Já anoitecia quando algo me tirou de casa. Fui puxada por uma força diferente que me fez caminhar em direção à bicicleta e sair a passear pelos arredores de minha casa. Nunca fazia isso, por achar perigoso andar por lugares ermos àquelas horas. Uma vontade irresistível, quase um desejo que eletrizava meu corpo, me impulsionou a andar no meio da noite, descobrindo caminhos, guiada pelos olhos da intuição, sentido despertado pela noite, com vontade de ver não sei o quê.
Eu ia num esforço de enxergar no escuro, mas com a direção já traçada por aquele impulso louco que me conduzia. Pedalava, pedalava, dava pulos saltando obstáculos na estrada vazia. Varava a noite, suada, com o coração aflito, as pernas firmes, na certeza de chegar, não sabia aonde.
Sentia o vento arranhando meu rosto. Volta e meia esbarrava com insetos que se chocavam com meu corpo no seu vôo errante. Quase atropelei um pequeno lagarto que perseguia uma presa, ele que já estava habituado à escuridão.
As árvores se mexiam e eu não podia deixar de notar aqueles vultos que me assombravam. O suor me escorria pelo rosto, um suor frio que refrescava o calor da tensão.
De súbito estanquei, como que fosse brecada por uma força estranha. Eu não compreendia muito bem, mas de repente quis interromper a caminhada e, sentada na bicicleta, voltei a cabeça pata trás. Fiquei paralisada. Os meus olhos caíram direto nela, nos seus olhos verdes claros. Foi um susto e um prazer. Misto de surpresa e alegria. Ela era pequena, muito menor do que eu poderia imaginar e isto lhe conferia ainda mais candura. Era clara. Quieta me observava. Ela me seduziu. Aquele momento foi indescritível. Voltei-me para ela bem devagar. Eu que sempre tive adoração por elas, que guardo junto aos meus livros vários exemplares de todos os tamanhos, cores e materiais. Elas que para mim representam o mistério, o oculto, a noite. Elas que simbolizam o magnetismo, a profundidade e o poder das sombras. Vibrei. Meu corpo parecia ser percorrido por uma corrente de prazer. Fitei seu rosto pequeno, fixei meus olhos no seu olhar, me sentia atraída por aqueles olhos que queriam me prender, mas olhei mais profundamente, me transmutei e tentei dominá-la pelo olhar, seus olhos ficaram presos nos meus e, na tentativa inútil de me hipnotizar, ela cedeu. Não agüentou sustentar meu olhar e soltou um grito forte, sumindo para longe, desprendida do meu poder. Ela fugiu, não quis ficar, teve medo de uma profundidade talvez semelhante à dela. Não quis se perder num poço fundo de águas escuras, talvez mais escuras que as delas. Foi boba. Não sabia que era paixão, que foi por pura paixão que mergulhei naqueles olhos verdes, sedenta de beber naquelas águas, de sondar seus mistérios e me perder neles.
Quem sabe se ela permitisse ficar por mais um tempo estaria fecundada, mansa, e o som emitido seria então um grito de prazer?
Voltei para casa pedalando devagar no meio da noite, com a lembrança da figura de cor bege, com traços mais escuros nas asas, pousada sobre o mourão de uma cerca… a primeira coruja que vi na vida.
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Eu ia num esforço de enxergar no escuro, mas com a direção já traçada por aquele impulso louco que me conduzia. Pedalava, pedalava, dava pulos saltando obstáculos na estrada vazia. Varava a noite, suada, com o coração aflito, as pernas firmes, na certeza de chegar, não sabia aonde.
Sentia o vento arranhando meu rosto. Volta e meia esbarrava com insetos que se chocavam com meu corpo no seu vôo errante. Quase atropelei um pequeno lagarto que perseguia uma presa, ele que já estava habituado à escuridão.
As árvores se mexiam e eu não podia deixar de notar aqueles vultos que me assombravam. O suor me escorria pelo rosto, um suor frio que refrescava o calor da tensão.
De súbito estanquei, como que fosse brecada por uma força estranha. Eu não compreendia muito bem, mas de repente quis interromper a caminhada e, sentada na bicicleta, voltei a cabeça pata trás. Fiquei paralisada. Os meus olhos caíram direto nela, nos seus olhos verdes claros. Foi um susto e um prazer. Misto de surpresa e alegria. Ela era pequena, muito menor do que eu poderia imaginar e isto lhe conferia ainda mais candura. Era clara. Quieta me observava. Ela me seduziu. Aquele momento foi indescritível. Voltei-me para ela bem devagar. Eu que sempre tive adoração por elas, que guardo junto aos meus livros vários exemplares de todos os tamanhos, cores e materiais. Elas que para mim representam o mistério, o oculto, a noite. Elas que simbolizam o magnetismo, a profundidade e o poder das sombras. Vibrei. Meu corpo parecia ser percorrido por uma corrente de prazer. Fitei seu rosto pequeno, fixei meus olhos no seu olhar, me sentia atraída por aqueles olhos que queriam me prender, mas olhei mais profundamente, me transmutei e tentei dominá-la pelo olhar, seus olhos ficaram presos nos meus e, na tentativa inútil de me hipnotizar, ela cedeu. Não agüentou sustentar meu olhar e soltou um grito forte, sumindo para longe, desprendida do meu poder. Ela fugiu, não quis ficar, teve medo de uma profundidade talvez semelhante à dela. Não quis se perder num poço fundo de águas escuras, talvez mais escuras que as delas. Foi boba. Não sabia que era paixão, que foi por pura paixão que mergulhei naqueles olhos verdes, sedenta de beber naquelas águas, de sondar seus mistérios e me perder neles.
Quem sabe se ela permitisse ficar por mais um tempo estaria fecundada, mansa, e o som emitido seria então um grito de prazer?
Voltei para casa pedalando devagar no meio da noite, com a lembrança da figura de cor bege, com traços mais escuros nas asas, pousada sobre o mourão de uma cerca… a primeira coruja que vi na vida.
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Um comentário:
Comentário por Ana — 4 janeiro 2009 @ 12:03
Muito bom!
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