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Se em Mendes eu fazia parte dos “menores” porquanto estivera nas turmas ginasiais inferiores, aqui em Uberaba eu pertencia ao “staf” dos mais velhos.
Ser mais velho, aprendi logo, tinha suas vantagens e também responsabilidades. Eram os mais velhos que escolhiam os times na montagem dos campeonatos de futebol, vôlei, basquete, sinuca, natação etc. Isto dava status, muitas vezes eu era bajulado e paparicado. Verdadeiras lições no trato da vida. Por outro lado, tinha o dever de ser mais esforçado nos estudos. Não coadunava ser líder só das “peladas” e “rachas”, tinha que ter ascendência intelectual e, porque não dizer, moral. Por conta disto, minha colocação nas notas de aula aumentou. Era chamado pelos colegas a dar opiniões em diversas áreas.
Já com quatorze anos, notei mudanças outras que nem imaginava acontecer. O corpo de rapazinho se fazia notar. Comecei a ter dificuldades em participar do coral do colégio onde fora soprano desde que chegara ao Juvenato. Minha voz não obedecia às notas mais altas. Parecia pinto velho gogo transformando-se em frangote: nem piava nem cantava, era um cacarejo rouco.
Papai, congregado mariano, conseguira, para eu ler, desde os sete anos, uns livrinhos que pegava lá na igreja intitulados “Antes que aprendam na rua”. A cada ano de idade um livrinho diferente. Os primeiros informavam como as plantas se reproduziam, o trabalho das abelhinhas, e finalmente a sementinha que papai plantara em mamãe, sem contudo haver aprofundamento no assunto. Antes porém que eu viesse a saber de “outras novidades” saí para o Juvenato.
Se algo se modificava exteriormente em mim, o que diria sobre sentimentos interiores? Mas papai estava tão longe para dirimir minhas dúvidas e questionamentos... Foi quando recebemos a visita de lúcido Irmão Provincial. Com olhos da experiência de pedagogo e guia espiritual viu logo minha aflição. Chamou-me em conversa particular e compreendendo meu estágio de ignorância das coisas da vida pediu-me que elaborasse por escrito uma lista de perguntas sobre o que quer que fosse e que na entrevista seguinte mas responderia. Dito e feito.
Saí da conversação olhando o mundo diferentemente. Percebia agora os meus colegas menores com olhos de superioridade. Eu sabia de “coisas” que eles nem imaginavam. Olhava os mais velhos e adultos com a cumplicidade dos segredos da vida.
E os meus primeiros dias de puberdade foram passando.
Diferentemente de Mendes, pelo confinamento da fazenda, aqui saíamos a passear pela cidade em duplas ou trios. Fui conhecer o parque de exposição dos Zebus cuja capital brasileira da espécie era Uberaba. Terra dos arrozais a perderem-se de vista, identicamente ao feijão apelidado de uberabinha, traziam à cidade um ar de progresso que minha Juiz de Fora não possuía. E nós como que participávamos da vida extramuros.
Facilitados por antigos alunos do Diocesano, fazíamos piqueniques em suas fazendas, beiras de rio e cachoeiras. O Colégio Diocesano, o maior da cidade, oferecia-nos, com seus múltiplos campos de futebol rodeados de mangueiras, oportunidade para praticarmos as peraltices símias.
Findo o ano letivo, novidades bateram à porta. Não fora economicamente viável a manutenção de um seminário naquelas plagas. Voltaríamos no ano seguinte para Mendes.
Um misto de satisfação pelo retorno à antiga pousada. No entanto o medo de perder também a “pose” de maior. Aqui, em terra de cego, quem tinha um olho era rei, lá a coisa deveria ser diferente.
Pela metade do mês de dezembro empreendemos viagem de volta. Retornamos passando por São Paulo. Pelas cidades que cruzamos, Ribeirão Preto, Campinas, São Paulo e outras, tivessem colégios Maristas, lá pousávamos. Conhecemos Aparecida do Norte. O bom, porém, foi trilhar as estradas já antes conhecidas entre Vassouras e Mendes. Entrar na fazenda de São José das Paineiras, nosso destino, foi uma sensação antes não experimentada.
O reencontro com antigos colegas e amigos, tomar conhecimento de outros tantos que tinham desistido da vida religiosa e que lá mais não encontramos, foi impressão mista que ia do contentamento à decepção.
E o ano de 1962 chega ao final com seus encontros, desencontros e reencontros.
Visitem Paulo Chinelate
Um comentário:
Paulo:
Interessante ler a descrição do ano de 62 para alguém com memória tão vívida... Porque 62, pra mim, foi o ano do primeiro choro e das primeiras impressões sobre este mundo.
E continuo seguindo sua novela com muita expectativa...
Abraço.
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