A verdade entristeceu
Quase fez como a camélia:
Deu dois suspiros e morreu.
Foi pra beira do abismo
Para se atirar ao mar.
Imaginava: a sua ausência
Ninguém iria reparar.
Mas desistiu a tempo,
Pôs-se a reconsiderar
Sua decisão radical:
Os homens abandonar.
“Por eles ainda sou vista,
Há gente que gosta de mim...
Posso definir questões,
Não sou tão inútil assim...
Mas queria ser senhora,
Única, sem concorrentes,
Não perder tanto pra mentira,
Pra omissão e seus parentes.
Estou certa de estar certa!
Eu sou a certeza, afinal
Depois de mim não há nada:
Eu sou a palavra final.”
Estava assim a pensar
Até que ouviu uma voz
Repentina e conhecida,
Sua consciência atroz:
Já disse mais de mil vezes,
Para com o egocentrismo...
Você não é absoluta...
Na Terra isso é castigo.
Você é tão relativa,
Que estar no singular
É erro crasso, primevo,
De alguém que não soube pensar.
Tu não é cartesiana,
Não é e nem pode ser...
Devia estar no plural
No falar e no escrever.
Cada pessoa uma verdade
Não sabe disso? Vai mal...
Porque tu não é coletiva,
Tu é individual.
Para com as reflexões
E autocomiseração,
Vai trabalhar, minha filha,
Volta pra tua função
De habitar os humanos
Da forma que lhes aprouver,
Pois tu não existe sem eles
E só te aceita quem quer.
Quem foi que te iludiu
Que tu seria a Verdade?
Que a Verdade um dia existiu
No meio da humanidade?
Para com a palhaçada
E de fazer corpo mole.
Suicídio não é pra ti,
Pois a morte não te engole.
Ouvindo a voz da razão
(ou da desrazão humana),
A verdade deprimiu
Mas concordou com a veterana.
“Volto, sim, mas daqui a pouco,
Eu ainda tenho brios!”
Resolveu olhar o mar,
E ficou a ver navios...
Inspirado em “A Verdade a Ver Navios”, de Gio.
Orlando Silva
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