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sábado, 25 de abril de 2009

Escrever - por Alba Vieira

Sempre se escreve sobre si mesmo. Talvez seja apenas isso: uma explosão repentina no ser que precisa ser aliviada. Eu escrevo estilhaços de pensamentos que, de repente, caem na minha cabeça. Tudo é fragmentado como a própria vida. A questão de cada um é juntar os pedaços, descobrindo o relacionamento que há entre os fatos, exercendo dessa forma a compreensão.
Quando escrevo tenho medo, porque me sinto despida, me revelo para os outros, sinto-me, por vezes, em carne viva, esfolada de minha proteção. Talvez seja por isso que minhas mãos ficam vermelhas, coçam tanto e esfolam. Eu quero me revelar. Eu busco me mostrar para mim mesma.
Só sei escrever assim: sem enredo, sem preparação, apenas dando vida ao que vai jorrando, brotando de mim.
Há tempos comprei uma máquina elétrica para escrever meus textos. Mas, doce ilusão, ainda não consigo, até hoje, acompanhar, com o teclado, a rapidez das ideias. Gosto mesmo é de escrever com a caneta deslizando pelo papel. Acho tão bonito esse movimento! É fluxo, é um escorrer de idéias, de sensações, de impressões...
Muitas vezes, quando espio pela janela do ônibus, surgem mil reflexões, todas elas geradas pelos cheiros que eu capto da vida. Enquanto os ônibus correm, os odores vão chegando, me impressionam e logo mudam para outros que trazem novas cenas que se desenrolam na minha mente. É incrível a velocidade em que o mundo vai acontecendo! Quanta coisa existe para percebermos com os sentidos! As imagens que entram pelos nossos olhos, os perfumes que se sucedem marcando acontecimentos, os ruídos que nos transportam para mundos diferentes. Como a realidade é rica de coisas e como elas nos fazem voar! Como cada um pode ser tão rico quanto quiser, quanto for capaz de enriquecer suas percepções! E o toque? A sensualidade é mansa e doce. Pensar, sentir, voar. Voar para mais alto, acima de todas as coisas. Integrar realidade e fantasia. Soltar as asas e ensaiar voos cada vez mais plenos de sentir. Quanta riqueza em cada um de nós! Quanta beleza presente, pronta para ser captada por todos que se sentem aptos a viver de fato! O imaginário é, a um só tempo, nosso servo e senhor.
Sensibilidade, estar à flor da pele, ansiar por doçuras, estar acima de todas as coisas, pensar somente com o coração. Tudo faz sentido. Tudo, de repente, fica belo.
Hoje pensei num trem. Tantas analogias passaram pela minha cabeça! Um trem é tão presente, é um impulso, sem freio, é continuidade, é perseverança, é destino. É um desenvolver aos poucos, é um balançar, é um barulho contínuo. É imponente, se visto de frente. Pode ser ameaçador. É dor pungente, de saudade, se visto de costas. É belo e convidativo ao olhar, se olhado de lado. Somos nós nas suas janelas. E aí tudo passa pela gente. O trem corre ou são as coisas, o mundo que corre? Somos nós que passamos pelo mundo ou será o mundo que desfila aos nossos olhos? Fico me imaginando dentro de um deles. Não me importo se há requinte no seu interior. Eu gosto de requinte, de cuidados, mas prefiro a simplicidade. O que me atrai de fato é percorrer longas distâncias olhando pela janela. É poder ver o mundo passar por mim, é essa alma de voyeur, é a experiência da impermanência de todas as coisas. Eu vibro quando consigo captar não só imagens como também cheiros que me transportam para outras realidades. Sei que os odores que impregnam meu nariz sensibilizam áreas nervosas que são então integradas no cérebro e me despertam emoções. Adoro a fluidez das informações chegando. São tantas vidas a passar pelos meus olhos! Vidas que me fazem deflagrar outros sonhos. Vibro com a realidade que vejo e com os sonhos que cada fato real me desperta. É uma riqueza imensa que brota de dentro de mim. É vida sobre vida.
Para mim, isto é estar aberta. É sempre que o mundo me impressiona. É quando eu me conecto com o exterior. É quando o que vai por dentro de mim consegue romper as barreiras e extravasar. Adoro esta palavra: extravasar. É ir além, romper limites. É ir subindo devagar, transbordando, espalhando-se.
Música também me atinge em cheio. Ouço Je t’aime e fico trêmula. Porque hoje estou à flor da pele. E estar assim é estar viva, mesmo que isso aconteça somente às vezes. Fora isso, me sinto uma máquina de realizar. Realizo, faço, cumpro, venço, produzo. E é tão bom ser só sentidos, estar à janela do trem e ver o mundo passar. E sentir, sentir, deixar-se levar. Ser somente. Nada a fazer. Não fazer. Soltar-se. Soltar as amarras e ir à deriva, mar afora. Trem solto dos trilhos. Pássaro sem asas.



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2 comentários:

Clarice A. disse...

Alba
Também não consigo escrever no teclado, preciso de papel e lápis ou caneta, gosto de sentir a mão deslizando no papel, a escrita meio bagunçada, as idéias chegando e eu registrando. Ordena-las é o próximo passo e, ainda surgem coisas novas. Não é porque não consigo teclar na velocidade do pensamento,acho que isto pode ser treinado, é porque com a folha de papel é completamente diferente.
Aonde nossos sentidos nos levam, também é muito bom.
Um beijo
Clarice

Ana disse...

Muito bonito, Alba!
Adorei! Principalmente o final!
Beijo.