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O ENXOVAL
Não consigo dormir. Já lá se vai a metade da madrugada. Abraçado ao travesseiro, totalmente coberto pelos edredons, frio intenso, a imagem do jantar, a conversa, as atenções todas dirigidas a mim. Tudo isso me excitou. Confesso ainda estar meio atordoado com toda a novidade. Mamãe deixou transparecer tristeza. Acho que são coisas de mãe mesmo porque papai era só alegria. Trocadas as necessárias informações papai desarrolhou uma velha garrafa de vinho do taberneiro Seu Tonico. Sopas servidas, devoradas. O homem, cruzes, o padre, foi-se embora.
Me lembro agora, é mesmo, tinha me esquecido: viajarei em janeiro. Estamos em final de outubro. Tempo bastante para o enxoval. Nossa, que significa isso? Amanhã cedo vou perguntar pra mamãe.
Não sei como dormi, sei o quanto: quase nadinha. Olhos ainda vermelhos fui, apesar do sono, o primeiro a chegar na cozinha. Mamãe como sempre já ligara o novo fogão a querosene. O cheiro do combustível entra ardoso em minhas narinas. Mamãe se surpreende comigo, sempre o recalcitrante ao se levantar da cama. Vem de lá em minha direção e larga um quente, não costumeiro, beijo em minha testa. Agora noto que não são só meus olhos que estão vermelhos. Os dela, além da cor de carmim, estão inchados. Acho que ela estava chorando, igual quando tinha suas enxaquecas. Me lembrei do seu olhar sizudo durante a conversa no final da noite. Acho que chorava já de saudades do filho mais velho que partiria em breve.
Serve meu café com o pãozinho que o padeiro, de madrugada ainda, deixou na janela.
Pergunto a ela o que era o tal enxoval. Responde-me que eram roupas e objetos necessários no novo colégio, seminário, que eu ia ingressar.
Fiquei calado, sem mais perguntas, só angústia. Roupas e demais objetos… Uniformes? Sapatos? O que mais seria? Puxa vida, logo agora que papai está praticamente sem trabalho! O que fazer?
Hora de ir para o Grupo Escolar.
Uai! Que está havendo? Fiz a inspeção da turma hoje e apesar de muitas unhas sujas e camisas amarrotadas não obtive nenhuma ameaça de me pegarem lá fora. Ao contrário, por onde passei os olhares eram de respeito. Até a minha professorinha peguei-a apontando-me à diretora e cochichando. Acho que já me consideram um cardeal.
Como é sexta-feira, vou passar depois da aula na casa da minha catequista. Vou pegar os jornais para vender na igreja, domingo, à saída da missa.
D.Ana é uma maternal tiazona. Solteira, dedica-se à nobre causa de ensinar religião. Dizem que é hábito antigo. Ela já tem uns sessenta anos. Meiga, mãos tremosas, mas sempre afáveis. Voz também tremeluzente, muito emotiva. Mais uma que demonstrou pungente alegria pela notícia sobre minha ida para o seminário. Mas, nem sei porque, confessei a ela minha preocupação com o tal enxoval. Talvez eu nem pudesse completar o intento de tal aventura.
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O ENXOVAL
Não consigo dormir. Já lá se vai a metade da madrugada. Abraçado ao travesseiro, totalmente coberto pelos edredons, frio intenso, a imagem do jantar, a conversa, as atenções todas dirigidas a mim. Tudo isso me excitou. Confesso ainda estar meio atordoado com toda a novidade. Mamãe deixou transparecer tristeza. Acho que são coisas de mãe mesmo porque papai era só alegria. Trocadas as necessárias informações papai desarrolhou uma velha garrafa de vinho do taberneiro Seu Tonico. Sopas servidas, devoradas. O homem, cruzes, o padre, foi-se embora.
Me lembro agora, é mesmo, tinha me esquecido: viajarei em janeiro. Estamos em final de outubro. Tempo bastante para o enxoval. Nossa, que significa isso? Amanhã cedo vou perguntar pra mamãe.
Não sei como dormi, sei o quanto: quase nadinha. Olhos ainda vermelhos fui, apesar do sono, o primeiro a chegar na cozinha. Mamãe como sempre já ligara o novo fogão a querosene. O cheiro do combustível entra ardoso em minhas narinas. Mamãe se surpreende comigo, sempre o recalcitrante ao se levantar da cama. Vem de lá em minha direção e larga um quente, não costumeiro, beijo em minha testa. Agora noto que não são só meus olhos que estão vermelhos. Os dela, além da cor de carmim, estão inchados. Acho que ela estava chorando, igual quando tinha suas enxaquecas. Me lembrei do seu olhar sizudo durante a conversa no final da noite. Acho que chorava já de saudades do filho mais velho que partiria em breve.
Serve meu café com o pãozinho que o padeiro, de madrugada ainda, deixou na janela.
Pergunto a ela o que era o tal enxoval. Responde-me que eram roupas e objetos necessários no novo colégio, seminário, que eu ia ingressar.
Fiquei calado, sem mais perguntas, só angústia. Roupas e demais objetos… Uniformes? Sapatos? O que mais seria? Puxa vida, logo agora que papai está praticamente sem trabalho! O que fazer?
Hora de ir para o Grupo Escolar.
Uai! Que está havendo? Fiz a inspeção da turma hoje e apesar de muitas unhas sujas e camisas amarrotadas não obtive nenhuma ameaça de me pegarem lá fora. Ao contrário, por onde passei os olhares eram de respeito. Até a minha professorinha peguei-a apontando-me à diretora e cochichando. Acho que já me consideram um cardeal.
Como é sexta-feira, vou passar depois da aula na casa da minha catequista. Vou pegar os jornais para vender na igreja, domingo, à saída da missa.
D.Ana é uma maternal tiazona. Solteira, dedica-se à nobre causa de ensinar religião. Dizem que é hábito antigo. Ela já tem uns sessenta anos. Meiga, mãos tremosas, mas sempre afáveis. Voz também tremeluzente, muito emotiva. Mais uma que demonstrou pungente alegria pela notícia sobre minha ida para o seminário. Mas, nem sei porque, confessei a ela minha preocupação com o tal enxoval. Talvez eu nem pudesse completar o intento de tal aventura.
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Visitem Paulo Chinelate
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Um comentário:
Paulo:
Estou adorando sua história!
Venho ao Duelos, agora, torcendo para encontrar o passado deste seminarista.
Muito bom!
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