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sábado, 19 de dezembro de 2009

Festival de Águas Claras (Dias 3, 4 e 6) - por Ana

No terceiro dia, mais barracas, nada de quiosques, uma fome de cão, pois não tínhamos levado muita comida, pensando em comprar lá. Vendedores ambulantes? Neca. Água? Neca, só a do filete-cachoeira que era extremamente duvidosa, porque o pessoal ficava lá em cima, ao lado da pedra, brincando de fazer xixi em quem tomava banho embaixo.
As pessoas estavam esquisitas, meio zumbizadas, meio agressivas, andando meio torto e muito tortas, falando sozinhas... Esquisitíssimo!
De repente ouvimos uns berros que pareciam ser de um vendedor ambulante. Nosso amigo disse:
- “Acho que ele tá gritando: ‘Olha a Coca!’”. E saiu correndo desabalado atrás da voz. Voltou com um cara que tinha uma bolsa grande e um tabuleiro. Diálogo:
- “Cara, tu tem Coca?”
- “Tenho, bródi!”
- “Mas só Coca?”
- “Não! Tem mais coisa aqui! Da boa!”
E a gente:
- “Ai, até que enfim! Pelo menos um refrigerante!”
Quando o cara se aproximou, olhamos o tabuleiro repleto de trouxinhas e papelotes.
Não era Coca, era coca! Távamos ferrados!
Fizemos reunião-relâmpago. Pauta: Vamos embora já! Mas eu e minha irmã queríamos ficar. Afinal, tínhamos ido assitir ao Egberto e ÍAMOS ASSISTIR ao Egberto! 2 a 2. Ficamos. Nossos amigos apavorados e irados.
Esperamos a noite e acho que todo o tempo eles ficaram rezando para nada de grave acontecer. À noite nos dirigimos ao palquinho. Mais sei-lá-quem em cima do tablado urrando e resmungando coisas ininteligíveis. O som paulêra o tempo todo. De repente parou. Pensamos: é o Egberto, é o Raul. Acho que, nesse momento, nossos amigos esqueceram suas rezas. Não sei quem era, porque o palquinho tava longe pra burro, mas a figura tocava violão. O som era tão baixo e ruim, tão cheio de microfonia que ninguém ouvia nada. Depois de uma meia hora, o cara saiu tão mole quanto entrou, o palco se apagou e a paulêra recomeçou. Voltamos para a barraca decididos a ir embora na manhã seguinte.
.
.Quando acordamos, havia um magricela branquelo dormindo na varanda. Nós já o tínhamos visto antes. Era o Fininho. Hiperativo, taquilálico, tocava o maior horror. Minha amiga, que já tinha medo dele de longe, ficou apavorada. Ele dormia barrando a entrada da barraca. A gente empurrava, empurrava e nada dele acordar ou se mover. E nós lá dentro, presos. De repente ele acordou e se pôs dentro da barraca para continuar dormindo. Ninguém conseguia tirá-lo de lá e tínhamos que desmontar a barraca. Foi uma guerra dificílima, mas conseguimos despejá-lo depois da barraca desmontada.

Então nos dirigimos à entrada da “fazenda”, a fim de pegar o cacarecobus de volta. No caminho, o povo doidaço nos cercou pedindo dinheiro, tentando arrancar as mochilas da gente, mexendo nos nossos bolsos... Sabem aquela cena dos vampiros no teatro atacando a mulher, no filme “Entrevista com o Vampiro”? Pois é, assim. Havia um cara alto, forte, com voz de Tim Maia, que ficava gritando pro povo: “Tem dinheiro aqui! Tem dinheiro aqui! Aqui! Aqui!” E cada vez mais enlouquecidos em volta de nós e a gente tentando chegar à porteira. Minha amiga dizia:
- “Não tenho dinheiro. Não tenho dinheiro.”
E eles:
- “Não? O que é isso na sua mão?”
- “Nada. Tira a mão! Larga!”
- “Ih! É passagem de ônibus! Isso serve! E se tem passagem, tem dinheiro! Dá! Dá!”
Aí o do vozeirão partiu pra cima e minha amiga lutou feroz e heroicamente pelas passagens. Saiu vencedora, apesar de magrinha e apavorada. Chegamos à porteira quase correndo com aquela turba enfurecida atacando pelos flancos e retaguarda.
Do lado de fora, o ônibus já estava cheio. Outras pessoas ingênuas, revoltadas e enganadas, como nós, também estavam indo embora. Os doidões invadiram o ônibus tentando tirar alguma coisa de quem estava lá dentro; outros ficaram do lado de fora, na porta, tentando coletar alguma coisa de quem tentava entrar; e outros, ainda, pendurados nas janelas, atacavam os que estavam lá dentro, esticando os tentáculos famintos para mochilas, bolsas ou qualquer coisa que pudessem agarrar. Era o caos. Apesar dos obstáculos, conseguimos entrar. O ônibus partiu com gente sentada nas janelas, hipersupermegalotado. Apesar de tudo, sobrevivemos e chegamos ao Rio de Janeiro. Eu, indignada e frustrada, minha irmã apaixonada por um caminhoneiro careta que tinha conhecido lá (e que, posteriormente, iria pedi-la em casamento por telefone e propor que passassem a vida viajando romanticamente pelas estradas do Brasil e, quem sabe, do mundo) e minha amiga totalmente em choque por tudo o que tinha acontecido, principalmente por causa do Fininho, que a deixou em pânico total.
.
.Dois dias depois de voltarmos, fui à casa de minha amiga e a encontrei com portas e janelas fechadas e portão trancado, o que nunca havia visto antes. Chamei. Depois de muito tempo, alguém olhou pela fresta da janela e jogou as chaves pra mim lá fora. Entrei. Ela estava sozinha em casa, deitada na cama, toda encolhida, coberta até a cabeça, tremendo que nem vara verde. Eu perguntei:
- “O que foi, você tá doente?”
Ela descobriu os olhos esbugalhados e perguntou, em pânico:
- “Trancou tudo? Trancou tudo?”
- “Tranquei. Mas... o que foi?”
- “Você viu? Você viu?”
- “Viu o quê?”
- “Ele me seguiu! Ele me seguiu! Nunca mais vou me livrar dele! Ele me seguiu, sabe onde eu moro, me seguiu até aqui. Ele está aqui. Está aqui me vigiando...”
- “Quem? Quem te seguiu? Quem está te vigiando?”
- “Ele! Ele! ELE!
E fazia aquele olhar de você-sabe-quem, mas eu não sabia. Então ela disse:
- “Olha lá fora! Olha só! Olha! Foi ele! É ele!”
Eu fui até a porta da frente, abri a portinhola e li, no enorme muro da casa em frente, em letras garrafais:
.
FININHO ESTÁ AQUI
.Raul Seixas
.

2 comentários:

Alba disse...

Ana, que horror!
Mas, apesar de já conhecer essa história que vc me contou há anos, lendo como está fica ainda mais engraçada(pra quem não viveu).
Beijo.

Bruno disse...

Olá Ana, que legal essa história muito boa!!! Com certeza um Festival inesquecível. Mas, afinal você conseguiu assistir o grande Egberto Gismonti?
Abraços
Bruno