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Caríssimos amigos:
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Ana
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REVELE O ESCRITOR QUE EXISTE EM VOCÊ! NESTE BLOG PRETENDEMOS EVIDENCIAR A DIVERSIDADE DE INTERPRETAÇÕES NA COMPOSIÇÃO DOS TEXTOS. ESCREVA SOBRE OS TEMAS LISTADOS NAS CATEGORIAS (OU PROPONHA OUTROS), INSCREVA-SE COMO AUTOR E POSTE SEUS TEXTOS.
Numa Terra em Transe, onde o Dragão da Maldade Batalha contra o Santo Guerreiro, nossos dois heróis, Arthur e Thelio, andam pela Via Láctea, por entre Cabeças Cortadas e Heresias, procurando o Discreto Charme da Burguesia. O que nossos heróis não sabem é que o Charme Discreto se perdeu nas fezes de uma burguesia que não é mais a mesma, ela mesma se perdeu, para uma outra que não é aquela. Esqueceram de falar que em Brasília existem duas torres também...
Tempos difíceis, tempos de ostentações, coronelismos daqui e dali. Num mar de sem fim.
Thelio olhou para frente andou pela Terra do Sol. Não viu nem Deus, nem Diabo. Conheceu o cangaceiro Corisco. Salvaram os passarinhos de frente. Soltaram da gaiola. Beijaram os beija-flores. Enquanto isso Arthur por entre os Sertões Veredas, numa zona estritamente modernizada, com ares de Refazenda encontrou-se com um Abacateiro que lhe ensinou a fazer renda, e a refazenda toda, por entre o espírito de São Thiago, no mesmo momento que a roubalheira corria solta no mercado da luxúria interna. Os Esquecidos caminhavam pelas ruas à procura de suas mães que trabalhavam em bordéis locais...
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Por entre Mulheres e Luzes em Andaluz, Os Palhaços e Giulietta assistiam assustados a uma dança de Espíritos que pelas Estradas da Vida guardavam o Sétimo Selo de Histórias Extraordinárias, levadas a cargo por uma produção de senadores que só faziam questão de seus ganhos no fim do mês com a Belle de Jour, grandes Subida ao Céu. Assim cansados de toda intriga palaciana nossos heróis se encontram outra vez na mesma Nave Que Va, e agora junto com Giovani Mariti, contavam Histórias de seus Retalhos da Vida para pessoas menos cultas e para pessoas sem muitas experiências nestes assuntos mercadológicos de latrocínios.
No final das quantas, Nossa Vida Não Cabe Num Opala, A Mulher Continua Invisível, Michael Jackson virou assunto de Globo Repórter, muito Além do Cidadão Kane, Há Poeira Nas Estrelas, O Caso Claudia não foi resolvido, A Terra É do Homem, Nem de Deus, Nem do Diabo e o Tempo Não Para...
Arthur, num grito soberbo de contestação, GLAMOU A TODOS:
- VIVA CAZUZA...
E Thelio?
Bom, Thelio é outro problema, saiu pelas esquinas, El Bruto, atrás de sua Viridiana, carcomido pela intolerância dos seres e saudoso de um bom vinho com queijo e marmelada, como nos áureos tempos do El Gran Calavera em 1949...
Visitem Dan
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Noite de lua...
E eu, muitíssimo exausta, sentei sobre as madeiras amontoadas embaixo da árvore.
Carlos tinha pegado lenha seca na esperança de estruturar o que ele denominou ser uma fogueira – desajeitada arrumação de paus e gravetos, o cotidiano, a mesmice do dia a dia, tinha nos consumido a paciência.
Estávamos estressados... Um simples ruído, meio ao mato, nos sobressaltava, amedrontava.
Acostumados com a cidade grande e com toda sua peculiar agitação, com seus arranha-céus, buzinas de carros e o passar neurótico dos transeuntes a esbarrar em nós...
