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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A Simpática Convivência com Meu Tio Nilo e suas Histórias Maravilhosas! - por Jorge Queiroz da Silva

Meu tio Nilo foi um dos meus sete tios.
Tendo nascido de parto prematuro aos seis meses de gestação teria menos possibilidade de viver com saúde, ainda mais numa época em que tudo era muito complicado. Como dizia minha mãe, nascer era tão problemático como morrer.
Lembro que, nas histórias de família, mamãe contava que o seu primeiro berço foi uma caixa de sapatos, pois como prematuro de extremo risco, necessitava de cuidados muito especiais para sobreviver.
Podemos imaginar a dificuldade da família para que na altura dos seus vinte anos, sem qualquer recurso especial, ele pudesse ser considerado uma pessoa de saúde normal.
No entanto, de todos os meus tios, era o mais inteligente, embora tivesse o menor grau de instrução.
Em compensação foi, durante toda a sua vida, o melhor dos tios e o que mais valeu à minha mãe, sendo sempre o seu fiel escudeiro.
Morou em nossa casa até o término da sua vida e era um ser bem diferente dos demais.Não tinha muito juízo, mas alegrava todos os nossos almoços de domingo com suas brincadeiras e grande otimismo.
Era quem ajudava financeiramente a minha mãe, visto que a contemplava com um pouco do resultado das gorjetas que recebia.
Agradava assim minha mãe pelos cuidados especiais que lhe devotava com o bom trato de suas roupas e com sua alimentação. Aliás, minha mãe tornou-se sua protetora desde a morte de sua mãe.
Na época, apesar da pouca idade em relação a ele, sempre cuidou para que ele pudesse ter algum rendimento que lhe garantisse o dia de amanhã.
Deu-lhe algumas idéias para que ele pudesse ter algum dinheiro, um ganho como autônomo, pois era um participante ativo das nossas noites cariocas, no Edifício Avenida Central, na Avenida Rio Branco.
Sempre nos dias de Natal e Ano Novo ele fazia questão de brindar a todos com uma pequena lembrança e não nos poupava dos seus famosos e engraçados discursos otimistas, nos quais sempre dizia que todas as pessoas daquela mesa de ceia um dia ainda iriam se banhar em muito dinheiro!
E era aquela saudação na passagem de cada ano, que sempre nos trazia alguma alegria porque, em segundos, ele nos transformava em raros milionários na sua forma otimista de nos ver, falando com bastante ênfase, de pé, na cabeceira da mesa de Natal.
Não possuía nenhum certificado escolar ou profissional, apenas uma carteira de identidade, mas, mesmo assim, conseguia ganhar dinheiro como ninguém.
Causava inveja a muitos chefes de família, com os ganhos recebidos com um subemprego, o de abrir as portas dos carros na entrada do Jóquei Clube do Brasil, na sua antiga sede na Av. Almirante Barroso.
Era um guardador dos carros oficiais que, naquela área, ficavam sob sua responsabilidade. Trabalhou ali por mais de trinta anos.
No exercício do seu trabalho teve a oportunidade de se aproximar, naturalmente, de todos os Ministros, Juízes, Senadores, Deputados e até mesmo do Presidente da República, o Getúlio Vargas, chegando, nessa oportunidade, a abrir as portas do carro do consulado americano que conduzia o Presidente Roosevelt, freqüentemente no Brasil, faturando a sua primeira gorjeta em dólares. Também servia nas portas dos Clubes, inclusive o Clube Naval.
Era muito o que ganhava com as gorjetas, abrindo as portas dos automóveis luxuosos dessas autoridades, visto que empatizava com todos.
Minha mãe sempre dizia que se ele tivesse tido juízo, teria feito um excelente pé-de-meia.
Por trabalhar na rua e devido a sua grande facilidade de ganho, dele se aproximavam também as prostitutas, os homossexuais, os mendigos e os cachaceiros das noitadas, que se faziam de amigos para levá-lo para beber, com a finalidade única de lhe tomar dinheiro.
Ele se trajava sempre com roupas de primeira qualidade, e o interessante é que nunca gastou o dinheiro do seu trabalho para comprar suas vestimentas e sapatos, pois ganhava daquelas autoridades. Às vezes, com orgulho, exibia um par de sapatos que não usava em respeito ao dono, o Getúlio Vargas.
Infelizmente, a bebida que lhe faziam pagar na rua não só prejudicava o resultado do seu trabalho e ganho como, também, o levava a um estado de total embriaguez, que o fazia até dormir pelas calçadas da cidade.
Quantas e quantas vezes eu, ainda menino, com muita pena, tentava levantá-lo do chão frio e até molhado pela chuva.
Quando ele conseguia chegar em casa, normalmente estava totalmente sujo, o que causava um impacto pela desconexão com sua roupa alinhada.
Cheirando mal, levava minha mãe ao desespero quando, entrando pela porta da nossa casa, gritava por ajuda, fingindo estar sendo vítima de forte dor de barriga.
Lembro-me de minha mãe clamando por Deus do Céu, Jesus Cristo e Nossa Senhora, enquanto mandava que ele fosse direto para o banheiro, pegasse as roupas e as jogasse no molho, direto no tanque de roupas, para que depois cuidasse delas.
Mesmo assim, com todas as dificuldades da vida, ele sempre foi, dos meus tios, o mais honesto, o mais consciente com a minha mãe, aquele a quem eu mais respeitava e com quem mais conversava.
Recordo-me de que me trazia balas e pequenos brinquedos, ajudava ainda nas compras de meus cadernos e livros escolares.
Era dono do maior otimismo de vida, pois a convivência que ele manteve com autoridades e políticos sempre o levou ao delírio!
Foi um importante personagem na minha vida infantil, que me fez ouvir pela primeira vez o nome de milhões de contos de réis, a moeda da época, muito difícil de se ganhar. Duvido muito que, se qualquer outra pessoa que mantivesse um papo com ele de, pelo menos dez minutos, não passasse a se sentir um grande milionário!
Lembro também que, às vezes, meu pai, muito nervoso com suas histórias, queria expulsá-lo lá de casa, principalmente por ele fazer minha mãe passar por todos aqueles momentos inconvenientes.

