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domingo, 15 de março de 2009

Amor à Primeira Fatia - por Bruno D’Almeida

Eram um casal de contadores. Diz a lenda que se apaixonaram na lanchonete da universidade, quando ela protestava o fato de um misto quente, com queijo e presunto, custar o mesmo preço de um pão de queijo. Queria ser ressarcida por comprar o mais simples. Enquanto todos estavam irritados esperando na fila, ele se meteu na confusão, tirou a calculadora científica HP 12C do bolso e calculou a diferença. Contou em seguida sua grande façanha em devolver um pedaço de carne ressecada num restaurante de comida a peso. Olhos faiscantes. Amor à primeira vista. Digo, à primeira fatia.

Faziam quase tudo sem pagar nada. Shows e eventos somente com entrada gratuita; em aniversários, batizados, formaturas e casamentos sempre tinha um pratinho certo pra levar pra casa que, por sua vez, já era o café da manhã do dia seguinte. Aliás, o casamento deles foi todo patrocinado e, é claro, com algum lucro. Os dotes da noiva por conta do sogrão, as vestes nupciais feitas pela tia costureira e os comes e bebes doados a contragosto pelo irmão do noivo, que era dono de um bar.

Os presentes montaram a casa: tevê dada pelo padrinho, a avó deu a geladeira, ganharam praticamente tudo. Para completar, fizeram um chá de cozinha convidando Deus e o mundo, inclusive o irmão do amigo da tia da prima da vizinha que passou pela rua e perguntou as horas para mãe da sobrinha da amiga favorita confidente de infância da noiva. Cada convidado deveria levar, além do presente, uma comida ou bebida. E os presentes repetidos? Vamos trocar esses dois ventiladores que ganhamos a mais por um faqueiro, sugeriu ela ao marido radiante com a ideia. Daqui a quinze anos, que é o tempo médio de nosso novo faqueiro se desgastar, a gente ainda fica com outro novinho guardado, exaltava a recém-casada.

Nas rodas de amigos, eram o alvo de críticas e centro das atenções. Alguns diziam que uma vida somente de economias não devia ter prazer, que dinheiro foi feito pra gastar, que a gente morre e fica tudo aí e coisa e tal. Mas ela nem ligava. Contava que ia ter um filho daqui a nove anos e oito meses. Sim, porque uma criança custava, do nascimento à faculdade, segundo seus cálculos, seiscentos e cinquenta e quatro mil reais e noventa centavos, mais a variação da inflação. Estava investindo num fundo de renda fixa e, ao final do tempo estipulado, todo gasto estaria pago. Arrematava que a maior coisa do mundo que ia dar a seu filho era o amor, e que isso não tinha preço. Os amigos prontamente sugeriram nomes esdrúxulos para a criança, tipo Maria Tabuada ou João Noves-Fora.

Não que eles fossem mãos-de-vaca. Se bem que conseguem se jogar numa piscina, nadar por duas horas e sair com um antiácido efervescente intacto na mão. Eles economizam o suficiente para viver bem e planejar o futuro com tranquilidade. O período de fim de ano é um claro exemplo disso. Ele ganha um peru da firma e ela, um tender da empresa. Doam gentilmente cada peça aos seus respectivos pais e vão passar Natal e Ano Novo com as famílias.

Nosso querido casal complementa a renda dando palestras sobre orçamento familiar e consultoria para casais endividados. Explicam como é possível ter casa própria, carro e viajar uma vez por ano sem comprometer o orçamento doméstico. E quem não gostaria de ter uma vida assim? Se você quiser uma consultoria com eles deve se apressar, pois eles só têm agenda daqui a três anos e seis meses. Mas até lá, você já pode dividir a consultoria em suaves prestações a juros módicos. Dizem que é pra gente já ir se acostumando.



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2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom...
Gostei bastante!!!!

Abraço.

Anônimo disse...

Ótima!
Adorei!