Aquele silêncio desmedido... Onde só se ouvia o chilrear longe e assustador das aves; o canto das cobras; o lamento tal qual o choro de bebês – das rãs – no riacho ao lado; as incontáveis luzinhas, na escuridão, como se fossem piscas-piscas – os vaga-lumes – nos levando a refletir... Se não fosse tamanho medo – diríamos ser: o céu na terra!
Estávamos em férias, nosso casamento estava uma loucura. Não havia entendimento. A nossa convivência estava se tornando insuportável. Não conseguíamos ver encanto algum em nada... Até mesmo à hora de dormir sempre havia uma desculpa para que não fôssemos juntos à cama... Um caos!
Resolvemos, então, viajar. Ir à fazenda de amigos que insistentemente nos convidavam...
Não tínhamos filhos, ainda. Carlos não os podia gerar por ter varicocele – varizes do testículo, muitos não têm válvulas no interior das veias do testículo para que impeçam o retorno do sangue ao coração: sangue drenado. Assim sendo, acontece o refluxo, no sentido errado, permitindo que este volte ao escroto, ficando parado e causando inchaço, vindo a formar a varicocele. Ah! Como eu queria ter filhos...
Isso afetava e muito a nossa vida em um todo... Principalmente sexualmente. Ele se julgava incapaz e isso estava levando-o a impotência sexual. Carlos tinha passado por uma cirurgia, porém sem sucesso até então.
Sabemos que a varicocele pode ocorrer em qualquer dos testículos ou em ambos. Comumente acontece do lado esquerdo, devido ao fato da veia espermática deste lado desembocar na veia renal esquerda por ser um ângulo reto, isto é, de 90°, sendo a pressão deste lado mais forte - mais alta - que a do lado direito, onde a veia espermática desemboca de forma oblíqua.
O grande sonho de ter crianças a correr na casa, de ser chamada de mãe... de sentir a sensação da gestação, passou de sonho a utopia... Sonhos, às vezes, são realizados... Carlos por vezes falava em adoção... Não! Não quero... Quero os meus! - eu respondia.
Tentava convencê-lo a usarmos a metodologia de inseminação artificial humana. Isto eu queria, seriam filhos nossos...
- Por que não, Carlos? Tentemos esta metodologia com o seu esperma! A criança será nossa, de fato! Quantos casos deram certo... Até mesmo com mulheres estéreis. Não o somos, você tem uma deficiência que pode ser tratada, resolvida em parte! O que importa é a nossa realização em termos filhos, em sabermos que o que construirmos não será vão. Teremos continuidade, descendência...
Assim, resolvemos viajar, dar uma oportunidade a nós mesmos, ao nosso casamento. Saímos em férias no mesmo período... E ali estávamos, rumo à fazenda.
Em uma noite fria e enluarada, meio ao mato... ouvindo o chilrear dos pássaros, o canto das cobras, e como se fossem bebês a chorar no riacho – as rãs – doce ironia do destino ou profecia através da manifestação da natureza...?
Só sei que o medo nos aconchegou, senti o hálito de Carlos bem no meu rosto, suas mãos como que a me proteger, protegendo-se... o calor da fogueira, desajeitada tanto quanto nosso casamento.
Senti ternura! Descobri que existia amor e muito amor entre nós...
Ali, no meio do mato, às margens do riacho, em noite de lua, nos amamos, fizemos amor...
Gozamos... férias acumuladas. Voltamos com sintomas estranhos e ligeiramente... Grávidos!
O que vale mais que o tormento da eternidade? Nada. Tem umas coisas que o ser humano desafia só por causa de sua natureza. É evidente que sempre reclama à nossa consciência a possibilidade de não haver punição eterna. Evidentemente há a hipótese de inexistência de céu e inferno. Mas… E se existisse… Haveria algo que valeria sofrimento tão pujante? Nada. Nem mesmo toda a razão da sua própria existência? Talvez nem mesmo isso. O sofrimento é capaz de destruir tudo, e até sua existência não faria sentido sem uma perspectiva de futuro, ainda que tal perspectiva fosse a própria morte.
