É manhã. Num bairro do subúrbio carioca, da janela do ônibus, indo para mais um dia de trabalho, ela vê a cena: crianças dormindo agrupadas sob a marquise, drogadas, sujas, maltrapilhas, expressão máxima do descaso e abandono dos governantes com sua própria gente. A maneira que se deitam encostados uns aos outros (segundo a percepção dela, olhar capaz de captar sutilezas) forma a figura de um cata-vento. Estranho cata-vento de crianças sofridas, sem infância.
Ela é médica. Em sua lida cuida, trata, cura, conforta, orienta, escuta. Importa-se com seu semelhante, verdadeiramente. Como outras pessoas de sensibilidade, sofre e indigna-se ao ver tal cena.
Crianças, apenas crianças, a quem são negadas as mínimas condições de uma vida digna. O pior: quantos de nós já não passaram pela sensação de medo ou intimidação ao ver aproximarem-se estas crianças maltrapilhas, achando que uma delas pode ter consigo uma arma que nos ferirá de morte, levando-nos a temer pela nossa vida?
A terrível constatação: tememos as nossas crianças!
Estes grupos aumentam dia a dia, cada vez mais menores perambulam pelas ruas, uma arma mortal desenvolvendo-se nas sociedades doentes.
A pergunta: o que se pode esperar de quem da vida só conhece o pior? De quem nasceu, cresceu (os que crescem, porque muitos morrem ainda crianças) e só viveu abandono e miséria? A escola é a rua e o aprendizado é de pequenos delitos que levarão a delitos maiores. Há exceções? Certamente, mas estamos falando da regra.
Como resolver? É caso de urgência e não dá para protelar.
O que fazem homens e mulheres eleitos pelo povo e responsáveis pelo destino da nação? As crianças não são nosso patrimônio?
O país vive uma crise muito séria. Educação formal e gratuita de baixíssima qualidade, falta tudo: moradia, saneamento, serviços médicos etc., e sobra tudo: violência, drogas, prostituição infantil e mais e mais...
Os políticos, argh, os políticos. Bem vestidos, falantes, usuários do que há de mais novo em termos de impressionar e manipular pessoas. Quando discursam nem parece que vivemos no mesmo país. Vivem no seu mundo de conchavos e falcatruas, protegendo-se mutuamente (macaco, olha o teu rabo), em infindáveis comissões e reuniões criadas para discutir problemas. Projetos e mais projetos. As ideias? De matar jerico de inveja.
Alguns pedem que os esqueçam, outros que esqueçam sua bibliografia, os cínicos assumidos dizem que estão se lixando para a opinião pública. Serão reeleitos, manipulam com maestria a propaganda a seu favor.
Não há dia em que não haja uma manchete sobre escândalos e desvios de dinheiro em todos os níveis.
Tributação altíssima, sem benefícios em troca (quer dizer, benefícios para a sociedade), para os pobres apenas migalhas. Já para os políticos...
Voltemos às crianças. O que se pode fazer não é impossível e nem faraônico. Pensemos junto com a médica citada no início: uma moradia modesta mas protetora, roupas limpas, alimentação, escola, uma família formada por laços de sangue ou de amor. É querer muito? Quando o poder público olhará por elas?
Em alguns ainda existe a esperança (não dizem que é a última que morre?) de que os políticos comprometidos com seu povo sejam maioria e mudem esse panorama. E que, da janela do ônibus indo para mais um dia de trabalho, a médica, eu, você possamos ver as crianças como deve ser, não mais formando um triste cata-vento e sim com seus cata-ventos coloridos nas mãos girando na brisa suave do dia ou quando agitado por elas em suas brincadeiras infantis. Esse dia há de chegar. Deus é pai.
Ela é médica. Em sua lida cuida, trata, cura, conforta, orienta, escuta. Importa-se com seu semelhante, verdadeiramente. Como outras pessoas de sensibilidade, sofre e indigna-se ao ver tal cena.
Crianças, apenas crianças, a quem são negadas as mínimas condições de uma vida digna. O pior: quantos de nós já não passaram pela sensação de medo ou intimidação ao ver aproximarem-se estas crianças maltrapilhas, achando que uma delas pode ter consigo uma arma que nos ferirá de morte, levando-nos a temer pela nossa vida?
