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Cabe a nós, aqui, um breve comentário acerca da obra máxima de Franz Kafka. Em primeira análise é mister dizer que a base da força desse escrito é a sua atualidade. Mesmo depois de quase um século, a ideia central de “A Metamorfose” segue como tema de ordem do dia. Kafka redige seu texto às vésperas da primeira grande guerra na fase conhecida como crise da “Bélle Époque”. Nesse momento histórico o homem se vê em um dilema racional e religioso quanto a si mesmo. Era a crise nascente da modernidade oferecendo ao ente humano as mais agudas reflexões existenciais. Um dos temas mais bem trabalhados nesse livro é a impossibilidade da crença, o massacre de princípios que a esse passo estava financiado pela “nova era”, com seu espetáculo de frieza e relações impessoais. Nesse sentido, quando Samsa está metamorfoseado nesse inseto gigante, tem-se uma alegoria da falência social de nosso tempo. Convertemo-nos em seres essencialmente estranhos ao outro. Gregor é, em verdade, o arquétipo do homem moderno, esse desesperado, sem respostas, conforto ou esperança. O símbolo do inseto torna isso ainda mais exterior, esse animal esdrúxulo é o desprezo do homem por si mesmo.
O contemplo da pequenez humana, do estado de abandono ante a grandeza do mundo, levam aquele modesto caixeiro viajante a somatizar as penas de seu cotidiano, sendo essas, de modo geral, as mesmas de todos os cotidianos de qualquer homem comum. Ainda que esteja em casa na companhia dos seus, esse personagem verifica que suas experiências de vida são indissociáveis e inexpurgáveis dele, fazendo-o assim remoto por ser dono de um legado singular. Há também o fetiche da libertação, quando aquele homem se vê alheio ao mundo, sente-se de alguma sorte realizado em não estar mais participando de relações a seus olhos abomináveis.
Então por força sua atual forma, a de uma barata enorme, ele tem uma espécie de vingança inconsciente. Já não é mais o escravizado arrimo de família, já não é mais o vendedor obrigado a sorrir. Todavia, ao passo que se deleita, Gregor sente-se oprimido ao verificar que sua forma física não está suficiente à expressão de tudo quanto sente. Sua repulsa acumulada pela família de exploradores, pelo insensível patrão, pela hipócrita social. Sentindo, mais uma vez, a impossibilidade de ação que é própria do homem médio em todos os lugares.
Gregor Samsa é, em última análise, um ser desprovido do “animus” da mudança, amordaçado em sua condição de filho dominado, de empregado explorado, de aspirante decadente a burguês. Como se aos poucos os pequenos fracassos fossem se sedimentando dentro dele de tal forma a reduzir-se em um animal treinado, abraçando assim a condição subumana. Para compreender o estruturalismo da psique desse personagem, possivelmente o momento mais simbólico é aquele em que seu pai atira-lhe uma maçã com intenção de matá-lo, isso sugere um algo bem edipiano e mal resolvido, dando assim as linhas gerais para o entendimento de sua inanição frente às desventuras do mundo. Há uma sugestão por parte de Kafka de que o pai de Gregor, aquela besta insensível, o tenha reduzido à condição de uma barata gigante mas, em verdade quem o tempo todo não arcou com o ônus da transformação foi o próprio Gregor.
Por fim vem a morte do protagonista em forma de libertação, tanto para ele quanto para os outros. Sua vida apática era um empecilho, um mal que acabara de ser curado. A irmã sai da completa solidão do lar para o convívio externo, o pai se vê remoçado. A morte de Samsa representa um marco na recuperação do tempo perdido, assim, por mais solitário que o homem esteja, sua existência produz transformações nos outros.
A mensagem contida nessa ideia de transcendente do eu tem eco filosófico, psicológico e religioso muito acentuado. É o eterno discurso da imolação da carne própria em favor alheio, ainda que isso se dê de maneira involuntária. Dessa forma, “A Metamorfose” nos convida a uma reflexão profunda acerca do papel do indivíduo no corpo social, seja em âmbito externo ou privado. O texto de Kafka é, antes de mais nada, um questionamento severo, sobre para onde caminha o ser guiado tão somente pela razão instrumental, pelas relações de consumo de nosso tempo, pelo desconhecimento do outro. É deveras ao leitor atento um texto imprescindível.
O contemplo da pequenez humana, do estado de abandono ante a grandeza do mundo, levam aquele modesto caixeiro viajante a somatizar as penas de seu cotidiano, sendo essas, de modo geral, as mesmas de todos os cotidianos de qualquer homem comum. Ainda que esteja em casa na companhia dos seus, esse personagem verifica que suas experiências de vida são indissociáveis e inexpurgáveis dele, fazendo-o assim remoto por ser dono de um legado singular. Há também o fetiche da libertação, quando aquele homem se vê alheio ao mundo, sente-se de alguma sorte realizado em não estar mais participando de relações a seus olhos abomináveis.
Então por força sua atual forma, a de uma barata enorme, ele tem uma espécie de vingança inconsciente. Já não é mais o escravizado arrimo de família, já não é mais o vendedor obrigado a sorrir. Todavia, ao passo que se deleita, Gregor sente-se oprimido ao verificar que sua forma física não está suficiente à expressão de tudo quanto sente. Sua repulsa acumulada pela família de exploradores, pelo insensível patrão, pela hipócrita social. Sentindo, mais uma vez, a impossibilidade de ação que é própria do homem médio em todos os lugares.
Gregor Samsa é, em última análise, um ser desprovido do “animus” da mudança, amordaçado em sua condição de filho dominado, de empregado explorado, de aspirante decadente a burguês. Como se aos poucos os pequenos fracassos fossem se sedimentando dentro dele de tal forma a reduzir-se em um animal treinado, abraçando assim a condição subumana. Para compreender o estruturalismo da psique desse personagem, possivelmente o momento mais simbólico é aquele em que seu pai atira-lhe uma maçã com intenção de matá-lo, isso sugere um algo bem edipiano e mal resolvido, dando assim as linhas gerais para o entendimento de sua inanição frente às desventuras do mundo. Há uma sugestão por parte de Kafka de que o pai de Gregor, aquela besta insensível, o tenha reduzido à condição de uma barata gigante mas, em verdade quem o tempo todo não arcou com o ônus da transformação foi o próprio Gregor.
Por fim vem a morte do protagonista em forma de libertação, tanto para ele quanto para os outros. Sua vida apática era um empecilho, um mal que acabara de ser curado. A irmã sai da completa solidão do lar para o convívio externo, o pai se vê remoçado. A morte de Samsa representa um marco na recuperação do tempo perdido, assim, por mais solitário que o homem esteja, sua existência produz transformações nos outros.
A mensagem contida nessa ideia de transcendente do eu tem eco filosófico, psicológico e religioso muito acentuado. É o eterno discurso da imolação da carne própria em favor alheio, ainda que isso se dê de maneira involuntária. Dessa forma, “A Metamorfose” nos convida a uma reflexão profunda acerca do papel do indivíduo no corpo social, seja em âmbito externo ou privado. O texto de Kafka é, antes de mais nada, um questionamento severo, sobre para onde caminha o ser guiado tão somente pela razão instrumental, pelas relações de consumo de nosso tempo, pelo desconhecimento do outro. É deveras ao leitor atento um texto imprescindível.
Visitem Leandro M. de Oliveira
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Um comentário:
Leandro, sabe que eu já escrevi alguma coisa, há algum tempo, sobre "A Metamorfose"? Mas depois de ler a sua crítica, deu até uma vergonha... rsrs Falou tudo! Ótimo!
Beijo.
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