Gemiti, homem já velho e criado pelos bares, regado a belas doses e desabrochado nos mais belos colos da Rua do Alto Mandamento, acordou certa vez pra sempre, ou dormiu certa vez pra sempre, depende muito do lado do qual você observa. Olhando para o local onde falecera, percebeu que seu copo jazia ali, inerte, à espera de sua boca sedenta, mas não conseguia tocá-lo. Tentou muitas vezes, e, malogrado o êxito de sua campanha rumo ao gole de rum, deu-se por satisfeito de ficar ali, embasbacado, olhando para a garrafa abandonada.
Aí chegou “a inesperada”, com foice, capuz e tudo mais quanto tinha direito. Toda de preto pra não deixar dúvida. Até o vento traiçoeiro da meia-noite bateu, e percebia-se, inclusive, certos uivos pelo ambiente. Chegou perto de Gemiti, como quem não queria nada, sem que ele pudesse perceber, mas, naturalmente, era como se sempre estivesse ali, como se ele sentisse sua presença e lhe pudesse farejar. Saiu em disparada pela Rua do Alto Mandamento e só quando já ia à altura da Rua do Almirante se deu conta que não havia ninguém. Tudo era sereno.
A neblina imperava com seu ar pesaroso como se já fosse o velório. Gemiti, incrédulo, relutava, sem acreditar que a divina hora chegara, mas teve coragem: decidiu esperar ali, pra ver o que sucederia, e… principalmente… o que lhe esperava. Pensou que talvez pudesse invocar alguém, algo, qualquer coisa. Não tinha nada. Ficou cabisbaixo, como que a matutar sobre qual a atitude mais honrada, o que melhor fazer diante daquilo tudo.
Nesse ínterim, subia a Velha Dona Morte, com uma passada desleixada, com sua árdua e perene tarefa, com uma tranquilidade que não parecia verossímil aos olhos do iminente defunto, acostumada e relaxada na hora cabal pra cada um, costumeira sempre a ela. Chegou perto, e seu bafo era horrível, mas, mesmo assim, lendo um papel, teve de falar.
- Gemiti dos Santos?
- É… É… Eu - eu… Me-me-smo.
- Vamo. Tá na hora.
- Hora de quê?
- De subir, né, querido?
- Então é isso? Ao menos quer dizer porque vou subir?
- Não sei muito bem. Não sou eu que resolvo isso. Mas você desenrola quando chegar lá.
- Desenrola uma porra! Eu tô sabendo que não tem jeito. Daqui pra frente não tem mais chance. Já dancei.
- Mas não é assim. Com uma boa justificativa a gente sempre desenrola alguma coisa por ali.
- Desenrola nada! O que tá feito, tá feito.
- Que nada! Com uma boa justificativa a gente sempre pode mudar o peso dos atos.
- Ih! Sei não…. Olha lá, hein! Depois eu entro errado aí e não tem mais volta!
- Olha, eu tenho um cara que tá esperando no cruzamento da Frei Caneca com a Escrava Isaura. Morreu de facada. Imagina a situação! E tu só aqui enrolando. Tá ruim assim.
- Mas eu não tenho direito nem a um último desejo?
- Mas tenha pena do pobre coitado que tá lá estirado no chão. Já tá juntando mosca por causa de você aqui.
- Caramba! Tá tudo certo. Mas se eu pudesse, ao menos…
- Ao menos o quê?
- É que eu deixei um serviço incompleto aqui entre os homens.
- Conversa!
- É sério. Palavra.
- Que foi que ficou pela metade?
- Pela metade, não. Mas ainda falta só uns três dedinhos assim…
- Mas pelo amor de Deus! A essa hora, Gemiti?! Assim não tem quem aguente!
- Mas que “vexame” é esse também? É essa hora sim! Qual é a outra que eu tenho?
- Olha, o cara tá lá esperando, viu?! Isso é até pecado!
- Mas como é que já se viu! Ser autoritário desse jeito! E mexendo com coisa tão importante!
- Tá bom. Faço um acordo então. Você fica até beber tanto quanto conseguir. Desisto! Mas também… Quando não conseguir mais beber… Eu volto… E você desce direto!
