Tinha eu acabado de entrar para a faculdade. Estudante de História, meus colegas de curso ou eram bichos-grilo ou comunistas. Eu, nem uma coisa nem outra, sempre fui careta e pequeno-burguesa, mas isso nunca foi um problema. O problema era que meus pais nunca me deixavam fazer as viagens que a galera planejava. Depois de muitas recusas, parei de ser convidada. Aí decidi que na próxima eu iria. Tomei coragem e anunciei em casa que viajaria com o pessoal para São Pedro da Serra. Fui.
Nos encontramos na rodoviária, pegamos um ônibus pra Friburgo e de lá um cata-corno até a outra cidade. O cata-corno é aquele ônibus comum, que mal presta para andar na cidade, mas que é usado para fazer o trajeto de uma cidade pequena até a outra menor ainda. Ele vai parando para qualquer um que faça sinal, em qualquer lugar da estrada. A estrada, a propósito, era inexistente. Cada cratera homérica, parecia que havia ocorrido um bombardeio. Nós íamos sacolejando agarrados na mochila e no colchonete – sim, viagem de estudante sempre tem que ter um colchonete.
No meio da estrada, no meio do nada, no meio do mato, a menina que tinha alugado a casa pediu para o motorista parar. Descemos. Depois descemos mais um pouco porque a casa era à beira de um despenhadeiro. Quando olhei para o pardieiro, comecei a cantarolar: “Era uma casa, muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada...”
A casa tinha três cômodos: uma sala, um quarto e uma cozinha. O banheiro era do lado de fora. Guarnecendo o imóvel, uma roda de carroça em cima de um toco de árvore. Era a mesa. Na cozinha, um fogareiro a carvão. Sem carvão. No quarto, um lampião. Só. Cama? Cadeira? Televisão? Geladeira? Eletricidade? Confortos burgueses dispensáveis para um bando de garotos a fim de curtir a natureza.
Fomos à cidade comprar comida e carvão. Ao menos ninguém se perdia. A cidade tinha apenas uma rua e nela uma mercearia que vendia desde pilhas até absorvente higiênico, passando por pão, cenouras e banheirinhas de plástico para dar banho em bebês. Não entendi muito bem o critério do comerciante para abastecer o seu estabelecimento, mas, pra quem ia ter que dormir no chão em cima de uma folha de jornal, tudo era festa.
Voltamos pra casa. Almoçamos laranjas, que comemos sentados no batente da porta, jogando as cascas despenhadeiro abaixo.
Quando foi anoitecendo, começou a esfriar e fui comunicada que, ou tomava banho frio, ou tomava banho de cuia. Optei por esquentar um balde com água no fogareiro, o que não dava muito certo. Demorava e éramos muitos para tomar banho. Alguns escolheram o banho frio e ficávamos escutando os urros de dor que vinham de dentro do banheiro. Quando a minha cota de água estava mais ou menos morna, entrei no que chamavam de banheiro. Pia, vaso sanitário com descarga de cordinha, box sem cortina. Luz de velas. Entre o chuveiro e o sanitário, um sapo. Não dava pra sair correndo, já tinha me despido. Olhei para a parede do box. Jesus Cristo, de braços abertos, olhava para mim. Disseram que o dono da casa fez aquela pintura depois de tomar um chá de cogumelo e encontrar Jesus face a face. Mas precisava ser no banheiro? Virei de costas para Jesus, de frente para o sapo, lavei as partes essenciais do corpo e pronto.
Hora de dormir. Primeira tarefa: forrar o chão com jornal. São Pedro da Serra fica na... serra. Frio. Depois do chão forrado, colchonetes. Depois, matar todas as baratas que pudéssemos. Depois, deitar um por um, como um joguinho de dominó. Um ficou encarregado de apagar o lampião e todos ficamos proibidos de levantar de madrugada para fazer xixi. Primeiro porque naquele breu havia o risco de esmagar dedos e cabeças, depois porque ia ter que abrir a porta e o vento frio ia entrar, não bastasse o fato de a casa não ter forro e já ventar pela fresta das telhas.
