Eu
acordei no meio da madrugada. Deveria ser algo por volta de duas horas. O sino
de brinquedo do filho do vizinho havia disparado (de novo), e aquele som
estridente e inconveniente me deixava verdadeiramente irritado. Até então decidira
não dar vazão à minha curiosidade nata herdada dos meus antepassados, afinal,
sempre fomos curiosos. Revirei-me na cama, mas voltar a dormir nesta madrugada,
eu senti que não seria possível. Mesmo achando incomum aquele maldito sininho,
ainda assim, reunindo coragem, resolvi averiguar tal mistério.
Levantei-me,
bocejando. Olhei para ela que dormia profundamente ao meu lado. Como era linda!
Imaginei se fosse algo sobrenatural na casa do vizinho. Um zumbi, um espectro.
Essas coisas existiam, disso eu tinha certeza. Entretanto, nem todos podiam
ver. A mãe dela costumava dizer que apenas os médiuns possuíam a capacidade de
ver tais fenômenos. Na rua mesmo onde moramos, há um senhor que mora só. Dizem
que é bruxo, e que fala com espíritos, que se comunica à noite, e que para tal,
acende velas e coloca umas coisas como pequenas caveiras e pedras sobre uma
mesa coberta por pano vermelho. O sino voltou a tocar ao lado. Resoluto, saltei
da cama e, sem fazer barulho para não acordá-la, deslizei pelos cômodos escuros
até chegar à janela da sala. Decidi que indo pelo beiral eu poderia chegar até
ao quarto do menino sem ser visto. Talvez, dessa forma, eu o observasse
impune. Se fosse fantasma, pensei na época, ele não me veria. Sentia-me um
verdadeiro espião das trevas.
Com
passos lentos e precisos me arrastei sem olhar para baixo. Moramos no décimo
andar de um prédio antigo e meu Deus!… Fora por pouco! Uma parte do concreto
cedeu. Não fosse a grade de ferro, eu estaria morto agora. Prossegui devagar,
com a respiração controlada. Atento a todos os ruídos e movimentos. Meu coração
batia mais rápido. Lembro que olhei para baixo e quase tive vertigem.
O
som do sino estava mais perto. As cortinas do quarto do menino brincavam,
esvoaçando-se como almas transparentes. Pareciam dançar para mim, tentando me
fascinar, me hipnotizar. Um som inesperado me fez paralisar o próximo passo.
Olhei para a amendoeira. Lá estava ele, aquele pássaro negro desgraçado que eu
já tentara caçar, dar um fim nele, mas era esperto, o demônio. Assim que me
viu, deu uma risada e voou para a árvore do outro lado da rua. Pensei que em
outra oportunidade eu o mataria, sim, eu o mataria de uma vez por todas. Então
cheguei bem perto da janela. Bastaria esticar o pescoço e ver, finalmente, esse
zumbi ou fosse o que fosse que vinha me tirando o sono por tantas madrugadas.
Respirei fundo e pensei nela de novo. E se eu morresse? Se ele me matasse, como
ela viveria sem mim? Somos apenas nós dois. Amamo-nos profundamente. Foi quando
o pássaro negro soltou um guincho, me avisando do perigo. Mas era tarde demais!
O
garoto estranho me agarrou pelo pescoço. Não pude reagir, pois ele era muito
forte. Se eu me debatesse poderia cair e morrer pelas mãos de um menino louco.
Dizem que os endemoniados têm forças sobressalentes, então me deixei arrastar
para dentro de seu quarto, olhando-o em seus olhos vermelhos de insônia.
Jogou-me em sua cama desarrumada e fechou a janela, com um sorriso macabro.
Pegou o sino de ferro e veio em minha direção. Pensei nela e me arrepiei todo.
Não conseguia me mover, até que… O garoto, soltando o brinquedo e
abraçando-me, murmurou “que bom que você veio me fazer companhia, gatinho...”
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Daisy
Um comentário:
Daisy,
Adorei!!!!
Muito bom o seu texto. Parabéns!
Beijo.
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