e não tinha luz de vela,
mas só muito depois (quantos anos?)
é que escureceu.
Foi então que eu soube de você menino
curto calção
e das histórias de assombração
que você aprendeu primeiro.
E eu te contava do medo
do escuro e do silêncio
que eu não perdi, acredite.
A gente ia pro moinho
escondido no meio do mato
e era você quem falava
você que tudo sabia
você que até já tinha
visto um javali
e era eu quem fugia dos bichos
e hoje continuo fugindo
de outros mais graves, mais feios
que me habitam.
E não há faca, espingarda
pedra ou caco de vidro
e nem grito nem veneno
que afugente essa ausência
ou que essa solidão tema.
E você era o valente
montava cavalo em pêlo
nadava na correnteza
desbravava mato cerrado
e de noite então, ia sozinho...
e me chamava gritando
do cimo do morro mais alto
.......e eu subindo devagar
.......(hoje eu desço)
desço à rua em movimento
e é sempre a mesma estúpida vertigem
fantasmas de pedestres em todos os sentidos
uma duplificância de ruídos demais
uma impressão de coisa já vivida
e é sempre o mesmo medo
de me expor, a mesma desproteção
sob a geometria caótica da rua.
E eu tentava imitar você
tentava tanto ser.
Mas você era dessas almas fortes
que circulavam livremente
e eu tentava... mas como?
de que jeito?
era como mudar a natureza
e a natureza já estava lá quando chegamos.
Com o facão de um só golpe
você cortava a cana
enquanto eu imaginava
num acidente tolo
o facão me desventrando
e tripas, sangue e cana misturados
com terra e roupa suja
e o meu chapéu de palha atirado longe
e o sol ardendo muito. O mesmo sol.
Depois você me ensinou a contar mentira
e eu fui aprendendo com grande habilidade
e desde então tenho me mentido muito.
In “No Ritmo Dessa Festa”.
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Um comentário:
Muito bom, Penélope!
Tô adorando!
Beijo!
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