Desde sempre a humanidade é tiranizada pela busca da beleza, cada qual em sua leitura tem buscado entendê-la de maneira própria. A teoria dominante na Antiguidade Clássica provinha de Platão que propôs a beleza como um objeto com função dupla, ao mesmo tempo em que encerrava e convergia para si o afã do desejo era também um ponto de partida, pois a contemplação do belo era o que abria as portas para o transcendental. No medievo Tomás de Aquino, com uma leitura bem coerente à visão pudico-teológica da época, produz um conceito de beleza ligado à ideia de uma dádiva de Deus manifesta em atributo do ser, assim era a beleza uma de espécie elo teológico entre criador e criatura, fazendo o primeiro das últimas sua imagem e semelhança.
Decerto é a beleza bem mais que apenas uma tese continuadamente reformulada de acordo com o animus social de cada tempo, ela é, deveras, uma espécie de inconsciente coletivo que habita o arcabouço do desejo humano, muitas vezes sendo a peça que delimita o seu direcionamento. Então o que se pretende em verdade com esse breve comentário, não é listar dados históricos de um conceito dominante de beleza, mas sim lançar uma pergunta, sendo essa a pergunta fundamental. Que lugar deve ela, a beleza, ocupar em nossas vidas?
Grandes teóricos têm debatido a questão visando formular um conceito estético-funcional adequado ao nosso tempo, porém, embora haja muitas especulações, pouco se conclui a respeito. Particularmente quero crer na tese da beleza como um gatilho de acionamento do desejo, sendo ela uma espécie de combustível para a ação humana. Nesse sentido, seria lícito dizer que a vida converter-se-ia em algo que talvez não valesse tanto a pena viver, não fosse a beleza e o interesse (estímulo para a ação) que ela desperta. Não entenda o belo como algo meramente subjetivo, porém e mais acertadamente em forma de algum sentimento essencialmente abstrato, como o Platão ensinava na grande Atenas de outrora.
Esse mestre do mediterrâneo propunha um ponto de contemplação para a beleza, mas não encerrava na ação de culto visual àquela forma bela o único estágio da contemplação. Com efeito, era aquele ser idolatrado nada mais que um ponto de partida ou um gatilho de acionamento para a busca do aperfeiçoamento pessoal. Nesse foco poder-se-ia justificar o zelo do mestre para com seu pupilo e vice-versa na pederastia ateniense, por exemplo. Há também passagens na literatura universal das quais gosto muito que refletem o sentimento de zelo dado ao ser que se presta culto, como em “A Morte em Veneza” de Thomas Mann, onde o autor apresenta um determinismo obstinado sofrido por Gustav Aschenbach quando descobre a peste que prolifera em Veneza e quer a todo custo resguardar Tadzio, seu ser idolatrado, do contágio da mesma.
Todavia, trazendo o foco para formas mais cotidianas a nós, pode-se citar o caráter de busca da beleza como um exercício de elevação pessoal na situação muito comum onde, por exemplo, um homem se apaixona pela imagem de uma mulher e para chegar até ela tenta se melhorar como um todo, idealizando algo de mais elevado naquele ser e buscando evoluir em pontos difusos para se equiparar a ele. O homem então passa a praticar exercícios para melhorar seu físico, a ler poemas ou algo de literatura para fecundar ideias mais sensíveis em seu subconsciente etc. Com isso vem a segunda fase (insuspeitada) que é onde tudo fica mais abstrato: aquele homem antes sedentário toma gosto pela atividade física e torna-se com isso mais saudável, o antes extremamente racional e frio aprende a ser menos calculista e a ver a beleza dispersa pelo mundo, num pôr do sol, numa flor ou no rosto puro de uma criança, aprende o sentido de sensibilidade no conceito lato de ser-humano. Se o intento inicial de conquistar a mulher é ora conseguido ou não, no bojo da conjuntura isso tem papel de sorte incidental, a coisa em si é, com efeito, o grau de sublimação que aquele momento de frenesi causou.
Não há como negar, o impacto da beleza é sentido por todos, lembro de quando li meu primeiro livro por volta dos nove anos mais ou menos, era o “Livro de Sonetos” do Vinicius de Moraes, as palavras, a textura, o cheiro do papel, a densidade do ar naquela pequena biblioteca do colégio... É tudo tão presente em minha memória, como se tivesse sido ontem. Aquela experiência me impactou de uma forma que quando dei por mim era já um compulsivo por poesia, daquele momento até muitos anos depois. A descoberta de Vinicius, Pessoa, Bandeira, Quintana, Cecília e assim por diante, tenho certeza me protegeram de muitas coisas tão menos ou nada edificantes a que qualquer adolescente desses tempos está exposto. O milagre da força do belo se fez em mim. Não cabiam estereótipos, meias intenções ou qualquer outra tentativa de caricaturização intelectual. Naqueles anos eu não buscava a leitura como forma de justificar alguma superioridade ou de obtenção de poder por força dela, a beleza contida nas palavras era, a meu ver, autossuficiente. Como tenho sentido falta daqueles anos...