Eu me diverti de monte. Se faria de novo? Só se voltasse a ter dezoito anos.
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Nos encontramos na rodoviária, pegamos um ônibus pra Friburgo e de lá um cata-corno até a outra cidade. O cata-corno é aquele ônibus comum, que mal presta para andar na cidade, mas que é usado para fazer o trajeto de uma cidade pequena até a outra menor ainda. Ele vai parando para qualquer um que faça sinal, em qualquer lugar da estrada. A estrada, a propósito, era inexistente. Cada cratera homérica, parecia que havia ocorrido um bombardeio. Nós íamos sacolejando agarrados na mochila e no colchonete – sim, viagem de estudante sempre tem que ter um colchonete.
No meio da estrada, no meio do nada, no meio do mato, a menina que tinha alugado a casa pediu para o motorista parar. Descemos. Depois descemos mais um pouco porque a casa era à beira de um despenhadeiro. Quando olhei para o pardieiro, comecei a cantarolar: “Era uma casa, muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada...”
A casa tinha três cômodos: uma sala, um quarto e uma cozinha. O banheiro era do lado de fora. Guarnecendo o imóvel, uma roda de carroça em cima de um toco de árvore. Era a mesa. Na cozinha, um fogareiro a carvão. Sem carvão. No quarto, um lampião. Só. Cama? Cadeira? Televisão? Geladeira? Eletricidade? Confortos burgueses dispensáveis para um bando de garotos a fim de curtir a natureza.
Fomos à cidade comprar comida e carvão. Ao menos ninguém se perdia. A cidade tinha apenas uma rua e nela uma mercearia que vendia desde pilhas até absorvente higiênico, passando por pão, cenouras e banheirinhas de plástico para dar banho em bebês. Não entendi muito bem o critério do comerciante para abastecer o seu estabelecimento, mas, pra quem ia ter que dormir no chão em cima de uma folha de jornal, tudo era festa.
Voltamos pra casa. Almoçamos laranjas, que comemos sentados no batente da porta, jogando as cascas despenhadeiro abaixo.
Quando foi anoitecendo, começou a esfriar e fui comunicada que, ou tomava banho frio, ou tomava banho de cuia. Optei por esquentar um balde com água no fogareiro, o que não dava muito certo. Demorava e éramos muitos para tomar banho. Alguns escolheram o banho frio e ficávamos escutando os urros de dor que vinham de dentro do banheiro. Quando a minha cota de água estava mais ou menos morna, entrei no que chamavam de banheiro. Pia, vaso sanitário com descarga de cordinha, box sem cortina. Luz de velas. Entre o chuveiro e o sanitário, um sapo. Não dava pra sair correndo, já tinha me despido. Olhei para a parede do box. Jesus Cristo, de braços abertos, olhava para mim. Disseram que o dono da casa fez aquela pintura depois de tomar um chá de cogumelo e encontrar Jesus face a face. Mas precisava ser no banheiro? Virei de costas para Jesus, de frente para o sapo, lavei as partes essenciais do corpo e pronto.
Hora de dormir. Primeira tarefa: forrar o chão com jornal. São Pedro da Serra fica na... serra. Frio. Depois do chão forrado, colchonetes. Depois, matar todas as baratas que pudéssemos. Depois, deitar um por um, como um joguinho de dominó. Um ficou encarregado de apagar o lampião e todos ficamos proibidos de levantar de madrugada para fazer xixi. Primeiro porque naquele breu havia o risco de esmagar dedos e cabeças, depois porque ia ter que abrir a porta e o vento frio ia entrar, não bastasse o fato de a casa não ter forro e já ventar pela fresta das telhas.
Eu me diverti de monte. Se faria de novo? Só se voltasse a ter dezoito anos.
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