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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Festival de Águas Claras (Dias 1 e 2) - por Ana

Lá pelas bandas dos anos 70/80. Eu, cheia de rebeldia, amor pela música e idealismos, via, na TV, o comercial do Festival de Águas Claras: palco iluminado, todo bonito, multidão embalada por vários nomes do cenário musical brasileiro, especialmente o meu “idolatrado” Egberto Gismonti. Eu assistindo e doida pra estar lá, vivendo um momento histórico...
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Comecei a trabalhar. Um dos primeiros pensamentos: “Poderei ir a Águas Claras”. Na época da edição seguinte do Festival, lá fui eu ao centro da cidade para comprar os ingressos. Me deparei com um prédio meio pé-sujo, mas tudo bem. Devia ter desconfiado que alguma coisa estava errada quando me vi no “escritório” da firma organizadora do evento: uma mesa fulêra, um telefone velho, um talão de ingressos, infiltrações brabas nas paredes e reboco caindo nas nossas cabeças. O cara que estava lá para atender agia meio assim como um bicheiro que aguarda, nervoso, a chegada da polícia. Mesmo assim, eu, adolescente, otimista e sonhadora, comprei os ingressos.
Daí até o dia da viagem fiquei envolta naquilo que, acreditava eu, me esperava em Sampa: uma fazenda linda, com riachos e cachoeiras de águas claras (já dizia o nome), perfeita infraestrutura do Festival, gente muito alto astral reunida, por três dias, por amor à música de boa qualidade.
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Sonhei, sonhei muito até estar no ônibus que nos levaria de São Paulo a Águas Claras: um cacareco horroroso, repleto de gente esquisita que se embrenhava por estradas cada vez mais esburacadas e lugares inóspitos, elameados, feios, barro por todos os lados, nem um verdinho ao longe pra contar a história... De repente o ônibus parou e o motorista berrou: “Águas Claaaaras!!!!”.
O cenário era desolador: uma cerca toda torta, de mourões e arame farpado; o chão era pura lama, até o horizonte uma terra careca, só umas duas ou três árvores magricelas perdidas em meio àquela tristeza. Palco? Não havia. Riacho? Só nos sonhos. Cachoeira? Um filete mínimo de água que saía de uma pedra e onde uma multidão tentava se banhar. No chão, perto dela, absorventes, camisinhas, plásticos, papéis, restos de comida, uma lixarada fedida e porca.
Montamos a barraca num lugar mais sequinho, perto de duas construções malfeitas, ao lado de umas árvores ralas: quatro paredes caiadas sem telhado. Resolvemos ficar por ali porque imaginamos que fossem os banheiros. Não vimos sinal dos quiosques de comida e pensamos que fossem montá-los no dia seguinte. Fomos dormir tarde sonhando com o que de bom poderia nos esperar depois que montassem tudo. E com a certeza de que havíamos chegado cedo demais.

No dia seguinte, mais barracas montadas à nossa volta, mas de infraestrutura, neca de pitibiriba. Fomos ao que pensamos ser, além de local de banhos, banheiro. Mas só havia canos saindo das paredes, dos quais escorriam filetes d’água. Uma entrada aberta e nenhuma porta. Era só para banhos, mesmo. As árvores serviam de arquibancadas para os caras ficarem olhando as garotas lá dentro. E elas tomando banho nuas, na maior! Batemos em retirada: eu, minha irmã e minha amiga.
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No final do dia, nada de quiosques, nada de shows. De repente, lá pelas 23 horas, alguém disse que o palco estava montado “lá atrás”. Fomos ver o lá atrás. Andamos que nem uns condenados e nada de palco. Música? Só um rock brabo paulêra berrando o tempo todo e nós com baita dor de cabeça. De repente achamos um palquinho, com umas lâmpadas de “brilho” amarelado muito das sem-vergonhas, um breu desgraçado e um sei-lá-quem no “palco”, mais doido que o Jimmy Hendrix em seus melhores dias, tocando violão e cantando algo que não se conseguia compreender.
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O som baixíssimo, um troço surrreal. Começaram os comentários de que o Egberto e o Raul viriam no dia seguinte. Ficamos lá por umas duas horas. O cenário não mudava. Resolvemos ir dormir.
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Fotos: Festival de Águas Claras
Raul Seixas.

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