Eu era ainda um menino e a história mais incomum que ouvi a seu respeito foi aquela em que ele, na tentativa de imitar os guias espirituais de minha mãe e de outras pessoas que eram ligadas à religião, se instalou na casa de uma mulher de vida fácil.
Lá longe de nossa casa, na Baía da Guanabara, se fazia passar por um guia conselheiro, incorporando simuladamente o “Caboclo Mamador” que baixava dizendo:
- “Caboclo Mamador, Caboclo quer mamar.” E só atendia as mulheres mais jovens residentes naquela região, onde ele era totalmente desconhecido.
Além de ganhar pelos trabalhos, ele ainda criava, em volta dele, um circulo só de mulheres jovens que, curiosas e ansiosas para obterem os milagres da vida em relação a casamento, obedeciam as suas ordens quando pedia que colocassem seus seios para fora. E ele saía mamando e repetindo que, ao mamar, ele traria bons fluidos às consulentes. Daria força às mulheres para arranjar um bom casamento com um rico pretendente ou um bom emprego.
E eu só vim a saber dessa história depois que os jornais de Niterói noticiaram a fama do Caboclo Mamador.
Não preciso dizer que ele foi detido, os jornais fizeram publicação a respeito, mas felizmente para ele, por ser réu primário, foi liberado pela polícia depois que fizeram o pagamento da fiança.
Portador de leve deficiência mental, uma leve esquizofrenia, foi ainda apoiado pela própria justiça, que classificou as mulheres que lhe deram o seio para mamar de sem-vergonhas, inexperientes, frisando que elas colaboraram diretamente para que ele se utilizasse daquela farsa espiritual!
Lembro também da tristeza de minha mãe quando soube das notícias que corriam nos jornais. Repetia sem parar:
- “Que vergonha, que vergonha, meu Deus! Não sei o que fazer com o Nilo!”
Desse dia em diante, o tio Nilo passou a ser um homem mais caseiro, deixando que as prostitutas do centro da cidade tomassem conta do dinheiro de seu trabalho honesto como recepcionista das autoridades do Governo.
.

2 comentários:

Anônimo disse...

Comentário por Alba — 10 fevereiro 2009 @ 23:23 |Editar

Jorge:
Gostei muito da sua narrativa porque ela retrata com riqueza de detalhes uma situação real que você já tinha me contado há algum tempo atrás. Continue mandando outras histórias interessantes da sua vida.
Um abraço.

Anônimo disse...

Adorei esta história, Jorge!
Muito boa!
Gostei mesmo!