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A VIAGEM
Novembro e dezembro deste ano foram dos mais morosos que já vivi. Nos dias que antecederam outros Natais bastavam os possíveis presentes e principalmente a espera da Cesta de Natal “Columbus” que papai assinava pagando pequenas parcelas durante dez meses, para que a ansiedade surgisse. Relembro-me bem o gostinho dos patês do ano passado. Agora porém não são os sabores das nozes e amêndoas que mais anseio; papai recebeu ontem carta do Seminário. Não sei porque estava no remetente: “Juvenato São José” lá de Mendes, no Estado do Rio. Devo apresentar-me no dia doze de janeiro para o início dos estudos.
Não é a viagem em si que me provoca esse frisson. Já estive na Guanabara algumas vezes desde os meus sete anos de idade. A família dos Faza, vizinhos de rua, imigrantes italianos como meus avós, sempre fizeram lotações turísticas ao Distrito Federal. Tomei banho em Copacabana, visitei duas vezes o museu da Quinta da Boa Vista e seu Jardim Zoológico e subi ao Cristo do Corcovado. Fui uma vez a Aparecida do Norte. Sou um cara viajado. Como eu disse, não é a viagem em si. É… como posso dizer… tocar minha vida sozinho. Na realidade procuro não pensar muito nisso não, mas não tem jeito: que o tempo está custando a passar, ah! isso está!
Acabei de receber o enxoval. Foram os presentes mais ricos que já tive até hoje. Ano passado ganhei um bilboquê. Não teve gosto de presente porque eu e minha irmã Conceição fomos junto com papai e mamãe comprar os brinquedos das crianças, os outros nossos seis irmãos. Como sobraram uns trocadinhos, pudemos comprar algo para nós também. Acabou esvaziando o sentido da surpresa no pé da árvore de Natal. Mas este Natal vai ficar na minha memória. Acho que na dos meus irmãos também. No cantinho da sala onde estava a árvore armada couberam todos os agrados das crianças. A mesa da sala foi toda ocupada pelos embrulhos e pacotes para mim. Me chamou a atenção, mesmo, foi o olhar de curiosidade dos meus maninhos. Maravilhado, fui desfazendo-os. Tinha-os de todas as cores. Do tipo de papel de embrulhar pão, só que coloridos. Nem os dos ternos que papai entregava não tinham aquelas cores. E fui desfilando um a um seus conteúdos. Já não eram só os olhos arregalados dos meus irmãos, eram também os meus, de mamãe e de papai. A bondosa catequista fora encarregada, horas antes, de recolher das não menos caridosas benfeitoras os donativos para o futuro “padre”. Não poderia deixar de enumerar os regalos que desfilavam pela sala de mãos em mãos: sapatos pretos e marrons, gravatas, camisetas, calções, sungas, camisas de mangas longas e curtas, latas de graxa, tesourinhas e o que mais me surpreendeu: um par de chuteiras com travas, uma loucura de lindas, do tipo que Pelé usou na Copa do Mundo há dois anos atrás, em 1958. E tantos outros objetos que papai foi obrigado a tomar emprestado: duas malas das grandes para acondicionar tudo. Dia seguinte ao Natal recebo três dúzias de meias buclê da Malharia São Jorge, do meu tio Ívano Tabet e minha tia Tieta, a tia dos olhos azuis e da berruguinha no rosto.
Carregar a bagagem até a Central do Brasil não é difícil para papai. Usando a bicicleta, como sempre o fizera, com os sacos de laranjas das idas às feiras dominicais, indo guardar sua condução na alfaiataria que ficava a pouca distância da estação férrea. O difícil mesmo é ter que sustentar o chororô da vovó e das tias, e por osmose as lágrimas de meus irmãos. Estou sendo corajoso e bravo, diria, aguentando firme o nó que aperta na garganta.
E lá vamos nós, eu, papai e mãe até Barra do Piraí de trem, maria-fumaça. Dali pegamos o ônibus até Vassouras e, deste ponto, outro até Mendes. Antes de chegar à cidade, mais ou menos a meio caminho, o chofeur, já sabendo nosso destino, fez parada em frente à entrada de uma fazenda. Uma charrete que fica de plantão no local nos leva a todos, mal acomodados, por estrada calçada com pedras disformes em caminho sinuoso, ora ladeado de árvores enormes, ora por moitas cerradas de bambu-açu.
