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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Memórias Plúmbeas - por Ana

Recordei de coisas que vivi nesta época também...
Não cheguei a ler os livros proibidos ou a me filiar a nenhum grupo de esquerda, mas conheci, no colégio, pessoas que participavam de grupos que estavam preparando a luta armada. Tive um amigo que me mostrou, na casa dele, um taco solto embaixo de sua cama sob o qual escondia os malditos: “As Veias Abertas da América Latina” (se bem me lembro), “O Capital” e outros disfarçados com outras capas, como você relata.
Foi um tempo difícil, extremamente complicado...

Um rapaz do terceiro ano estava sempre lendo sozinho na hora do intervalo; aquilo me chamou a atenção e um dia eu me aproximei para conversar. Eu disse oi e ele respondeu:
- “Conheço você através de outras pessoas daqui com as quais encontro lá fora. Gostaria de me tornar seu amigo, mas não é hora para isso, infelizmente. Não devo ter amigos ou vínculos, porque a qualquer momento posso desaparecer e não devo envolver ninguém em minhas decisões e atitudes. Eu sei que você me entende.”
Eu me afastei com tristeza, compreendendo e lamentando pelo futuro dele. E, realmente, alguns dias depois, ele “caiu”.

Nas salas de aula, os professores de História e Geografia viviam tensos, revoltados, pois não podiam se expressar como gostariam e tinham sempre que se apresentar ao DOI-CODI.

Um professor de Administração, que tinha sido líder sindical, resolveu ignorar aquilo tudo e começou a falar, nas aulas, sobre sindicalismo e a situação do país. Lembro que um dia, repentinamente, ele parou o que estava explicando no meio de uma frase, abaixou a cabeça pensativo e começou assim:
- “O que acho mais triste nisto tudo é olhar para uma turma de 2o grau e ficar imaginando se há e quem é espião do governo aqui. A maioria dos professores se cala, e com razão, mas isso não está certo. E, a partir de hoje, eu não quero nem saber se serei denunciado, preso ou torturado por delação de algum de vocês. É impossível ficar falando de fluxogramas enquanto o país se encontra nesta situação. Nossas aulas vão tratar de política e ninguém é obrigado a comparecer.”
E assim ele fez. Duas patricinhas nunca mais assistiram às suas aulas, mas o restante da turma continuou comparecendo (e olha que as aulas eram aos sábados e só as dele!) até que fomos informados, pela direção, de que ele não daria mais aulas pois havia abandonado o magistério. Nunca mais soubemos dele.

O toque de recolher, os militares e PM’s fazendo o que bem entendiam em nome do governo... Foi assustador. Ninguém confiava em ninguém, qualquer um poderia te entregar... Até assuntos como hippies, oposição à Guerra do Vietnã eram considerados perigosos. Falar que não queria servir por não gostar de militarismo era dito em voz baixa. Muitos colegas meus serviram (quando poderiam ter conseguido dispensa) apenas por medo de serem considerados traidores.

É... Muitas coisas vi, ouvi e vivi nesta época...
Por isso, apesar de não ter partido político, eu fui ao comício do Lula e me emocionei, junto com aqueles milhares de pessoas. Não pelo candidato, não pelo PT, mas porque, pela primeira vez na vida, eu estava tendo contato com a liberdade. Apesar dos inúmeros agentes militares disfarçados que se misturavam à multidão.




Comentário em Aquele Livro..., de Cacá.
Eduardo Galeano, Karl Marx

4 comentários:

Caca disse...

Ô Ana, então você pode sentir um pouco do chumbo grosso do período. O meu pai era sindicalista e a gente quando criança, sem nada entender, convivia com bombas sendo jogadas em nossa casa de vez em quando. Minha mãe dizia que eram malandros soltando foguetes, para amenizar nosso pavor. Se não fosse um delegado de polícia que foi colega dele de infância e coincidentemente estava de serviço em nossa cidade naquela época, provavelmente ele teria ido aos porões da tortura. Obrigado pelo seu comentário em meu texto. Meu abraço fraterno. Paz e bem.

Alba disse...

Lamentável tudo isso! Parece que passou. Mas, de vez em quando a gente se surpreende com padrões que, apesar de tudo, ainda se mantém e permitem que observemos desmandos e absurdos até hoje. Digo isso porque trabalho como civil num hospital militar, o mesmo onde morreu meu avô, covardemente apagado por desafiar "as regras". E assim caminha a desumanidade como diz a Ana. Abraços.

Ana disse...

Cacá:
Algumas pessoas (como nós) viveram de muito perto as agruras deste tempo... Foi um tempo triste mesmo...
Agradeço muito seu comentário.
Beijo.

Ana disse...

Alba:
É verdade... Concordo com você.
Beijos.