Decerto é a beleza bem mais que apenas uma tese continuadamente reformulada de acordo com o animus social de cada tempo, ela é, deveras, uma espécie de inconsciente coletivo que habita o arcabouço do desejo humano, muitas vezes sendo a peça que delimita o seu direcionamento. Então o que se pretende em verdade com esse breve comentário, não é listar dados históricos de um conceito dominante de beleza, mas sim lançar uma pergunta, sendo essa a pergunta fundamental. Que lugar deve ela, a beleza, ocupar em nossas vidas?
Grandes teóricos têm debatido a questão visando formular um conceito estético-funcional adequado ao nosso tempo, porém, embora haja muitas especulações, pouco se conclui a respeito. Particularmente quero crer na tese da beleza como um gatilho de acionamento do desejo, sendo ela uma espécie de combustível para a ação humana. Nesse sentido, seria lícito dizer que a vida converter-se-ia em algo que talvez não valesse tanto a pena viver, não fosse a beleza e o interesse (estímulo para a ação) que ela desperta. Não entenda o belo como algo meramente subjetivo, porém e mais acertadamente em forma de algum sentimento essencialmente abstrato, como o Platão ensinava na grande Atenas de outrora.
Esse mestre do mediterrâneo propunha um ponto de contemplação para a beleza, mas não encerrava na ação de culto visual àquela forma bela o único estágio da contemplação. Com efeito, era aquele ser idolatrado nada mais que um ponto de partida ou um gatilho de acionamento para a busca do aperfeiçoamento pessoal. Nesse foco poder-se-ia justificar o zelo do mestre para com seu pupilo e vice-versa na pederastia ateniense, por exemplo. Há também passagens na literatura universal das quais gosto muito que refletem o sentimento de zelo dado ao ser que se presta culto, como em “A Morte em Veneza” de Thomas Mann, onde o autor apresenta um determinismo obstinado sofrido por Gustav Aschenbach quando descobre a peste que prolifera em Veneza e quer a todo custo resguardar Tadzio, seu ser idolatrado, do contágio da mesma.
Todavia, trazendo o foco para formas mais cotidianas a nós, pode-se citar o caráter de busca da beleza como um exercício de elevação pessoal na situação muito comum onde, por exemplo, um homem se apaixona pela imagem de uma mulher e para chegar até ela tenta se melhorar como um todo, idealizando algo de mais elevado naquele ser e buscando evoluir em pontos difusos para se equiparar a ele. O homem então passa a praticar exercícios para melhorar seu físico, a ler poemas ou algo de literatura para fecundar ideias mais sensíveis em seu subconsciente etc. Com isso vem a segunda fase (insuspeitada) que é onde tudo fica mais abstrato: aquele homem antes sedentário toma gosto pela atividade física e torna-se com isso mais saudável, o antes extremamente racional e frio aprende a ser menos calculista e a ver a beleza dispersa pelo mundo, num pôr do sol, numa flor ou no rosto puro de uma criança, aprende o sentido de sensibilidade no conceito lato de ser-humano. Se o intento inicial de conquistar a mulher é ora conseguido ou não, no bojo da conjuntura isso tem papel de sorte incidental, a coisa em si é, com efeito, o grau de sublimação que aquele momento de frenesi causou.
Não há como negar, o impacto da beleza é sentido por todos, lembro de quando li meu primeiro livro por volta dos nove anos mais ou menos, era o “Livro de Sonetos” do Vinicius de Moraes, as palavras, a textura, o cheiro do papel, a densidade do ar naquela pequena biblioteca do colégio... É tudo tão presente em minha memória, como se tivesse sido ontem. Aquela experiência me impactou de uma forma que quando dei por mim era já um compulsivo por poesia, daquele momento até muitos anos depois. A descoberta de Vinicius, Pessoa, Bandeira, Quintana, Cecília e assim por diante, tenho certeza me protegeram de muitas coisas tão menos ou nada edificantes a que qualquer adolescente desses tempos está exposto. O milagre da força do belo se fez em mim. Não cabiam estereótipos, meias intenções ou qualquer outra tentativa de caricaturização intelectual. Naqueles anos eu não buscava a leitura como forma de justificar alguma superioridade ou de obtenção de poder por força dela, a beleza contida nas palavras era, a meu ver, autossuficiente. Como tenho sentido falta daqueles anos...
Esse comentário breve não encerra nossa discussão acerca da beleza,
em breve postarei novas considerações para se somarem a essas.
em breve postarei novas considerações para se somarem a essas.
.
.
.
Visitem Leandro M. de Oliveira
São Tomás de Aquino, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Cecília Meireles
2 comentários:
MUITO BOM, LEANDRO!
Adorei a sua forma de escrever! Qe lucidez, que clareza, que lógica! Adorei mesmo a sua abordagem! Aguardo ansiosa as próximas partes!
Um abraço.
Valeu Ana, mais uma vez obrigado pela atenção.
Abraços
Postar um comentário