. Sei é que não saía debaixo do braço a não ser para tomar banho. Acho que até dormia com ele. “Cultura axilar”, segundo foi rotulado pelos colegas. Sei também que esse não era proibido. Um dia, enquanto ele tomava banho, olhamos para ver se a capa não era um daqueles “despistes” da censura. Não era. E me desanimei com qualquer curiosidade de ler o tal livro. O rapaz não conseguiu sequer fazer uma amizade durante sua curta estada entre os demais, quem dirá influenciar alguém com seu manual. Carrancudo e mal educado, sua lição, para mim só foi aprender um pouquinho mais a selecionar leituras. Boas maneiras eu já havia aprendido em casa de meus pais.
Visitem Cacá
Dale Carnegie, Antoine de Saint-Exupéry
2 comentários:
Cacá:
Adorei seu texto! Recordei de coisas que vivi nesta época também...
Não cheguei a ler os livros proibidos ou me filiar a nenhum grupo de esquerda, mas conheci, no colégio, pessoas que participavam de grupos que estavam preparando a luta armada. Tive um amigo que me mostrou, na casa dele, um taco solto embaixo de sua cama sob o qual escondia os malditos: "As Veias Abertas da América Latina" (se bem me lembro), "O Capital" e outros disfarçados com outras capas, como você relata.
Foi um tempo difícil, extremamente complicado...
Um rapaz do terceiro ano estava sempre lendo sozinho na hora do intervalo; aquilo me chamou a atenção e um dia eu me aproximei para conversar. Eu disse oi e ele respondeu: - "Conheço você através de outras pessoas daqui com as quais encontro lá fora. Gostaria de me tornar seu amigo, mas não é hora para isso, infelizmente. Não devo ter amigos ou vínculos, porque a qualquer momento posso desaparecer e não devo envolver ninguém em minhas decisões e atitudes. Eu sei que você me entende. Em outras circunstâncias, gostaria muito de ser seu amigo." Eu me afastei com tristeza, compreendendo e lamentando pelo futuro dele. E, realmente, alguns dias depois, ele "caiu".
Nas salas de aula, os professores de História e Geografia viviam tensos, revoltados, pois não podiam se expressar como gostariam e tinham sempre que se apresentar ao DOI-CODI.
Um professor de Administração, que tinha sido líder sindical, resolveu ignorar aquilo tudo e começou a falar, nas aulas, sobre sindicalismo e a situação do país. Lembro que um dia, repentinamente, ele parou o que estava explicando no meio de uma frase, abaixou a cabeça pensativo e começou assim: - "O que acho mais triste nisto tudo é olhar para uma turma de 2o grau e ficar imaginando se há e quem é espião do governo aqui. A maioria dos professores se cala, e com razão, mas isso não está certo. E, a partir de hoje, eu não quero nem saber se serei denunciado, preso ou torturado por delação de algum de vocês. É impossível ficar falando de fluxogramas enquanto o país se encontra nesta situação. Nossas aulas vão tratar de política e ninguém é obrigado a comparecer." E assim ele fez. Duas patricinhas nunca mais assistiram às suas aulas, mas o restante da turma continuou comparecendo (e olha que as aulas eram aos sábados e só as dele!) até que fomos informados, pela direção, de que ele não daria mais aulas pois havia abandonado o magistério. Nunca mais soubemos dele.
O toque de recolher, os militares e PM's fazendo o que bem entendiam em nome do governo... Foi assustador. Ninguém confiava em ninguém, qualquer um poderia te entregar... Até assuntos como hippies, oposição à Guerra do Vietnã eram considerados perigosos. Falar que não queria servir por não gostar de militarismo era dito em voz baixa. Muitos colegas meus serviram (quando poderiam ter conseguido dispensa) apenas por medo de serem considerados traidores.
É... Muitas coisas vi, ouvi e vivi nesta época...
Por isso, apesar de não ter partido, eu fui ao comício do Lula e me emocionei, junto com aqueles milhares de pessoas. Não pelo candidato, não pelo PT, mas porque, pela primeira vez na vida, eu estava tendo contato com a liberdade. Apesar dos inúmeros agentes militares disfarçados que se misturavam à multidão.
Uma perfeita descrição de tempos onde camaradas se reuniam para trocar idéias de fato, hoje não há troca. Chico Buarque ficou mais caro e as boas leituras são substituidas por essa "literatura" de comando. Hoje é demode ser subversivo, o bom mesmo é compartilhar as coisas do momento: a música, o livro e o cinema do teor dessas "auto ajudas".
é lamentavel, mas é fato.
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