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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Eu - por Alba Vieira

Era uma vez uma menina de olhos negros, tão viva e leve quanto clara. Vivia sem complicações, fixada nas tarefas, nas coisas concretas, interessada por pessoas e acontecimentos. Era feliz dentro de sua simplicidade. Tinha seus medos, é certo. Medo do que escapasse ao seu controle, medo do irreal e daquilo que, sendo do mundo real, um dia já a tivesse molestado. Assim, procurava se proteger. Vivia em estado de alerta e organizou poderosas defesas ao longo de sua vida, que acabaram por suprimir sua leveza e espontaneidade. Agora estava impedida por grilhões auto-impostos e precisava rompê-los, custasse o que custasse.
Aventurou-se a conhecer o mundo e, principalmente, a si própria. Estudou muitas coisas - teoria não lhe faltava -, mas sempre esbarrava na prática, onde acabava se repetindo sem promover as verdadeiras transformações de que se julgava capaz. Enfim, era uma tola. A descoberta de suas dificuldades para libertar-se de si mesma acabou lhe trazendo um certo ar de tristeza que procurava disfarçar com excesso de movimento, mas lá no fundo sentia-se estagnada. O que fazer, pensava sempre. Sabia, por ouvir dizer, de todos os caminhos possíveis, mas não se aventurava a percorrê-los de fato. Queria não ter dúvidas, queria ser plácida, queria ter na vida o olhar calmo que sua alma detinha. Mas, que nada! Era insegura. Não conseguia ser o que no fundo era.
Um dia a menina de olhos negros pensou na morte. Como seria não mais ser o que era? Seria tão difícil ser estática e fria? Precisava deixar morrer em si o que não mais lhe servia. Tinha que desapegar de tudo, das pessoas, das posses, das habilidades, dos sonhos, das idéias. O que restaria? Olhou no espelho, através dos olhos negros e não encontrou nada. Estava feito. Poderia partir então. Fixou o nada. Despojou-se de toda luz que pensava ter. Era só trevas, só solidão, só desespero. Contraditório. Porque o real é a vacuidade, a escuridão... tudo mais se constitui em ilusão e até a simplicidade da menina era ilusão. Na verdade era um disfarce. Ela era abissal. Tão negra quanto seus olhos. E estava mergulhada numa densidade difícil de vencer. Não queria mudar nada. Sentiu, pela primeira vez, como era triste, complicada e deprimida. E gostou de ver-se pela última vez.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Comentário por Ana — 1 janeiro 2009 @ 12:52

Lindo!