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A VIAGEM
Novembro e dezembro deste ano foram dos mais morosos que já vivi. Nos dias que antecederam outros Natais bastavam os possíveis presentes e principalmente a espera da Cesta de Natal “Columbus” que papai assinava pagando pequenas parcelas durante dez meses, para que a ansiedade surgisse. Relembro-me bem o gostinho dos patês do ano passado. Agora porém não são os sabores das nozes e amêndoas que mais anseio; papai recebeu ontem carta do Seminário. Não sei porque estava no remetente: “Juvenato São José” lá de Mendes, no Estado do Rio. Devo apresentar-me no dia doze de janeiro para o início dos estudos.
Não é a viagem em si que me provoca esse frisson. Já estive na Guanabara algumas vezes desde os meus sete anos de idade. A família dos Faza, vizinhos de rua, imigrantes italianos como meus avós, sempre fizeram lotações turísticas ao Distrito Federal. Tomei banho em Copacabana, visitei duas vezes o museu da Quinta da Boa Vista e seu Jardim Zoológico e subi ao Cristo do Corcovado. Fui uma vez a Aparecida do Norte. Sou um cara viajado. Como eu disse, não é a viagem em si. É… como posso dizer… tocar minha vida sozinho. Na realidade procuro não pensar muito nisso não, mas não tem jeito: que o tempo está custando a passar, ah! isso está!
Acabei de receber o enxoval. Foram os presentes mais ricos que já tive até hoje. Ano passado ganhei um bilboquê. Não teve gosto de presente porque eu e minha irmã Conceição fomos junto com papai e mamãe comprar os brinquedos das crianças, os outros nossos seis irmãos. Como sobraram uns trocadinhos, pudemos comprar algo para nós também. Acabou esvaziando o sentido da surpresa no pé da árvore de Natal. Mas este Natal vai ficar na minha memória. Acho que na dos meus irmãos também. No cantinho da sala onde estava a árvore armada couberam todos os agrados das crianças. A mesa da sala foi toda ocupada pelos embrulhos e pacotes para mim. Me chamou a atenção, mesmo, foi o olhar de curiosidade dos meus maninhos. Maravilhado, fui desfazendo-os. Tinha-os de todas as cores. Do tipo de papel de embrulhar pão, só que coloridos. Nem os dos ternos que papai entregava não tinham aquelas cores. E fui desfilando um a um seus conteúdos. Já não eram só os olhos arregalados dos meus irmãos, eram também os meus, de mamãe e de papai. A bondosa catequista fora encarregada, horas antes, de recolher das não menos caridosas benfeitoras os donativos para o futuro “padre”. Não poderia deixar de enumerar os regalos que desfilavam pela sala de mãos em mãos: sapatos pretos e marrons, gravatas, camisetas, calções, sungas, camisas de mangas longas e curtas, latas de graxa, tesourinhas e o que mais me surpreendeu: um par de chuteiras com travas, uma loucura de lindas, do tipo que Pelé usou na Copa do Mundo há dois anos atrás, em 1958. E tantos outros objetos que papai foi obrigado a tomar emprestado: duas malas das grandes para acondicionar tudo. Dia seguinte ao Natal recebo três dúzias de meias buclê da Malharia São Jorge, do meu tio Ívano Tabet e minha tia Tieta, a tia dos olhos azuis e da berruguinha no rosto.
Carregar a bagagem até a Central do Brasil não é difícil para papai. Usando a bicicleta, como sempre o fizera, com os sacos de laranjas das idas às feiras dominicais, indo guardar sua condução na alfaiataria que ficava a pouca distância da estação férrea. O difícil mesmo é ter que sustentar o chororô da vovó e das tias, e por osmose as lágrimas de meus irmãos. Estou sendo corajoso e bravo, diria, aguentando firme o nó que aperta na garganta.
E lá vamos nós, eu, papai e mãe até Barra do Piraí de trem, maria-fumaça. Dali pegamos o ônibus até Vassouras e, deste ponto, outro até Mendes. Antes de chegar à cidade, mais ou menos a meio caminho, o chofeur, já sabendo nosso destino, fez parada em frente à entrada de uma fazenda. Uma charrete que fica de plantão no local nos leva a todos, mal acomodados, por estrada calçada com pedras disformes em caminho sinuoso, ora ladeado de árvores enormes, ora por moitas cerradas de bambu-açu.
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Visitem Paulo Chinelate
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Um comentário:
Tô doida pra saber como foi lá no Seminário!
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