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domingo, 26 de abril de 2009

A Bagaceira da Leitura do Mundo - por Bruno D’Almeida

Aprender a ler foi uma das coisas mais fantásticas que ocorreram na minha vida. Era um toquinho de gente descobrindo o mundo, quando pude perceber que ele era bem maior, era de um tamanho que não cabia naquele bolso sujo de balas, chicletes e outras porcarias que um guri de cinco anos costumava guardar e engordar. Eu aprendi a ler por uma necessidade, um fio condutor entre o desejo de devorar o mundo e decifrar as letras impressas em qualquer superfície.

Recebíamos em casa cartas de familiares de Salvador, pois tínhamos mudado para Aracaju. Meus pais sempre diziam que meu tio havia mandando lembranças, que minha madrinha estava morrendo de saudades, que meu primo Jean tinha jogado água na televisão e outras milhares de etecéteras. Eu via meu velho com os olhos grudados naquele papel rabiscado e imaginava que era mágica. “Pai, como você consegue entender as coisas que estão aí nesse papel?” Ele respondeu com um “sente aqui, meu filho, vou lhe explicar”. Pronto. A bagaceira da leitura começou ali, fiquei doido quando comecei a juntar as sílabas de bola, uva, casa e paralelepípedo.

Minha brincadeira virou a brincadeira de aprender a ler. Ficava com um caderno na mão atrás de mainha, pedindo pra ela me dizer palavras para eu escrever. E até hoje não me conformo pelo fato de a palavra balde não ser baude. Meu pai chegava de noite e me mostrava as benditas cartas, eu me achava o máximo saber que tia Pinha vinha passar as férias lá em casa, e que meu primo Jean estava virando um terrorista de verdade, agora tinha tocado fogo na televisão e atirado pela janela.

O próximo passo foram as histórias em quadrinhos. As palavras deixaram de ser soletradas, ficava feliz em bater o olho no texto e o significado das palavras aparecer num instante. Eu era leitor de bulas de remédio, outdoors, páginas de revistas, livros, jornal e queria até ver se dava pra ler alguma palavra naquele miserável papel higiênico rosa, tipo lixa, enquanto sentava no trono e me sentia rei. Rei das palavras.

Eu podia ler que um rapaz morreu atropelado na Avenida Brasil, podia ler Drummond dizer que o stop da vida parar era por conta do automóvel, eu lia que um tal de Figueredo mandou que o povo o esquecesse. Lembrava da letra de Cazuza gritando que o tempo não pára, eu li uma receita de bolo na primeira página censurada pela ditadura no jornal O Estado de São Paulo. Li que o mundo ia acabar por causa da bomba atômica. Eu misturava tudo num liquidificador chamado cabeça e aprendi a dizer o que penso e acho de tudo.

Mas a coisa mais importante que li na vida não foi nada disso. O que eu li de verdade estava nas entrelinhas, escondida nos cantos de todos os textos que passaram pelos meus olhos. Eu lia, lia, lia e percebia que ali estava uma fonte inesgotável de conhecimento. Por isso não vou te dizer qual foi a coisa mais incrível que li na minha vida. Se você quiser saber, mas saber de verdade, neste exato momento, pegue o primeiro texto de uma coisa que você curte muito e leia agora mesmo. Garanto que vai descobrir.




Visitem Bruno D’Almeida
Carlos Drummond de Andrade.

2 comentários:

Casé Uchôa disse...

Bela crônica, Bruno.
Parabéns!
Me lembra um rapazinho de 5 anos que tenho aqui em casa (coincidentemente, em Aracaju) e que está passando por essa fase de querer ler tudo o que vê pela frente.
Que ele siga o seu exemplo!
Um abraço.

Ana disse...

Muito legal, Bruno!
Mais uma demais!
Um abraço!