- Direto? Sem nem um julgamento? Mas isso não é inconstitucional?
- Direto!
- Tá bom. Mas só quando eu não conseguir mais entornar nada. Tá certo assim?
- Tá feito. Tchau.
E foi assim que Gemiti, acordando com a face em cima de uma mesa de bar, teve a desfaçatez de olhar bem na minha cara e dizer: “De hoje em diante não bebo nunca mais! Nem mais um gole!”, e nunca mais voltou. Deixou inclusive a conta pendurada nas minhas costas.
Sei não. Acho que só tem duas coisas que fazem um homem enganar aquilo que não pode ser enganado: a covardia ou a preguiça. Um brinde aos preguiçosos pela sua inocência.
Em uma noite de abril, os alunos e professores do Colégio Fantástico passaram algumas horas – ou quem sabe, várias horas - na escola.
Júlia, João, Luiza e Matheus talvez tenham passado o equivalente a uma eternidade presos naquele ambiente tão familiar, tão perturbador.
Os amigos Júlia, João e Luiza eram mais que irmãos desde os 11 anos; seriam capazes de arriscar a vida uns pelos outros e se conheciam tão bem, que sempre sabiam o próximo passo dos amigos, independente da situação. Às vezes essa “previsibilidade” era entediante...
No dia, curiosamente, apenas os primeiros anos tinham aulas à tarde. Quando qualquer vislumbre de luz vespertina se foi, a aula de Física acabou e os três amigos descobriram que não havia lua no céu, nem sequer a faísca de um brilho de estrela. Eram 18:00 e uma sombra amedrontadora tomou conta do Colégio Fantástico.
Por uma força até hoje inexplicável, todos os alunos e professores desapareceram. Apenas Júlia, João, Luiza, Matheus e a escuridão total restaram na escola. Júlia conhecera Matheus, rapidamente, numa lanchonete em março, mas para João e Luiza, ele não passava de um desconhecido estranhamente familiar.
Em situações de medo e escuridão, infelizmente, tendemos a confiar em pessoas desconhecidas e buscar desesperadamente a luz. Mal Júlia, João e Luiza sabiam que esse seria seu maior erro... Se os amigos soubessem que é apenas o desconhecido - por todos os males que sofremos e tememos, o mais traiçoeiro e que menos merece nossa atenção - que tememos quando olhamos para a escuridão; ele aparece de várias formas, inclusive inofensivas e prestativas, tudo teria sido mais fácil. Mas a imaginação deles tendia de tal forma a pensar no pior, que o desconhecido mostrou sua pior face.
Engolindo o medo, João vasculhou a área e concluiu que a energia havia sido cortada, os celulares estavam “fora de área” e todas as portas e janelas que possibilitariam uma saída do colégio estavam trancadas. “Ótimo”, pensou ironicamente, “vou dar as más notícias às meninas e Matheus”.
Quando concluiu essa medíocre linha de raciocínio, João podia jurar ter visto um vislumbre vermelho nos olhos de Matheus.
- Hum... - começou confuso, e tentando, acima de tudo, manter a calma, os pés no chão e ignorar os olhos do desconhecido, que ficavam cada vez mais vermelhos quando João parava de olhar diretamente para eles - Parece que estamos trancados numa jaula sem energia elétrica ou celulares.
- Já volto. – disse Matheus, enquanto o barulho de seus tênis indicava que ia para leste, a direção do laboratório de química e dos banheiros.
Não houve tempo para João comentar sobre os olhos de Matheus, as meninas falarem do medo sufocante do desconhecido, os três pegarem os celulares para iluminar o ambiente ou dizerem da estranha familiaridade de Matheus - coerente para Júlia e talvez para João e Luiza, considerando que já deviam ter visto Matheus alguma vez no Colégio Fantástico.
Súbito, luzes, vultos pálidos e distantes, que estavam e não estavam lá, assim como os olhos vermelhos de Matheus, começaram a se aproximar dos amigos. Com o passar dos segundos, os vultos foram tomando mais forma.
