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sexta-feira, 5 de junho de 2009

O Velho - por Leandro M. de Oliveira

Ele olhou pela janela dos fundos como quem olhasse através do tempo. Inspirou o hálito externo àquela cela, como em milagre ou sonho sentiu por um instante que tudo tornara a ser simples outra vez, aquele homem havia desafiado o destino e o que lhe restou era nada mais que a lembrança de um tempo que há tempos se foi. Cada ruga em sua face conservava a insígnia daquele nome, cada polegada de sua alma sentia ainda fresco o hálito daquela que poderia ter sido companheira, mas não, era tarde demais. Ali estava um homem marcado pela calamidade da própria grandeza, com os olhos perdidos nada ambicionava além do nada sem termo. Cheguei manso como chega a morte aos enfermos, ao notar que ele percebera a minha presença prontifiquei-me logo em me apresentar, ele continuou inerte, absorto em si. Depois por um instante me olhou com relutância, porém alguns minutos depois a minha presença era algo já pacífico. Foi como se eu estivesse por muito tempo naquele lugar, tudo soou comum de repente. O homem me falou da vida com tal gravidade que desejei por um momento nunca ter nascido; embora tivesse o olhar cândido, as nuances de seu rosto pesavam como mil bigornas de Hefesto. Perguntei ao velho qual a melhor e a pior coisa da vida, ele me disse que falaria, mas era necessário ter ouvidos para “sentir”. Então ele começou:

“Escuta que quero falar como dois olhos, pra que você veja através de mim. Uma palavra define o melhor e o pior da vida, é uma chave que pode abrir todas as portas ou fechar outras mil. Desejo! Esse é o mestre de toda ruína e de toda exaltação humana. Desejo ardente é consumido nas próprias chamas, o resignado raro é suficiente para o impulso necessário à manipulação do Kairós¹. O desejo é como a mão que segura o grão de areia: se a deixas relaxada a areia se esvai com o vento, se contrai a fim de segurar mais firme, a areia escapa por entre os dedos e igualmente põe tudo a perder. Luz não existe sem treva assim como bem sem mal. Faz da parte de teu desejo que é besta escolta para a parte que é mansidão, pede a essa que seja conselho para a outra que tão alto se põe a rugir. Não te enganes pela minha aparência, hoje sou decadente é verdade, mas já fui jovem como tu, já tive mulheres, admiradores, paixões... Nada posso te ensinar senão isso, guarda teu desejo como uma relíquia sagrada, esconde-o sob o alforje de tua montaria quando reiniciares o caminho. Se queres amar alguém, ame um pouco menos a si próprio, transforma teu desejo de amar em devoção pelo amor e serve a esse Deus humildemente com a constância do sol de janeiro. Se queres conhecer, transforma teu desejo por sabedoria em compaixão pelos ignorantes, compartilha desambicionado o que sabe, imita a fé do jardineiro que semeia em campos incertos. Se queres crescer, desejas ser pequenino, aprende passo a passo, não permita que a soberba de teu coração te converta em alguém intoxicado de si ou nunca ultrapassará o teu próprio tamanho, lembra que a planta sem sol definha e morre... A vida nunca será para homem nenhum uma equação resolvida, ela é quando mais amena um fluxo interminável de questionamentos aos quais só as eras mais remotas poderão responder. A prudência diria, o melhor é resignação com o mundo, aprende com urgência a não contabilizar com tanta dureza o não vivido, glorifica o que há diante de ti, os acontecimentos mais singelos são o passaporte de teu milagre, crê na força da vida, ela te trouxe até aqui e pode te conduzir além. Eu poderia ter tido uma trajetória comum, filhos, netos, me ver continuar através deles, mas não, quis o perigo, o inusitado. À minha maneira tive meus triunfos mas, agora que tento remoldar o meu mundo pasmo em ver que tenho as mãos decepadas... Como é difícil, como é difícil dominar o leão que carregamos no peito. O tempo é veloz! Sonha e realiza, ou vive e resigna...”

Senti um nó na garganta. Interrompendo perguntei quem era ele. E ele me respondeu:

“Eu sou o teu futuro.”

Naquele momento meus olhos umedeceram... Não pude mais continuar.



1. Kairós: Do grego antigo, genericamente justa medida, podendo ser empregado como tempo oportuno.




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2 comentários:

Ana disse...

Muito bom, Leandro!
Adorei!
Por sinal, adoro seus textos!

Leandro disse...

Valeu Ana, mais uma vez obrigado pela atenção. è bom saber que alguém gosta de espiar o meu esgoto... rsrs Abraços e até mais.