Saíam de casa ainda não havia clareado totalmente o dia. Andavam cerca de trinta minutos até a estrada onde pegavam o ônibus, rodavam mais uma hora, mais uns quinze minutos de kombi e chegavam na obra em torno das sete horas.
Vieram juntos do Ceará atrás de melhores condições de vida. A miséria extrema de onde nasceram e cresceram fez com que decidissem sair de lá. Quando arrumaram trabalho e moradia providenciaram a vinda das famílias.
Na obra em que trabalhavam eram conhecidos como Cabeção e Toco de Vela. Lá todos tinham apelido. Jamanta, Maguila, Tatu, Xuxa (por causa do cabelo oxigenado), Gambiarra, Mineiro etc. Cabeção não se importava, acostumou-se logo com a irreverência dos colegas de trabalho, mas Toco de Vela não aceitava de jeito nenhum. O amigo o aconselhava a deixar para lá, todos tinham apelido. Ele discordava. O Mineiro nasceu em Minas é mineiro, tá tudo certo, mas eles nasceram no Ceará então porque são paraíbas? Mais a mais, não eram os únicos cabeçudos e baixinhos da obra. Na verdade, baixinho como ele (1,50m de altura) não tinha mais ninguém, mas o amigo concordava para não aborrecê-lo.
Ele era “pavio curto” e brigão e como os outros não quissessem briga, mas apenas zoação, quando dispersos na obra, afinavam ou engrossavam a voz para que ele não pudesse reconhecer e gritavam: Toco de Veeeeeela, Toco de Veeeeela. Ele furioso, mas sem saber quem era, tinha que aturar. Um dia, um novato desavisado o chamou pelo apelido e saiu uma briga daquelas. Homens com força física e resistência, foi um custo para apartar. Alguém comentou que ele parecia um pitbull, baixinho e muito forte. Passaram a gritar: Pitbull Toco de Veeeeela, Pitbull Toco de Veeeeeeela. De longe, é claro.
Naquela segunda-feira, durante o trajeto para o trabalho, o baixinho desabafou com o amigo: a patroa estava braba que só, queria um dinheiro que ele não tinha. Trabalhava de segunda à sexta na obra, fazia bico nos finais de semana, ainda fazia a casa em que moravam. Ele e o amigo haviam comprado o terreno e faziam suas casas na medida do possível. Não passavam fome e tinham um teto para morar, ela esquecera rápido da vida que levavam antes. O amigo ouvia calado, deixava-o falar, era melhor que desabafasse.
Trabalharam em silêncio a manhã toda. Na hora do almoço, esquentaram a comida e sentaram-se para comer. Quando o baixinho abriu a marmita levou um susto. A mulher fritara um pé de galinha até esturricar e colocou o feijão, o macarrão, o arroz branquinho e aquele pé de galinha crispado, horrível em cima do arroz. O amigo achou que a comadre tinha exagerado na vingança por não ter a vontade satisfeita, mas nada disse. O baixinho comeu porque aprendeu com a fome que não se rejeita comida, mas aquilo estragou seu dia.
Voltaram ao trabalho, carpinteiros de primeira, o baixinho excepcional, seus telhados eram perfeitos e ele, homem de pouca altura, a desafiava nos telhados, um equilíbrio, uma técnica e uma coragem fora do comum. Precisava também de muita atenção e concentração, mas sua cabeça estava longe. Quando chegasse em casa, ao invés de tomar banho e comer, teria que falar sério com a mulher. Era enfezado na rua, mas em casa não gostava de confusão, casa era para se ter paz. O amigo queria trabalhar na parte mais segura, não falou, mas achou que ele não estava bem. Ele insistiu e foi para a ponta do telhado. E aconteceu. Desconcentrado, um passo em falso, a falta de apoio para o pé, o corpo sem controle inclinando-se para trás, o braço estendido e a expressão incrédula do seu amigo-irmão, o azul do céu em suas retinas e o nada. O baque do corpo no chão fez tremer o amigo. A notícia correu na obra, vieram todos, expressões consternadas, um deles se fora. Cabeção chora e vinda do grupo ouve-se a voz do Mineiro em triste constatação: Toco de Vela se apagou.