Os vultos se tornaram pessoas “sólidas”, aparentemente tocáveis. A cada passo que davam, o pavor tomava mais conta do coração dos amigos. Abatidas, pálidas, jovens e estranhamente familiares. O número de pessoas parecia aumentar e, quando se deram conta, havia uma multidão paralela caminhando aleatoriamente por toda escola.
Os amigos ficaram felizes ao perceber que eram pessoas conhecidas - todos os alunos e professores daquele gigantesco colégio - mas a onda de conforto durou pouco. Quando olharam novamente, João, Luiza e Júlia perceberam que havia um talho de 20 centímetros, exposto em carne viva no braço de uma garota do 3º colegial. Seu olhar era quase indiferente, ela parecia não sentir a dor fulminante que tomaria conta do braço de qualquer mortal. Os amigos diriam que era indiferente porque estava acostumada ou porque o ferimento tinha cicatrizado, se não fosse pelo fato de que o talho ainda estava sangrando, como se alguém tivesse reaberto ou feito o talho há alguns instantes.
Olharam novamente para o local, mas não diretamente para a garota. A colega andava na direção deles... E agora? Teria ela se cortado, propositalmente ou não, desejando fazer o mesmo com Júlia, Luiza e João? O que seria uma faca nas mãos de uma vingativa?
Eles se deram conta que a garota, pálida, forte, de olheiras profundas e olhar indiferente conversava com um colega ao lado deles. Mas, agora, quando a miravam, direta ou indiretamente, eram recebidos com um olhar intimidador e raivoso de uma garota ferida.
Apavorados, saíram de perto da conhecida do 3º colegial e deram de cara com uma perna masculina na mesma situação peculiar. Ela pertencia ao Guilherme, mais pálido do que nunca, cuja única reação foi encará-los e continuar o trajeto, como se estivesse na rua. Desviaram o olhar e encararam o talho familiar, dessa vez cortando na diagonal as costas nuas de uma garota de cabelos vermelho-sangue e blusa frente-única preta.
Os ferimentos só iam piorando, e cada vez os três irmãos-amigos viam mais pessoas queridas gravemente machucadas. Eles queriam poder fazer algo para ajudá-las, mas se questionavam se realmente estavam lá. Aquele não era o ambiente familiar que eles conheciam, assim como não era mais uma escuridão total, uma vez que os “vultos-pessoas” pálidos eram enxergados. O desconhecido já havia escolhido sua face.
O auge do medo surgiu com uma garotinha de 7 anos. A pobre criatura era irreconhecível. Estava extremamente deformada e torturada.
No rosto, o queixo estava deformado, com o maxilar inferior projetado para frente; as pálpebras extremamente caídas; os olhos, vermelhos; e a bochecha esquerda, com aquele pequeno talho familiar.
O braço direito fora amputado, estava exposto em carne viva e sangrava baldes. Havia pequenos cortes no outro braço e suas pernas - cobertas até o meio da coxa por um vestido florido manchado de sangue - tinham vários talhos grandes e profundos, expostos em carne viva que sangravam - era o tipo de ferida que atordoava os três amigos e a sina de várias pessoas naquela cena perturbadora. Por quê?
As orelhas da criaturinha estavam queimadas. Talvez ela fosse surda. As áreas do seu corpinho que ainda tinham pele original estavam vermelhas ou com manchas-roxas. Seus cabelos eram negros. Um dia ela tivera olhos verdes, fora bonita e feliz. Ela mancava e era evidente que pouco tempo de vida lhe restava. A criatura chorava sangue e segurava uma faca enferrujada na mão esquerda.
Quando olharam ao redor, Júlia, João, Luiza e Matheus - que acabara de voltar de sei lá onde - perceberam que todos os alunos e professores do Colégio Fantástico formavam círculos macabros ao redor deles, liderado pela criança irreconhecível. Agora, todos tinham as roupas rasgadas, gastas e sujas, e algum tipo de ferimento grave no corpo. Olhando direta ou indiretamente para eles, não havia saída. O ambiente perturbador não era mais paralelo, a multidão realmente estava lá e encarava os quatro com um olhar raivoso.
