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domingo, 26 de julho de 2009

Post Inesquecível do Duelos - Indicado por Ana

Hoje indico uma das crônicas inesquecíveis do Bruno D’Almeida. Esta é magnífica! Não só pelo tema e pelo humor, mas também pela genialidade da composição e do desfecho. Espetacular! Uma das melhores, com certeza! Vocês que o acompanham, como eu, sei que vão me dar razão. Adorei, Bruno! Não canso de ler e de rir!



UM ALUNO DORMINDO NA JAULA DE AULA
(BRUNO D’ALMEIDA)

Eu não consigo prestar atenção às aulas de gramática e durmo o tempo todo. Meu professor é muito esforçado, usa letras de música, faz milhares de dramatizações camonianas, o problema é que não vejo utilidade alguma no que ele ensina. Não, eu não sou nenhum terrorista da língua ou contra as regras e convenções da linguagem. Não quero colocar meus professores em um pelotão de fuzilamento. Apenas acho meu sono muito mais importante do que a diferença entre um adjunto adnominal e um complemento nominal.

Meu querido professor pensa que me ridiculariza quando me acorda durante suas aulas e me passa um sermão da montanha. Diz que eu nunca vou ser alguém na vida. Blá. Que estou desafiando sua autoridade. Bla-blá. Que estou perdido na matéria dele. Bla-bla-blá. Faço uma cara de “e daí” e todos dão gargalhadas. Todos estão rindo do professor e não de mim. É uma pena colocar uma pessoa no meio da roda e rir. Mas se ele quer ser o bastião de uma língua que só existe nos manuais do bem falar, problema dele. A minha língua é muito mais rica e fascinante. Muito mais.

Por que eu devo estudar uma norma padrão culta se as próprias pessoas cultas não praticam essa norma? Por que eu devo falar de uma maneira tão sisuda ao ponto de fugir da realidade e me afastar das pessoas? Por isso eu durmo, durmo e sonho com palavras feitas com massinhas de modelar, se modificando de acordo com o meu desejo, dando forma aos meus pensamentos, minhas declarações de amor e de ódio, dialogando ideias distorcidas de convenções e embebidas de sentimentos. A minha língua é viva e beija o infinito das palavras, não se prende às mordaças de papel velho sujo de ácaro e de nostalgia.

Se eu pudesse ser um professor de gramática, incendiaria todos os manuais artificiais da língua. Queima! Eu daria livros e livros de histórias reais e imaginárias aos meus alunos. Aprendi a falar conversando com o mundo. Aprendi a ler de verdade com a cara nos livros. Queima! Nenhum manual de gramática me ensinou mais sobre pontuação do que os ensaios sobre a cegueira do escritor português Saramago. Qualquer aula de vocabulário é o chulé do povo brasileiro de João Ubaldo. Queimem todas as gramáticas! Aprendi mais sobre estrutura narrativa nas tragédias de Shakespeare. Eu não preciso fazer classificações sintáticas para ler ou dizer o que penso.

Sinto muito, meu professor perdeu todo respeito quando me mandou fechar um livro de Tolkien para tentar me ensinar uma voz passiva sintética. Respondi a ele com um palavrão seguido da partícula “se”. Por isso meu professor grita e cospe na minha frente e eu durmo. Eu sinto pena de alguém que não acredita no que ensina. Eu até que ficaria acordado se ele me mostrasse um mundo de palavras reais. Mas ele é um pobre coitado, amordaçado nas regras que a sociedade criou para nos afrontar com o poder e a tirania da linguagem. Ele me expulsou da sala e nem percebeu que tinha falado o que ele queria ouvir. Uma voz passiva sintética bem reflexiva. Por isso eu durmo. Que horas são?




William Shakespeare, José Saramago, J. R. R. Tolkien.

2 comentários:

Bruno D'Almeida disse...

Ana,

Obrigado pela lembrança! essa crônica virou curta-metragem. Tenho andado tão corrido que dei uma pausa nos escritos...mas estou me preparando pra voltar com tudo! Beijos!!!!!

Ana disse...

Bruno:
Esta crônica eu tinha que indicar! É uma das melhores! Rolo de rir só de lembrar dela.
O curta deve ter ficado demais! É de sua autoria também?
Que bom que você está voltando! Tá fazendo falta!