Vieram juntos do Ceará atrás de melhores condições de vida. A miséria extrema de onde nasceram e cresceram fez com que decidissem sair de lá. Quando arrumaram trabalho e moradia providenciaram a vinda das famílias.
Na obra em que trabalhavam eram conhecidos como Cabeção e Toco de Vela. Lá todos tinham apelido. Jamanta, Maguila, Tatu, Xuxa (por causa do cabelo oxigenado), Gambiarra, Mineiro etc. Cabeção não se importava, acostumou-se logo com a irreverência dos colegas de trabalho, mas Toco de Vela não aceitava de jeito nenhum. O amigo o aconselhava a deixar para lá, todos tinham apelido. Ele discordava. O Mineiro nasceu em Minas é mineiro, tá tudo certo, mas eles nasceram no Ceará então porque são paraíbas? Mais a mais, não eram os únicos cabeçudos e baixinhos da obra. Na verdade, baixinho como ele (1,50m de altura) não tinha mais ninguém, mas o amigo concordava para não aborrecê-lo.
Ele era “pavio curto” e brigão e como os outros não quissessem briga, mas apenas zoação, quando dispersos na obra, afinavam ou engrossavam a voz para que ele não pudesse reconhecer e gritavam: Toco de Veeeeeela, Toco de Veeeeela. Ele furioso, mas sem saber quem era, tinha que aturar. Um dia, um novato desavisado o chamou pelo apelido e saiu uma briga daquelas. Homens com força física e resistência, foi um custo para apartar. Alguém comentou que ele parecia um pitbull, baixinho e muito forte. Passaram a gritar: Pitbull Toco de Veeeeela, Pitbull Toco de Veeeeeeela. De longe, é claro.
Naquela segunda-feira, durante o trajeto para o trabalho, o baixinho desabafou com o amigo: a patroa estava braba que só, queria um dinheiro que ele não tinha. Trabalhava de segunda à sexta na obra, fazia bico nos finais de semana, ainda fazia a casa em que moravam. Ele e o amigo haviam comprado o terreno e faziam suas casas na medida do possível. Não passavam fome e tinham um teto para morar, ela esquecera rápido da vida que levavam antes. O amigo ouvia calado, deixava-o falar, era melhor que desabafasse.
Trabalharam em silêncio a manhã toda. Na hora do almoço, esquentaram a comida e sentaram-se para comer. Quando o baixinho abriu a marmita levou um susto. A mulher fritara um pé de galinha até esturricar e colocou o feijão, o macarrão, o arroz branquinho e aquele pé de galinha crispado, horrível em cima do arroz. O amigo achou que a comadre tinha exagerado na vingança por não ter a vontade satisfeita, mas nada disse. O baixinho comeu porque aprendeu com a fome que não se rejeita comida, mas aquilo estragou seu dia.
Voltaram ao trabalho, carpinteiros de primeira, o baixinho excepcional, seus telhados eram perfeitos e ele, homem de pouca altura, a desafiava nos telhados, um equilíbrio, uma técnica e uma coragem fora do comum. Precisava também de muita atenção e concentração, mas sua cabeça estava longe. Quando chegasse em casa, ao invés de tomar banho e comer, teria que falar sério com a mulher. Era enfezado na rua, mas em casa não gostava de confusão, casa era para se ter paz. O amigo queria trabalhar na parte mais segura, não falou, mas achou que ele não estava bem. Ele insistiu e foi para a ponta do telhado. E aconteceu. Desconcentrado, um passo em falso, a falta de apoio para o pé, o corpo sem controle inclinando-se para trás, o braço estendido e a expressão incrédula do seu amigo-irmão, o azul do céu em suas retinas e o nada. O baque do corpo no chão fez tremer o amigo. A notícia correu na obra, vieram todos, expressões consternadas, um deles se fora. Cabeção chora e vinda do grupo ouve-se a voz do Mineiro em triste constatação: Toco de Vela se apagou.
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Inspirado na serigrafia Construção, de Anita Bastos.
Inspirado na serigrafia Construção, de Anita Bastos.
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