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quinta-feira, 2 de abril de 2009

A Reserva do Cachorro da Lua - por Ana Maria Guimarães Ferreira

Finalmente encontro meus ancestrais: meu avô - Dente de Leão - um cara-pálida que ganhou este nome porque tratava dos dentes de seus irmãos brancos.
Meu tio Lata Lata - outro cara-pálida que ganhava a vida catando, nas matas e nas florestas, latinhas, ajudando assim a mãe natureza e auxiliando a despoluição do planeta Terra.
Meu pai - Grande Chefe Maruá - chefe por longos anos e a quem devo os ensinamentos que me fizeram acreditar que o homem branco, ou o cara-pálida, como ficamos sendo conhecidos, teríamos nossos direitos reservados e preservados e por isso lutou toda a sua vida.
Nossos direitos se estendiam do nosso quintal ao quintal do vizinho.
Tínhamos plantações produtivas de macaxeira, abóbora, chuchu, tomates, alface, manjericão e muitas outras.
Tínhamos ervas que curavam, ervas que nos ajudavam a respirar, que temperavam a carne de caça que comíamos à beira do fogão de lenha.
Nossas terras foram conquistadas em lugares distantes onde ninguém queria morar.
Afastadas das grandes moradas e onde um pequeno igarapé cortava e servia de divisória entre nossas terras.
Nossos terrenos eram pequenos, mas cabíamos nele. Nossos descendentes cresciam e faziam as suas casas dentro de nossas terras e éramos felizes. Éramos o clã da Grande Família.
E o local passou a ser conhecido como a Reserva do Cachorro da Lua.

Não tínhamos invasores. Nem arrozeiros, nem posseiros, nem fofoqueiros, nem maconheiros... todos ficavam longe da reserva, longe das nossas divisas.
Nossas terras não produziam petróleo, não tínhamos madeiras para cortar ou vender, não tínhamos minérios no chão. Tínhamos apenas a paz, a lua para ver e o cão para cuidar da reserva.
Assim vivemos felizes por muito tempo e numa grande nação.
Mas o tempo correu e os brancos foram se mesclando e surgiram novas tribos, novas etnias: os índios, os negros, os pobres, os sem-terra e muitas outras raças e nações.
Se aglomeravam, viviam em bandos, destruíam as plantações sob a égide de querer terras para plantar. A cada ano sentíamos que o ar se tornava mais e mais rarefeito.
Nossas crianças tossiam muito e cuspiam fumaça; não as do cachimbo da paz, mas outras...
Vieram outros cachimbos que destruíam as nações...
Nosso igarapé foi seco e nosso espaço foi sendo espremido e em seu lugar surgiu o grande destruidor - o aranha-céu - aquele que destruía a vista dos céus... e surgiam mais e mais, até que surgiu o grande aranha-céu: o shopping.
Nossa terra foi ficando pequena demais e fomos sendo empurrados, empurrados cada vez mais para longe da terra dos nossos ancestrais... Acabamos sob a ponte onde se aglomeravam vários clãs.... Não mais víamos a lua e os cães pararam de latir.
E nós, caras-pálidas da Reserva do Cão da Lua, viramos caras sem eira nem beira, sem lugar para ficar ou para morar... sem teto, sem morada.
Sem proteção...
Hoje não temos direito a mais nada. Nem latinhas para catar (existem as cooperativas), sem dentes para curar (existem os convênios); nada mais nos restou.Nossos direitos foram sendo tomados e hoje ficamos enjaulados em casas com grades e de lá ficamos vendo o mundo onde marginais caras-pálidas e de outras etnias dominam a nossa reserva, a nossa vida, inclusive a nós.
Nossa reserva não passa de um metro quadrado onde nos acotovelamos. Não temos mais a Lua que deu nome à reserva e nem os cães, pois a fome nos fez fazer deles o nosso alimento.
Assim, Grande Chefe Branco, escrevemos esta carta para que nos dê um local onde nós, caras-pálidas, que cultivamos, trabalhamos, pagamos impostos, possamos recomeçar a plantar, a acreditar e a viver de acordo com todas as tribos que foram privilegiadas e para que possamos ter os mesmos direitos que nossos ancestrais tiveram: de viverem em sociedade, de serem livres, de terem segurança, saúde, alimento e paz!



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Um comentário:

Ana disse...

Ana Maria:
Aqui você conseguiu reunir várias questões difíceis num só texto!
Muito bom!
Gostei!