Já na terceira idade, por um desses imprevistos negativos da vida, fui obrigada a tomar um trem para o outro lado da cidade. Um local pobre e sem lei.
É comum nos imaginarmos em situações de prestígio, em situações de conquista e elevação, mas dói por demais nos imaginarmos em situações perigosas e desagradáveis.
Por dois dias antes de tomar esse transporte, poluí minha mente com historinhas de terror, vivi mesmo um faroeste. Não podia nem de longe me conceber voltando de lá sem adquirir sequelas.
Abominei minha vida e os fatos que me levaram até lá.
Ignorei que inúmeras pessoas, talvez grande parte educada como eu fui, não iam para lá resolver uma questão, mas, sim, viviam lá, compartilhavam de tudo aquilo que me desagradou.
Será que mereciam?
Ao invés de agradecer aos Céus a grande ventura de viver a vida quase toda sem a necessidade deste contato com a miséria e a privação, indignei-me.
Esqueci-me da humildade, esqueci-me da solidariedade, esqueci da minha falta de dificuldade, esqueci-me, enfim, de me mostrar humana.
Ciente e apavorada com minha forma de ser, em todo o tempo que transcorreu o trajeto, mais ou menos hora e meia, procurei ser justa com a situação, procurei observar as pessoas, colocá-las no meu lugar e, ato contínuo, me colocar no lugar delas.
Espantei-me ainda mais quando não consegui.
Parecia haver um mundo entre nós.
Difícil, mais que a viagem de trem, foi perceber esta distância, perceber minha resistência e visualizar frente a frente minha petulância em me sentir maior e melhor do que qualquer um.
Mas é verdade!
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