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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A Pêra do Paraíso - por Paulo Chinelate

Interessante como as nossas lembranças afloram ao sabor de um pormenor qualquer.
Ao entrar ontem no supermercado, como bom hábito mineiro, dirigi-me à banca de frutas e verduras. Deparei-me com uma raridade: “pêra da terra”, redondinha, crespa e bem rígida. Não resistindo, selecionei seis das mais graúdas enquanto divagava no tempo. Reportei-me à infância; possivelmente entre oito e nove anos, 1956 talvez. Tinha já feito a primeira comunhão na velha Igreja de São José do Botanágua em Juiz de Fora e nestas condições era distinguido em continuar as aulas de catecismo no Seminário dos Padres Jesuítas na Avenida Rio Branco, às margens do córrego do Ypiranga (hoje Av. Independência), local agora ocupado por condomínios assassinos de um passado gostoso, saudoso.
Voltemos ao causo. D. Ana Reis, velha beata, se encarregava de recolher-nos aos sábados à tarde pelas bandas do Bairro Costa Carvalho e conduzir-nos ao seminário em apreço.
O padre Tomas Enríquez, que nos atendia, era um homem circunspecto, tinha sido prisioneiro em cárcere comunista chinês onde sofrera torturas - escrevera o livro de suas memórias: “Três Cárceres Comunistas”. Pois bem. O nosso professor dava-nos a aula costumeira e em seguida um intervalo para o gostoso futebol regados a um acesso às fruterias que rodeavam o campo. Voltávamos depois para sermos ouvidos em confissão. Eu pensava que o esporte servia para chocalhar os pecados e, parcialmente desgrudados, fossem despejados nos ouvidos cansados do velho prelado.
Naquele sábado não fora diferente; antes que nos liberasse à farra deu-nos simples recado: podíamos saciar nossos estômagos famintos com os sapotis, jambos brancos e roxos, pitangas e mangas e tantas outras frutas. Estava proibido, no entanto, colher e concomitante usufruto das pêras. Nenhuma sequer.
Dado o recado foi-se o nosso reverendo às suas preces vesperais do velho breviário. E nós... bem, aí começa realmente nossa história. Mal o rabino dera as costas, insurgidos por uns alunos mais velhos, a turba avançou nada mais nada menos à única pereira existente no farto fruteiral do lindo sítio. Enquanto um que outro subia na árvore outros recebiam a chuva de pêras. Iam dando conta a cada dentada que elas estavam ainda verdes. Não satisfeitos iam esperimentando uma a uma. O resultado: um tapete de frutas parcialmente mordidas e abandonadas.
Em seguida o óbvio: o padre, ao final do recreio veio nos buscar. Não pôde disfarçar a ira de que foi tomado. Fez-nos recolher em balaio grande todo o estrago feito. Como castigo não receberia ninguém em confissão. Não possuíamos, ainda no fragor da batalha pecaminosa, o predicado necessário: o arrependimento.
O “esbrega” que recebemos da velha senhora Ana, no retorno do imbróglio passeio foi descomunal.
No sábado seguinte, ressabiados, fomos ao encontro novamente das feras. Recordo-me somente de estar ajoelhado no confessionário e o ouvidor sagrado muito zangado comigo. Não conseguia arrancar de mim a confissão do maldito pecado da desobediência da semana anterior, por mais que eu repetisse a ele que eu não fizera parte das travessuras.
Fui o único, mais uma vez, certamente, a voltar para casa sem a absorvição. Ele se negara a ma dar.
E agora no supermercado, creio eu, as pessoas não se deram conta que o riso que eu espelhava no rosto pertencia ao meu viajar longínquo.
Em Tempo: O velho abade deve hoje, na espiritualidade, saber que fui o único, realmente, que não comeu da maçã, digo, da pêra do paraíso.


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2 comentários:

Manhosa LobaVirtual disse...

Lindo... esta volta a infancia... gostoso...

... Risos... eles também erram...

Vou te procurar...

Bjs.

Anônimo disse...

Paulo:
Adorei! Muito bom o seu relato!
Parabéns!