- O que vocês querem da gente? - bradou Luiza, as lágrimas brotando de seus olhos.
- Ahh! Eles sabem falar, Adylva! - disse, ironicamente, o professor de música, Harrison, para a criança que chorava sangue.
Um aluno fez gestos surdo-mudos para Adylva, comprovando que ela era surda, mas ainda enxergava algo. A mesma respondeu com uma risadinha falhada.
- Diga! Acabe logo com essa tortura.
- Você ainda não viu o que é tortura, minha querida. - disse o professor.
- Por favor, não faça nada de mal aos meus amigos... Fiquem comigo e deixem eles livres. - interpôs Júlia.
- Não, Júlia! Eu fico no seu lugar. - respondeu João.
- Vamos resolver isso juntos, galera. - contrapôs Matheus.
- Júlia e João, vocês dariam suas vidas... - começou o professor.
- Sim! - disseram prontamente.
- Por um desconhecido? - Ele batucava uma marcha fúnebre com as unhas compridas na parede.
- Não! - responderam os três amigos prontamente.
- Apenas queremos que vocês aceitem se tornar um de nós. - disse apontando para a faca enferrujada que a criatura Adylva segurava frouxamente - Se vocês quatro aceitarem, deixaremos vocês irem embora.
- Se apenas um de nós aceitar...? - indagou João.
- O acordo valerá apenas para essa pessoa: ele não estará preso, de forma alguma, a essa noite.
- E se não aceitarmos? Vão nos cortar em pedacinhos? - perguntou Luiza, raivosa.
- Bom, se não aceitarem nunca, seremos obrigados a pegar um pouco do sangue de vocês, pra não sentir fome. E é claro que ocorrem imprevistos, acidentes com facas, descontroles, entre outros. De certa forma, sim, algum dia vocês virariam salsicha. - falou com um ar indiferente - Não perceberão, mas ficarão presos a este momento uma eternidade, se for preciso, até o dia em que aceitarem ou implorarem (chame como quiser) para se tornar um de nós. Vocês passarão por situações pavorosas, todas as noites, até lá.
- Eu aceito a condição, contanto que eu saia vivo daqui. - disse Matheus.
- Não podemos garantir isso...
- Se for pra eu morrer esquartejado, hoje ou amanhã, prefiro que seja hoje a esperar uma data desconhecida.
Matheus mal terminou a última palavra de seu pequeno discurso, para transmitir um grito de dor e agonia. Com exceção dos três amigos, todos se posicionavam indiferentes à situação. Adylva tinha avançado com a faca enferrujada para o braço de Matheus, deixando um profundo talho familiar.
Quando a primeira gota de seu sangue manchou o chão, os círculos se desfizeram, os estranhos familiares desapareceram. As luzes acenderam e o céu apresentou um crepúsculo com tons avermelhados. - Será que o tempo não tinha passado? - As portas se destrancaram, assim como as janelas. Os celulares emitiram quatro sons distintos: eles não estavam mais fora de área.
Júlia, João, Luiza e Matheus não se deram ao trabalho de pegar o material escolar, saíram correndo do Colégio Fantástico e foram para uma lanchonete não muito longe, que ficava aberta 24 horas.
Luiza, João e Matheus foram os primeiros a entrar no local pouco conhecido. Júlia parou para amarrar o cadarço do tênis. Quando entrou, percebeu que dezenas de olhos avermelhados que estavam e não estavam lá a encaravam, exceto por Matheus, que olhava descontraído o cardápio. Era a lanchonete onde ela e Matheus tinham se conhecido no mês passado. Júlia não avistou João ou Luiza.
Ela se sentou junto ao amigo:
- Estava amarrando o meu tênis... Nossa que coisa mais estranha aconteceu hoje, hein? Eu achei que aquele bando de mortos-vivos ia me amarrar ao pé da mesa. - disse procurando João e Luiza com os olhos.
Matheus abaixou o cardápio e encarou Júlia.
- Me desculpe, mas... Eu te conheço?
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Visitem Nina