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sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Escutar ou Não Escutar? - por Daisy

Minha avó paterna era tão vaidosa que nunca deixou nenhum neto chamá-la de vó; era a Dinda.

Dinda ficou viúva muito cedo, aí pelos seus 30 e poucos anos, com 3 filhos e já grávida novamente.

Meu avô, um oficial de marinha, havia já morado na Inglaterra com a família, por uns anos, acompanhando a construção de um navio. Estava trabalhando na base naval do Ladario quando faleceu. Seu melhor amigo, num acesso de loucura - coisa, que só foi esclarecida mais tarde - deu um tiro no meu avô. Saiu do navio correndo. Foi para sua casa. Suicidou-se, incendiando a casa.
No meu imaginário de menina, essa história ganhava matizes de romance, de filme. O orgulho que meu avô despertou em mim, orgulho de herói, sempre me acompanhou.

Meus avós viveram uma curta, mas muito intensa, história de amor. Ele viajava sempre e, naquela época, o único meio de comunicação era a carta. Essa ia e vinha, quase que diariamente, onde quer que ele estivesse. Quando minha avó morreu, já havia pedido para minha prima que a enterrassem com as 2000 cartas que guardava em uma caixa linda que a gente não podia tocar; só olhar!

A caçula, que nasceu alguns meses depois da morte do meu avô, tinha o meu nome. Dizem que era muito inteligente, à frente de seu tempo. Estudava odontologia. E, destino cruel, se apaixonou por um homem casado. Não se concebia isso, então. Sem nenhuma alternativa honrosa, sem conseguirem romper o relacionamento e sem que ninguém soubesse, decidiram fazer o que para eles era a única saída. No dia de sua formatura, após a festa, engoliu um comprimido de cianureto, enquanto ele fazia o mesmo em sua casa. A Dinda nunca soube disso e, muito menos, da carta de despedida pedindo desculpas que a filha havia deixado para a mãe.
Como gostaria de ter conhecido minha tia e xará!!! Durante muitos anos de minha adolescência, cheguei a ter raiva dela ter se matado, sem ter me dado a chance de conhecê-la. Já mulher, consegui entender e até mesmo partilhar seu drama.

Muitos anos depois, meu pai trouxe a Dinda para ficar uns tempos com a gente no Rio. Dinda tinha todo um ritual para se arrumar. Ela mesma fazia um creme, talvez o que se pudesse chamar de base. Era uma receita toda misteriosa que ela só dividiu com a minha mãe. Elas iam para o fogão e ficavam horas mexendo um panelão, onde se via um líquido grosso bem branco. Depois de frio, era hora de encher os vidrinhos. Curiosa, como sempre fui, fiquei sabendo que não podiam ser vidros grandes, pois o creme precisava ser logo usado para não se solidificar rapidamente. Então, antes de usar, tinham que chacoalhar bem o vidro para que o creme branco depositado no fundo se misturasse àquela água turva acima dele.

Dinda ficava um tempão em frente ao espelho da pia do banheiro. De um lado, sua caixa mágica de papelão, onde eu encontrava milhares de novidades. Do outro lado, um cinzeiro com seu inseparável cigarro. Para meu pai parar de aborrecê-la com o cigarro, e as manchas amarelas nos dedos, ela desenvolveu um truque: segurava o cigarro com um grampo de cabelo e assim não manchava mais os dedos. Fumou até morrer sem qualquer problema.

Mas, voltemos ao espelho da pia. Chacoalhava o vidrinho do creme branco e pegava um chumaço de algodão, que embebia no creme. Ia espalhando sobre o rosto enrugado com uma precisão matemática. A pele ficava bem clarinha, toda por igual!
Aí, passava para os cabelos, que eram finos, já escassos e totalmente brancos. Desbastava-os, para dar mais volume, e ia ajeitando e prendendo com uns pentinhos pequenos e curvos também brancos – para não aparecer, é claro! Um baton bem claro finalizava a sessão.

Que saudade de tudo isso! Como era bom ficar lá admirando aquela pessoinha – ela era tipo mignon – tão sofrida e tão meiga ao mesmo tempo. Ela tivera uma vida bem dura depois que meu avô morreu. Criara os quatro filhos comandando uma pensão, por onde passaram ilustres figuras do cenário político do país.

Dinda era surda e usava um aparelho complicado. Não havia esses pequeninos que quase nem se vê. O dela tomava conta da orelha, e dele descia um fio que se ligava a um estojo – parecendo um celular grosso – que ela prendia na frente do vestido.
Era muito engraçado vê-la ao telefone. A parte que ficaria no ouvido, ficava em frente ao estojo, e o bocal ficava para cima, onde ela falava!!
Às vezes não respondia, quando a chamávamos. Consegui descobrir que fazia isso de propósito. Quando estava cansada do barulho - havia muita estática - simplesmente desligava o aparelho, e ficava em paz. Já no fim da vida, motivada por meu pai, tentou uma operação que lhe devolveu a audição. Glória!! Morreu escutando!
Fico a pensar se não teria preferido continuar com o aparelho, para poder desligá-lo de vez em quando...
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