A terrível constatação: tememos as nossas crianças!
Estes grupos aumentam dia a dia, cada vez mais menores perambulam pelas ruas, uma arma mortal desenvolvendo-se nas sociedades doentes.
A pergunta: o que se pode esperar de quem da vida só conhece o pior? De quem nasceu, cresceu (os que crescem, porque muitos morrem ainda crianças) e só viveu abandono e miséria? A escola é a rua e o aprendizado é de pequenos delitos que levarão a delitos maiores. Há exceções? Certamente, mas estamos falando da regra.
Como resolver? É caso de urgência e não dá para protelar.
O que fazem homens e mulheres eleitos pelo povo e responsáveis pelo destino da nação? As crianças não são nosso patrimônio?
O país vive uma crise muito séria. Educação formal e gratuita de baixíssima qualidade, falta tudo: moradia, saneamento, serviços médicos etc., e sobra tudo: violência, drogas, prostituição infantil e mais e mais...
Os políticos, argh, os políticos. Bem vestidos, falantes, usuários do que há de mais novo em termos de impressionar e manipular pessoas. Quando discursam nem parece que vivemos no mesmo país. Vivem no seu mundo de conchavos e falcatruas, protegendo-se mutuamente (macaco, olha o teu rabo), em infindáveis comissões e reuniões criadas para discutir problemas. Projetos e mais projetos. As ideias? De matar jerico de inveja.
Alguns pedem que os esqueçam, outros que esqueçam sua bibliografia, os cínicos assumidos dizem que estão se lixando para a opinião pública. Serão reeleitos, manipulam com maestria a propaganda a seu favor.
Não há dia em que não haja uma manchete sobre escândalos e desvios de dinheiro em todos os níveis.
Tributação altíssima, sem benefícios em troca (quer dizer, benefícios para a sociedade), para os pobres apenas migalhas. Já para os políticos...
Voltemos às crianças. O que se pode fazer não é impossível e nem faraônico. Pensemos junto com a médica citada no início: uma moradia modesta mas protetora, roupas limpas, alimentação, escola, uma família formada por laços de sangue ou de amor. É querer muito? Quando o poder público olhará por elas?
Em alguns ainda existe a esperança (não dizem que é a última que morre?) de que os políticos comprometidos com seu povo sejam maioria e mudem esse panorama. E que, da janela do ônibus indo para mais um dia de trabalho, a médica, eu, você possamos ver as crianças como deve ser, não mais formando um triste cata-vento e sim com seus cata-ventos coloridos nas mãos girando na brisa suave do dia ou quando agitado por elas em suas brincadeiras infantis. Esse dia há de chegar. Deus é pai.
Inspirado em Cata-vento de Meninos, de Alba Vieira.
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3 comentários:
Clarice:
Achei lindo este texto! Muito bom!
Acho que é a primeira vez no Duelos que alguém cria um texto narrando os acontecimentos do texto de outro autor.
Ficou demais! Adorei!
Você está de parabéns!
Beijos.
Clarice:
Verdades do início ao fim. Lucidez e clareza ao descrever a situação desse país e do seu povo. Fiquei feliz com a maneira tão tocante como você desenvolveu o que eu vi naquele dia.
Às vezes, tenho umas idéias quando passo por aquela comunidade. Outro dia pensei que bem poderiam (claro que como paliativo) construir um galpão dormitório para esses moradores de rua se protegerem à noite e, talvez, tomarem banho pela manhã, próximo ao restaurante popular de cada bairro, onde teriam duas refeições gratuitas no dia. Seria de custo e manutenção baixíssimos e faria muita diferença pra quem vive nas ruas. É uma pena que a gente não possa administrar (com certeza muito melhor que os políticos) o dinheiro que é obrigado a pagar para financiar a corrupção. Seu texto é perfeito, adorei. Beijo.
Alba e Ana
Com certeza não é tão difícil tirar estas pessoas da miséria absoluta em que vivem mas cadê a vontade? A sua idéia é um exemplo do que pode ser feito rapidamente e com baixo custo.
Fico feliz que tenham gostado do texto.
Beijos
Clarice
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